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Assim como outros temas, o desenvolvimento local também é caracterizado pela multiplicidade de discursos e práticas que lhes estão associados. Devemos reconhecer que é difícil dar uma única definição para o termo desenvolvimento local. Tanto é que nos perguntamos de que tipo de desenvolvimento estamos falando quando nos referimos ao desenvolvimento local. É um desenvolvimento econômico, cultural, territorial ou se trata de um conceito multidimensional que pode contemplar diferentes compreensões?

Quando falamos de desenvolvimento, logo nos vêm à mente algo com uma perspectiva de mudança, de progresso, de crescimento. Temos uma ideia que desenvolvimento gera mudança e melhoria para uma dada condição. E, o próprio conceito de desenvolvimento também vem passando por mudanças, por transformações ao longo dos séculos, inclusive já tendo sido visto como sinônimo de “Progresso” ou de crescimento econômico.

Para José Arocena (1986) não existe ainda uma teoria de desenvolvimento local, mas sim teorias de desenvolvimento que se diferem na maneira de olhar e considerar o local. Nestesentido, para o autor, o desenvolvimento localé um novorótuloou um novo qualificadorentre tantos outrosque juntamos ao termo “Desenvolvimento”. Por outro lado, autores como Bava (1996) acreditam que:

É importante assumir que o desenvolvimento local é endógeno, nasce das forças internas da sociedade; ele constitui um todo, com dimensões ecológicas, culturais, sociais, econômicas, institucionais e políticas, sendo que a ação a seu serviço deve integrar todas essas dimensões. (BAVA, 1996, p.58).

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Acredita-se que, mesmo sendo um conceito polissêmico, o desenvolvimento local é uma estratégia de intervenção pelo qual atores locais se tornam conscientes de que o destino de seu ambiente de vida está em suas mãos. Portanto,

(...) quando falamos em desenvolvimento local só podemos estar falando sobre isso – ainda que com diferente terminologia ou com outro aparato conceitual –, pois o desenvolvimento depende de decisões e de iniciativas locais, e da possibilidade de formulação e de implementação de um projeto, formal ou informal, pelos atores locais, que possa servir como uma espécie de catalisador das diferentes estratégias de reprodução social das unidades familiares que fazem parte das comunidades locais. (DELGADO, 2001, p.69).

Deser (1999) aponta na mesma direção, ao afirmar que o desenvolvimento local resulta das ações múltiplas e articuladas de diferentes agentes socias de um dado município ou local, com o objetivo de tecer uma estratégia a longo prazo. Portanto, “não se trata apenas de políticas públicas, mas de uma nova cultura e de ações voltadas para a construção de um objetivo comum” (DESER, 1999, p.33). Definitivamente verifica-se que o desenvolvimento local, longe de ser uma panaceia, é um conceito utilizado para compreender e explicar estratégias de desenvolvimento que contemplem as ansiedades de uma parte da população negligenciada pelas políticas capitalistas, mas também é uma teoria que analisa a réplica ao fenômeno da globalização e da exclusão socioeconômica em ascensão (DELGADO, 2001).

O surgimento do termo “desenvolvimento local” ocorre de maneira diferente em países subdesenvolvidos e desenvolvidos. Gostaríamos de descrevê-lo não para mostrar que as práticas de desenvolvimento local são diferentes em cada lugar, ao contrário, apesar das enormes diferenças culturais e socioeconômicas existentes, as “mensagens por trás” são as mesmas.

Várias evidências históricas demostram que é no Terceiro Mundo que o conceito de desenvolvimento local surge. Duas perspectivas muito semelhantes explicam a origem desta abordagem. A primeira perspectiva argumenta que o conceito de desenvolvimento local nasce como resultado do fracasso de inúmeros programas e projetos, em particular, o fracasso do que tem sido chamado das “Décadas de Desenvolvimento” iniciadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em favor dos países subdesenvolvidos (PARTANT, 1982; SCHUMACHER, 1982).

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Nestas décadas, os países em desenvolvimento do Terceiro Mundo foram, cada um em seu caso, recebendo ajuda de qualquer tipo: empréstimos financeiros, ajuda humanitária, alimentos, assistência militar, assistência técnica e envio de especialistas em desenvolvimento. Mas até que se prove o contrário, nenhum país saiu definitivamente do processo de desenvolvimento, ao contrário, muitos afundaram-se na miséria (PARTANT, 1982; SCHUMACHER, 1982).

Assim, nos anos 1980, especialistas da ONU começaram a rever os modos e escalas de intervenção. Desta vez, decidiram conceder ajuda no desenvolvimento de organizações não governamentais (ONGs) que trabalhavam em escalas mais restritas. É neste momento que nasce o termo "local". Assim, na lógica desta primeira perspectiva, o conceito de desenvolvimento local era sinônimo de uma restrição do território de intervenção para garantir que a dinâmica do lugar colocaria o ser humano no centro, como ator e beneficiário da assistência para o desenvolvimento e progresso (PARTANT, 1982; SCHUMACHER, 1982).

A segunda perspectiva é que, a história do desenvolvimento local como uma opção ou abordagem de desenvolvimento está intimamente relacionada a uma conjutura dos movimentos sociais. Ela nasce da ascensão da sociedade civil e das novas aspirações populares, impulsionada por associações comunitárias (nos anos 1980) através do qual o discernimento em torno da prática de desenvolvimento endógeno se emergiu. Nas áreas rurais, por exemplo, as pessoas perceberam que as ações para alavancar o desenvolvimento se concentravam nas áreas urbanas, e o Estado, que deveria intervir para garantir subsistência à população do campo, quase nada fazia (PARTANT, 1982; SCHUMACHER, 1982).

Já nos países desenvolvidos, a origem do conceito de desenvolvimento local acontece com o surgimento de um movimento simultâneo de dois lados: o lado do governo e o lado das populações das regiões periféricas. No que diz respeito ao governo, o desenvolvimento local estava intimamente ligado à necessidade de gerenciar de novas maneiras a situação marcada por crises econômicas, um crescimento mais lento e seu corolário, a limitação dos créditos públicos. E também o desejo de satisfazer as reivindicações de autonomia por parte da população. É a partir deste momento que as áreas rurais foram servidas como primeiros experimentos de campo (KAYSER, 1990).

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Em termos da população, especialmente aquela que vive em áreas rurais, é devido a uma combinação de mudanças econômicas e políticas que as pessoas gradualmente se voltaram para a evidência de que: a lógica intervencionista e a economia de mercado (fordismo e do Estado de bem-estar), que foram os fatores durante um certo tempo para o crescimento e progresso, estavamem crise. No plano econômico, as mudanças consistiam na desolocalizaçãoe fechamentos de fábricas e cortes nos serviços. Politicamente, as mutações em curso nos anos 1970, marcam o advento do Estado com o início de iniciativas locais em vez de um Estado-Providência. Para os agricultores e as suas associações, desde aquela época, a crise tornou-se tão grave que ameaçava a sua identidade como cidadãos e habitantes de um território que, além de tudo, contribuia para a prosperidade nacional. Como resultado, houve um despertar da consciência popular, consubstanciado no surgimento de associações civis que falavam de questões de identidade e no movimento desenvolvimento rural local (KAYSER, 1990). Assim, o desenvolvimento passa a ser orientado pelas necessidades e aspirações dos atores locais.

Tendo em vista este resgate histórico-conceitual, entendemos que o Pnae pode ser importante no fortalecimento e desenvolvimento de um dado local já que,

O que se destaca num projeto de desenvolvimento local é a possibilidade, por um lado, de articular, a partir de iniciativas dos governos locais, um conjunto heterogêneo de forças sociais locais em torno de um projeto comum e, por outro, de direcionar essa energia para o aproveitamento das oportunidades locais, viabilizando a produção de specialities, eliminando atravessadores, estimulando micro e pequenas empresas, formas cooperadas de produção e comercialização de produtos e serviços, enfim, articulando e estimulando uma série de iniciativas que abram novas oportunidades de trabalho, distribuição de renda, mercado. (BAVA, 1996, p.58).

Todavia, o Pnae só irá verdadeiramente contribuir para o desenvolvimento local na medida em que os gestores públicos consigam fazer do Programa uma ação transversal dentro de uma estratégia multi e interdisciplinar maior. Temas como a assistência técnica para agricultores, logística e armazenamento de produtos, planejamento e diagnóstico conjunto baseado na realidade agrícola local/regional, envolvimento dos agricultores, gestores e das escolas devem ser levados a sério (SARAIVA et al, 2013).

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