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4. SETOR INDUSTRIAL

4.6 PROGRAMAS DE RELATO DE EMISSÕES NA INDÚSTRIA

4.6.1 Práticas de monitoramento

Em princípio, os métodos para monitoramento de emissões na siderurgia podem ser considerados de fácil aplicação, devido à existência de associações e protocolos internacionais, e também devido ao fato de as tecnologias de produção não variarem muito entre países, ainda que os fluxos de materiais possam ser bastante complexos (IEA, 2007).

Internacionalmente, as emissões de GEE oriundas do processo produtivo de ferro-gusa e aço são objeto de normas adotadas em diferentes jurisdições e iniciativas. Dentre as iniciativas setoriais voluntárias, cabe mencionar o Climate Action Recognition Programme, promovido pela World Steel Association123 (WSA). As regras do programa seguem a norma ISO 14404: 2003 - Calculation method of carbon dioxide emission intensity from iron and steel production, uma abordagem baseada em intensidade, isto é, que busca mensurar a quantidade de emissões de CO2 por tonelada de aço produzido. A referida norma contempla usinas produtoras de aço com alto-forno (blast furnace) ou com forno elétrico a arco (electric furnace arc) (WSA, 2014).

O objetivo da iniciativa é tanto monitorar o progresso das plantas em termos de redução de emissões, como estabelecer medidas prioritárias para melhoria. Os dados são coletados em caráter confidencial seguindo metodologia ISO 14404 (WSA, 2013). De acordo com De Paula (2012), no Brasil todas as usinas do setor siderúrgico passaram a realizar o inventário de emissões de CO2 a partir de 2009 com base na metodologia desenvolvida pela WSA.

Quadro 15 – Experiências empresariais na cadeia de produção do aço

Quanto aos setores consumidores de aço, importa mencionar algumas iniciativas corporativas, a exemplo do Programa

Cadeia do Aço, conduzido por uma fabricante de eletrodomésticos. De acordo com a empresa, o objetivo da iniciativa é

verificar o atendimento às normas de Responsabilidade Social, Saúde e Segurança e Gestão Ambiental, por parte de seus fornecedores. Além disso, o aço é um insumo essencial para o negócio da empresa, dado que corresponde a 70% do conteúdo de matéria-prima dos eletrodomésticos que vende.

O IABR relata também o projeto de uma de suas associadas que visa produzir aço de maneira mais eficiente e com menor impacto ambiental. O investimento realizado foi de US$ 95 milhões, sendo que US$ 60 milhões destinaram-se à conclusão do plantio de eucaliptos, à construção de 142 fornos de carbonização, à modernização do maquinário, enquanto o restante foi aplicado nas alterações do alto-forno e do pátio de estocagem da matéria-prima. De acordo com a empresa, foi possível reduzir as emissões de CO2 da planta em 50%. Outros benefícios foram a redução de custos do processo produtivo e a independência estratégica para o agente redutor (IABR, 2013a).

123 Associação internacional que representa aproximadamente 170 produtores de aço, incluindo 16 das 20 maiores empresas de siderurgia.

Quanto ao monitoramento de emissões associadas à produção de carvão vegetal, cabe mencionar ainda que a ABNT instituiu uma comissão de estudo da produção deste energético para discutir a elaboração de normas técnicas estabelecendo critérios de qualidade (boas práticas) para o processo produtivo, o produto e o pessoal empregado na atividade. Adicionalmente, dois projetos de MDL relativos a carvão vegetal foram aprovados pelo Conselho Executivo do MDL, por duas metodologias diferentes (BRASIL, 2010b).

Dentre as iniciativas voluntárias para promoção de práticas empresariais sustentáveis na produção do aço, destacam-se o Protocolo de Sustentabilidade do Carvão Vegetal; o Rótulo Ecológico; e a certificação de produtos (IABR, 2013a). Parcerias de empresas do setor com universidades foram feitas para o desenvolvimento de pesquisas na melhoria de eficiência da carbonização e redução de emissões por meio de captura e queima dos gases do processo de produção de carvão vegetal.

Lançado em 2012, o Protocolo de Sustentabilidade do Carvão Vegetal foi assinado por dez empresas124, tendo como objetivos: exigir a comprovação documental requerida pela legislação aos fornecedores de carvão vegetal e dos produtos dele derivados; concluir até 2016 o pleno atendimento de estoques florestais às respectivas demandas de produção por meio de plantio próprio ou plantio de terceiros em consonância com a legislação; desenvolver/implementar tecnologia para captação e queima de gases no processo de produção de carvão vegetal, a fim de reduzir as emissões de GEE, entre outros (IABR, 2013b).

Assim, o Protocolo tem buscado avançar na elaboração de normas técnicas para definição de critérios de sustentabilidade a serem verificados no processo de auditoria e certificação da produção de gusa a carvão vegetal. Segundo o IABr (2013a), 86% do carvão vegetal utilizado pela siderurgia provém de florestas plantadas, das quais parcela significativa já conta com certificações florestais reconhecidas, como o selo Forest Stewardship Council e CERFLOR.

Desse modo, as contrapartidas do incentivo proposto encontram forte correspondência com os objetivos destacados acima, porém adicionariam maior rigor às exigências de comprovação, uma vez que a adesão ao Protocolo, além de ser voluntária, não implica benefício financeiro direto, mas sim reputacional. Entretanto, é importante mencionar que as próprias empresas envolvidas na iniciativa concluíram que a certificação das empresas produtoras de ferro-gusa a carvão vegetal seria medida efetiva para “aumentar o nível de confiança de que as matérias-primas (carvão vegetal e ferro-gusa) fornecidas por terceiros foram produzidos em plena conformidade com a legislação vigente, considerados principalmente os aspectos ambientais, sociais e trabalhistas” (IABR, 2013a, p. 26).

124 São elas: Aperam South America, ArcelorMittal, Gerdau, Siderúrgica Norte Brasil (Sinobras), Thyssenkrupp CSA Siderúrgica do Atlântico, Usiminas, Vallourec &Sumitomo Tubos do Brasil, V&M do Brasil, Villares Metals e Votorantim Siderurgia.

Figura 22 – Modelo de Certificação do Carvão Vegetal

De acordo com o IABr (2013a), a elaboração de norma técnica para estabelecimento dos requisitos de sustentabilidade a serem verificados em processo de auditoria seria iniciada em 2013, envolvendo a participação de instituições públicas, empresas e outras partes interessadas.

Além do Protocolo de Sustentabilidade do Carvão Vegetal, há que se mencionar o Rótulo Ecológico125 é um selo verde, desenvolvido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), presente em produtos siderúrgicos (vergalhões, telas soldadas, treliças, pregos, arames para amarração, além de perfis leves e fios e barras laminadas) que sinaliza ao consumidor que tais materiais foram fabricados por meio de processos capazes de reduzir o impacto ambiental do produto durante todo seu ciclo de vida. O selo é concedido por uma entidade de terceira parte, de forma imparcial.

O rótulo é concedido de forma imparcial por entidade de terceira parte para determinados produtos ou serviços que são avaliados com base em critérios pré-definidos. O programa de rotulagem é voluntário e “outorga uma licença que autoriza o uso de rótulos ambientais em produtos, indicando a preferência ambiental de um produto dentro de uma categoria de produto específica com base em considerações do ciclo de vida” (ABNT, 2014a).

Os critérios estão listados no Procedimento Específico, ao qual a empresa deve se adequar para obter a certificação do produto. Os critérios para matéria-prima de produtos de aço requerem que o fabricante qualifique seus principais fornecedores, focando nos seguintes insumos: minério de ferro, calcário, cal,

125 Detalhes do programa de rotulagem ambiental podem ser obtidos em: http://rotulo.abnt.org.br/. Acesso em: 16 mai. 2014.

coque metalúrgico, óleo utilizado no processo, carvão, gusa e sucata, considerando, no mínimo, o cumprimento da legislação ambiental aplicável. Para comprovar o atendimento a esse requisito, é exigido do fabricante que este mantenha documentação comprobatória (licenças, certificado de regularidade, autorizações legais etc.) de seus fornecedores. Por meio de auditorias, o órgão certificador aleatoriamente coleta amostras dos insumos para a realização de testes.

Já os critérios relacionados à gestão de energia e CO2 exigem do fabricante: i) programa de gestão de eficiência energética; ii) realização anual do inventário de emissões “no formulário de Fontes Energéticas dos Relatórios de Emissões Atmosféricas”, sendo que para comprovar esse requisito deve elaborar o inventário seguindo metodologia da WSA ou IPCC, relatando emissões de escopos 1 e 2.

O Selo Ecológico concedido pelo Instituto Falcão Bauer de Qualidade, por sua vez, embora inclua diferentes dimensões ambientais (emissão de efluentes, uso de água e resíduos), não especifica quais métodos de contabilização utilizar para que o fabricante possa “medir, registrar e relatar suas emissões significativas de GEE”, no quesito controle de emissões atmosféricas (IFBQ, 2011).

A ABNT e o Instituto Falcão Bauer de Qualidade (IFBQ) são acreditados pelo Inmetro para avaliar o cumprimento de normas técnicas e desempenho de produtos siderúrgicos. Testes são aplicados ao produto em todo seu ciclo de vida, desde as matérias-primas em sua composição até seu descarte. O selo concedido por essas organizações contribui para que empresas do setor de construção civil possam pleitear a certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) a seus empreendimentos.

Recentemente, o Instituto Ethos, em associação ao Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a WWF e a Fundación Avina, inaugurou mais uma iniciativa de rastreamento do carvão vegetal, o Programa Modular de Verificação da Cadeia Produtiva do Carvão Vegetal para a Produção de Ferro-Gusa – ProMoVe. Apesar de ter sido motivada por denúncias relativas às condições de trabalho em carvoarias na região Norte, a iniciativa expandiu os objetivos para gradualmente implantar instrumentos de controle ambiental ao longo de toda a cadeia produtiva.

Cimento

Assim como no caso da siderurgia, os métodos de quantificação para o setor de cimento estão relativamente consolidados. Diversos programas de relatos de emissão internacionais incluem as emissões oriundas da produção de cimento, havendo possibilidade de comparação internacional para desempenho energético e ambiental.

Em âmbito internacional e voluntário, deve-se mencionar a Cement Sustainability Initiative (CSI) que reúne empresas membro do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). A Cement

Sustainability Initiative publica e atualiza diretrizes para monitoramento das emissões (WBCSD, 2012) com o objetivo de: fomentar a adoção de processos uniformes de monitoramento e relato de emissões; fornecer informações críveis, relevantes e de fácil compreensão sobre emissões; e fornecer uma ferramenta de gestão interna que permita o levantamento de informações. As brasileiras Cimentos Liz e a Votorantim Cimentos fazem parte da iniciativa, além de outros grupos estrangeiros que também atuam no País, como Cimpor (Portugal), Holcim (Suíça) e Lafarge (França).

O programa voluntário GHG Protocol também oferece ferramentas de cálculo de emissões para produção de diversos materiais, inclusive ferro e aço. A ferramenta setorial para esses materiais fornece dois métodos diferentes para calcular as emissões de CO2. Um método utiliza dados relativos às quantidades de agentes redutores e aditivos utilizados nos altos-fornos, assim como as quantidades de fluxos de carbonato introduzidas no forno. O método alternativo utiliza dados sobre a quantidade produzida de ferro ou aço, além de fluxos de carbonato. O cálculo das emissões a partir de um ou outro método pode ser ajustado para levar em consideração a “exportação” de subprodutos que contêm carbono (GHG PROTOCOL, 2008). O alto grau de flexibilidade da iniciativa contrapõe-se com o nível de padronização de exigência entre inventários, que pode ser considerado baixo.

No âmbito mandatório, importantes referências incluem a regulação da Comissão Europeia para estabelecimento de parâmetros que permitem o funcionamento do European Union Emissions Trading System (EU ETS) (CE, 2012) e da Califórnia, com o mesmo objetivo de apoiar o sistema de cap-and-trade de permissões para emitir GEE no estado (CARB, 2013). No caso europeu, os níveis de detalhamento (tiers) de dados e informações para os métodos baseados em cálculo das emissões de ferro e aço são especificados no Anexo II da referida norma, ao passo que o escopo e regras de monitoramento específico de cada atividade específica em cada instalação são descritos no Anexo IV do regulamento.

Química de base

Quanto à indústria química de base, devido ao pequeno número de instalações e à experiência em coletas de dados de emissões para fins do inventário nacional, o cálculo de emissões pode facilmente ser realizado no nível da instalação (para cada produto), por meio de informações levantadas pela associação setorial (ABIQUIM) (ABDI, 2012c). Assim, o estabelecimento de MRV e mesmo a fiscalização dos processos industriais para aqueles produtos mais intensivos em emissões de GEE não devem constituir grande obstáculo a um eventual programa de incentivos fiscais.

Embora tenham sido enfatizadas as práticas de monitoramento para os setores de siderurgia, cimento e, em menor grau, química, importa ressaltar que o monitoramento de emissões de GEE de outros segmentos industriais, sobretudo as oriundas de combustão estacionária e processos industriais, encontra-se relativamente consolidado. Entretanto, seria preciso estabelecer uma estrutura técnico-regulatória para a

coleta e sistematização dessas informações, à semelhança da que foi proposta pelo GVces (2013a)com o objetivo de apoiar o funcionamento de sistemas de comércio de emissões e outros programas governamentais para redução de emissões.