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Como pano de fundo deste trabalho buscou-se a abordagem teórica sobre o desenvolvimento de Amartya Sen (2000). O autor dissocia a visão clássica de desenvolvimento associada ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), aumento de renda, modernização ou industrialização. Na tese de Sen, o desenvolvimento é visto como algo mais amplo e abrangente, um processo imbricado aos conceitos de capacidades e liberdade. O desenvolvimento é visto como um processo de expansão da capacidade das pessoas de realizarem livremente suas próprias escolhas (SEN, 2000).

O enfoque nas capacidades de Sen oferece não só um quadro de avaliação do bem- estar individual, mas também da qualidade de vida dos indivíduos. Sen (2000) aponta algumas liberdades instrumentais que contribuem para a emancipação das pessoas (liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora). Essas liberdades permitem de um lado que o indivíduo tenha capacidade para viver livremente e de outro reforça umas às outras. Todavia, sabe-se que nem sempre é possível garantir a liberdade de escolha aos indivíduos. Muitas vezes, o poder político impede que alguns grupos sociais tenham plena capacidade de liberdade e escolha.

Neste contexto de proposições de Amartya Sen pode-se incluir a obra de Anthony Bebbington, professor na área de Ambiente e Sociedade na Universidade de Clark em Massachusetts, que desenvolveu um aporte analítico que contempla sua preocupação com as ações vinculadas ao combate à pobreza e promoção do desenvolvimento. Segundo o autor, seu aporte pode ser também aplicado a outros projetos e pesquisas de desenvolvimento, sejam local, regional, endógeno, territorial etc.

Bebbington (1999) propõem uma abordagem através dos meios de vida, sendo o acesso a ativos e atores o centro da análise. O autor analisa diversas ações que podem “capacitar” os atores sociais no sentido de serem não apenas agentes de mudanças, mas também capazes de alterar “as regras do jogo do desenvolvimento”.

A abordagem dos meios de vida foi desenvolvida no início dos anos 1990 por Chambers e Conway (1992) com um foco na questão da “sustentabilidade social”. De lá para cá, diversos autores, organizações e institutos têm usado esta abordagem para estudos e projetos sobre o desenvolvimento.

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A abordagem de Bebbington se encaixa nessa pesquisa pois se espera analisar como o Pnae através da Lei 11.947/2009 está contribuindo para o desenvolvimento local e a segurança alimentar e nutricional de um município, já que retira o foco das estratégias de diversificação e o coloca em outro ponto limitante: a dificuldade que os agricultores possuem para acessarem, defenderem e manterem ativos de capital(NIEDERLE e GRISA, 2008). Nesta perspectiva, Delgado argumenta que:

O desenvolvimento local não é simplesmente uma questão de acesso a ou de disponibilidade de recursos econômicos e naturais. De um modo muito mais complexo, o desenvolvimento local deve ser encarado como um processo que requer a criação das condições para que as comunidades tenham acesso, isto sim, há pelo menos cinco tipos de ‘ativos de capital. (DELGADO, 2001, p.67).

Segundo Bebbington (1999), os meios de vida são dependentes de ativos de capital, que não apenas contribuem para que as famílias melhorem suas condições de vida, mas também dão significado ao mundo das pessoas e lhes dão “capacidades”. Bebbington classifica os ativos de capital em cinco tipos (NIEDERLE e GRISA, 2008):

 Capital natural (qualidade e quantidade de recursos naturais – terra, água, solo, etc.);

 Capital produzido (infraestrutura – estradas, energia, telefone, barragens, etc.; ativos financeiros – dinheiro, poupança, crédito; meios de produção – máquinas ,ferramentas, insumos);

 Capital humano (conhecimento, saúde, destrezas, habilidades);

 Capital social (redes de reciprocidade e confiança) e;

 Capital cultural (recursos, valores e símbolos apropriados em virtude da cultura dos grupos sociais dos quais se faz parte, e que sustentam formas de identidade, costumes, tradições e padrões de interação).

Portanto, somente a criação de um mercado institucional (a obrigatoriedade de uma parte do repasse do FNDE ser utilizado para a compra de produção da agricultura familiar, por exemplo) não faz com que o Pnae garanta o desenvolvimento de um dado local. A

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criação do mercado é apenas uma das vertentes. Por exemplo, Niederle e Grisa (2008) apontam que,

Os autores que discutem o acesso a ativos (Bebbington, 1999; De Haan, 2000) parecem caminhar para um entendimento no que concerne à centralidade do capital social enquanto um dos seus principais determinantes. Uma vez que o acesso a outros atores é considerado anterior ao acesso aos recursos (Bebbington, 1999), a discussão do capital social ajuda a entender como se formam redes sociais que favorecem o acesso, visto que este capital se torna um precursor fundamental para os demais. (NIEDERLEI e GRISA, 2008, p.55).

O acesso (essencial) a estes ativos depende do acesso (através do capital social) destas famílias aos atores do Estado, da sociedade civil e do mercado. Portanto, projetos, políticas ou programas de redução da pobreza ou promoção do desenvolvimento devem levar em conta estes vários elementos e dimensões para que seus resultados sejam atendidos.

Na análise da relação entre meios de vida e pobreza rural, Bebbington (1999) utiliza três pontos:

 os diversosativos (capital natural, capital produzido, capital social, capital humano e capital cultural)que a população rural depende para aconstrução dos meios de vida;

 as formas em queas pessoassão capazes deacessar, defender e sustentaresses ativos, e

 as capacidades das pessoaspara transformaresses ativosem renda,dignidade, poder e sustentabilidade.Em outraspalavras, para os transformarem em: níveis de consumoque reduzama pobreza; condições de vidaque implicamna melhoriada qualidade de vidade acordo comcritérios própriosde cada um; as capacidades humanase sociaispara usareme defenderemcada vez maisativos eficazmente e uma base de ativosque vai continuar apermitir queos mesmos tiposse transformam.

Portanto,

(...) é fundamental perceber o desenvolvimento como uma questão de capacidades e oportunidades de acesso e manutenção dos ativos de capitais. Trata-se de articular, por um lado, a ampliação das capacidades dos agricultores para controlarem de modo relativamente autônomo os capitais necessários à construção das trajetórias de vida que julgam adequados para si e para suas famílias (...) e, por outro, a criação de um ambiente social, político e econômico que favoreça o desenvolvimento

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destes meios de vida, garantindo oportunidades mais justas para as iniciativas que estão emergindo fazerem frente às pressões de instituições e atores sociais que reafirmam o padrão de desenvolvimento vigente. (NIEDERLE e GRISA, 2008, p.65).

Na Figura abaixo temos um resumo do framework apresentado por Bebbington (1999).

Figura 2. Aporte analítico para o desenvolvimento local proposto por Bebbington.

Fonte e elaboração: Bebbington, 1999, p. 22.

Unidade Familiar

Acesso Bem estar materialSignificadoCapacidade

CAPITAL NATURAL CAPITAL SOCIAL CAPITAL HUMANO CAPITAL PRODUZIDO CAPITAL CULTURAL Uso Transformação Reprodução

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