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O detalhe que faz a diferença: Segurança Alimentar e Nutricional na Alimentação Escolar

“A Lei era muito mais importante para as crianças. A compra dos agricultores era um detalhe” (Daniel Balaban, 2014).

O Estado brasileiro reconhece o direito dos alunos da educação básica pública à alimentação escolar. Este direito visa garantir segurança alimentar e nutricional (SAN) dos alunos, principalmente aqueles em vulnerabilidade social. No Brasil, a noção de segurança alimentar e nutricional é definida como a “realização do direito de todos ao acesso regular

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e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (CONSEA, 2004, p.05). Esta definição é ampla e interdisciplinar, e traz aspectos em termos de qualidade e quantidade de alimentos para a população como um todo (KEPPLE e SEGALL-CORRÊA, 2001).

Acrescente-se, ainda, que à segurança alimentar e nutricional integram-se três referências indissociáveis de seu conceito: direito humano à alimentação adequada, soberania alimentar e relação com a promoção do desenvolvimento. O presente conceito traz em seu bojo a multidimensionalidade da segurança alimentar e nutricional, o que exige das políticas públicas que destinam a sua promoção uma abordagem muito mais complexa e de caráter multidisciplinar e interdisciplinar. (PINTO e QUIROGA, 2010, p.11).

A SAN pode ser avaliada através de diferentes métodos e medidas que indicam a quantidade de indivíduos em situação de carência alimentar ou fome. A FAO, por exemplo, utiliza um indicador de medida de disponibilidade calórica média diária per capita. No Brasil, a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores a partir de uma escala psicométrica americana. A EBIA permite identificar os graus de acesso aos alimentos, desde o completo atendimento das necessidades alimentares (Segurança Alimentar) até outros níveis gradativos de restrição alimentar (Insegurança Alimentar Leve, Moderada e Grave) (KEPPLE e SEGALL- CORRÊA, 2001). Já a análise de renda ou de consumo alimentar é utilizada por métodos mais tradicionais para avaliar o acesso aos alimentos pela população (KEPPLE e SEGALL- CORRÊA, 2001).

Tendo em vista a complexidade do tema SAN, em 2010, Kepple propôs uma abordagem dos determinantes da (in)segurança alimentar e nutricional. A autora utiliza quatro dimensões da SAN (disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade) com três níveis sócio-organizacionais (macroeconômicos, regionais e locais e domiciliares) de fatores intervenientes e interdependentes (PINTO e QUIROGA, 2010 apud KEPPLE, 2010).A pesquisadora identificou em cada nível as diferentes variáveis que determinam a SAN:

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 Fatores domiciliares (Micro): a escolaridade, o perfil demográfico dos moradores, a raça/cor, a saúde dos moradores, o acesso a serviços e ações de educação alimentar e nutricional, renda disponível e a estabilidade financeira dos moradores, o tempo disponível da mãe nos domicílios com crianças, a participação em programas sociais e a rede social de apoio da família.

 Fatores regionais e locais (Meso): o preço dos alimentos praticado no mercado local, o custo de outras necessidades essenciais (saúde, educação, moradia etc.), a existência na região de programas que lidem com os riscos sociais a que a família esteja submetida, racismo e qualquer forma de discriminação negativa, programas de saúde e de educação, mercado de trabalho (emprego, salário e estabilidade), a cultura alimentar, presença de saneamento básico e vigilância sanitária.

 Fatores macroeconômicos (Macro): o sistema político-econômico mundial e nacional, as políticas econômica, social, agrícola e ambiental e o próprio reconhecimento do direito à segurança alimentar e nutricional (PINTO e QUIROGA, 2010 apud KEPPLE, 2010).

O Brasil possui uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional que visa garantir a realização progressiva do Direito Humano à Alimentação Adequada no País (DHAA).O Decreto 7.272 de 2010adotousete dimensões para monitorar esta política: 1) Produção de Alimentos; 2) Disponibilidade de Alimentos, 3) Renda e Despesas com Alimentação, 4) Acesso à Alimentação Adequada, 5) Saúde e Acesso aos Serviços de Saúde, 6) Educação; e 7) Políticas Públicas e Orçamentos relacionados à SAN. Estas dimensões foram determinadas e escolhidas a partir do estudo de modelos teóricos dos determinantes da Segurança Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2010).

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004 (Pnad), dos 52 milhões de domicílios brasileiros pesquisados cerca de 65% estavam em situação de Segurança Alimentar e os níveis de Insegurança Alimentar Moderada e Grave estavam presentes nos residentes de 12,3% e 6,5% dos domicílios respectivamente. Ainda que o meio rural possua algumas condições de garantir a SAN através do plantio de alimentos para o autoconsumo das famílias ou para a venda (garantia de renda), verifica-se que a maior prevalência de casos de Insegurança Alimentar Moderada ou Grave ocorre nesse meio. Na área urbana 11,4% e 6% dos domicílios apresentavam situação de Insegurança

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Alimentar Moderada e Grave, respectivamente, já no meio rural, estes números saltam para 17% e 9% (IBGE, 2006).

Assim, em um País tão diverso e desigual, Maluf [s.d] aponta a alimentação escolar como a principal, quando não a única refeição diária de um grande número de crianças. A Pnad de 2009 evidencia que aproximadamente das mais de 56 milhões de pessoas com menos de 18 anos, 22% não frequentavam a escola e destes um pouco mais de 2 milhões estavam em Insegurança Alimentar Moderada ou Grave. Outro dado é que 17% das que frequentavam a escola, mais de 7 milhões de pessoas estavam em Insegurança Alimentar Moderada ou Grave1. Um quarto destas pessoas se encontrava no meio rural (Figura 1). Assim, “a escola é um equipamento público de enorme capilaridade cujas possibilidades vão muito além de ministrar aulas, e que ela pode (deve) contribuir para promover o acesso a uma alimentação adequada e saudável” (MALUF, [s.d[).

Figura 1. Situação de Segurança Alimentar da população residente de até 18 anos, em domicílios particulares (milhões de pessoas).

Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2009. Elaboração: a autora.

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Ressalta-se que estes dados não são conclusivos já que são fruto de uma estrapolação de dados. As questões relativas a EBIA foram efetuadas em apenas um recorte da amostra total da Pnad.

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Assim, no caso do Pnae

(...) a necessidade primeira era atender os preceitos nutricionais das crianças. Comer produtos frescos, e menos produtos industrializados. Assim, as crianças consumindo estes produtos se tornariam adultos mais conscientes e com menos problemas de saúde no futuro (Daniel Balaban, 2014).

No mesmo sentido, a Lei 11.346, de 15 de setembro de 2006, cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sinsan) na tentativa de assegurar o direito humano à alimentação adequada. Em seu artigo 4°, menciona a abrangência da SAN na

ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda. (BRASIL, 2006).