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O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR, A FORMAÇÃO E A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA: O QUE DIZEM AS PESQUISAS

No documento ANGÉLICA DA FONTOURA GARCIA SILVA (páginas 53-57)

NOVOS DESAFIOS PARA A PROFISSÃO PROFESSOR

2.2 O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR, A FORMAÇÃO E A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA: O QUE DIZEM AS PESQUISAS

A reflexão sobre a prática tem sido defendida em diversos estudos desde o início do século – Dewey (1979), Schön (1983), Shulman (1986), Zeichner (1993), Nóvoa (1991), Ponte (1992), Alarcão (1996, 2001), Serrazina (1998). Também no Brasil constata-se que em muitas pesquisas realizadas a reflexão sobre a prática tem um destaque fundamental: Pimenta (1994), André (1999, 2001), Lüdke (1986, 2003), Fiorentini et al. (2002), entre outros.

Os termos professor reflexivo, ensino reflexivo, professor prático reflexivo tornaram-se palavras-chaves em muitas reformas mundiais e, em especial, no Brasil. Para entender essa idéia no ensino, é necessária uma busca de suas origens, fundamentos e características nas raízes do pensamento sobre a educação. Procuraremos, para isso, inicialmente, caracterizar a ação reflexiva de que fala John Dewey, destacar o termo reflexão e suas variantes, descritos por Donald Schön, bem como conhecer contribuições de Zeichner e Shulman. Em seguida, faremos um resgate dessa questão no Brasil.

31 Esse artigo faz parte da publicação: ZEICHNER, K. (1993). Formação reflexiva de professores: idéias e

Nesse contexto, consideramos a reflexão não como um adjetivo, mas como um conceito.32 Como adjetivo, seria um atributo do professor; o que levaria ao encerramento da discussão em torno das características e dos princípios relacionados ao ensino reflexivo, desconsiderando sua importância como movimento teórico de compreensão do trabalho docente. Tais questões, hoje amplamente discutidas pela comunidade acadêmica, foram introduzidas entre nós desde os estudos de Schön (1983), reflexão esta que também esteve associada ao “poder emancipatório” dos professores (Zeichner, 1993; Pimenta et al., 2005).

Entender a idéia de professor reflexivo pressupõe procurar suas raízes no pensamento sobre a educação. Implica assim, caracterizar o pensamento reflexivo, citado por Dewey, inspirador da escola nova, no início do século. O autor distinguia o ato humano de refletir e a rotina, considerava que uma experiência só seria significativa se houvesse a reflexão (Dewey, 1979, p. 199). Para o autor o “único caminho direto para o aperfeiçoamento duradouro dos métodos de ensinar e aprender consiste em centralizá-los nas condições que estimulam, promovem e põem em prova a reflexão e o pensamento. Pensar é o método de se aprender inteligentemente, de aprender aquilo que utiliza e recompensa o espírito” (Dewey, 1952, p. 167). O autor define três atitudes necessárias para a ação refletida: a abertura do espírito (o questionamento constante do professor sobre o que está realizando), a responsabilidade (análise cuidadosa das conseqüências de sua ação) e a sinceridade. Dewey também conceituou a experiência como a atividade que envolve uma ação ativo-passiva, considerando que a reflexão na experiência permite que haja uma percepção das relações entre o que se tenta fazer e suas conseqüências, possibilitando, então, uma experiência significativa. Esse conceito serviu como fundamentação aos trabalhos de Donald Shön,33 que já no início dos anos 1980 valorizava a experiência como geradora do conhecimento. Em seu trabalho, estudou o desempenho de camponeses ao resolver problemas por ele propostos por meio da observação dos processos de resolução.

32 Reflexão como adjetivo pressupõe que se a reflexão é inerente ao ser humano e o professor é um ser humano, então o professor é um ser reflexivo.

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Donald Schön, pesquisador norte-americano que discute as competências de diversos grupos profissionais (não só professores como também arquitetos, médicos, etc.), que geram um conhecimento ligado à ação e adquirido por meio da atividade prática.

Schön influenciou a difusão do conceito de reflexão. Seus estudos34 no campo da formação profissional, em geral sobre o desenvolvimento profissional, contribuíram para “popularizar” e estender ao campo da formação de professores e às teorias sobre a epistemologia da prática, em oposição ao que designa por racionalismo técnico.

O autor define teoria em ação como “uma teoria de comportamento humano intencional que é uma teoria de controle, mas quando atribuída ao agente também serve para explicar ou predizer o seu comportamento” (p. 6) e classificou-a como:

1) teoria defendida: refere-se ao discurso; 2) teoria em uso: refere-se à prática.

Schön, em 1987, no livro The reflective practitioner, já propunha a questão do conhecimento profissional, tendo como eixo orientador a competência e o talento que os profissionais práticos (da arquitetura, música e psicanálise) têm para “agir no indeterminado”, porque desenvolvem uma forma de pensar no que fazem enquanto fazem. Nesse contexto, surgem noções fundamentais e Schön defende que o saber profissional se traduz num conjunto de competências marcadas pela prática da reflexão em diferentes níveis:

Conhecimento na ação (knowing-in-action) – é o conhecimento que os profissionais demonstram na execução da ação;

Reflexão na ação (reflection-in-action) – são descrições verbais ocorridas enquanto os profissionais atuam;

Reflexão sobre a ação (reflection-on-action) – é a reconstrução mental da ação para tentar analisá-la retrospectivamente.

34 As propostas de Schön podem ser analisadas nas suas obras: ARGYRIS, C.; SCHÖN, D. (1974). Theory in practice: increasing professional effectiveness. San Francisco: Jossey-Bass; SCHÖN, D. (1983). The reflective practitioner – how professionals think en action. London: Temple Samith; e idem (1987). Educating the reflective practitioner – toward a new design for teaching e learning in the professions. San Francisco: Jossey-Bass.

Observamos que o documento oficial Referenciais para Formação de Professores também exprime o saber profissional docente nesse conjunto de competências:

Assim, pode-se dizer que existe sempre um conhecimento prático que se mostra nas ações cotidianas do professor e uma reflexão durante a ação, pois constantemente ele precisa tomar atitudes imediatas; mas esse conhecimento precisa ser potencializado no processo de formação por meio da reflexão a posteriori, de forma que, compreendendo o conhecimento subjacente à sua

atuação, o professor possa ampliá-lo, transformá-lo e torná-lo alimento para novas ações (p. 31).

A esses três níveis de reflexão, Alarcão (2000) analisando Schön (1987), acrescenta: “estes dois últimos momentos de reflexão têm um valor epistémico e tê-lo-ão ainda mais se sobre eles exercermos uma outra actividade que os ultrapassa: a Reflexão sobre a reflexão na ação” (p. 17). Trata-se do que Schön em 1987 chamou de reflection on reflection-in- action, ou seja, o momento em que se analisa a ação e a reflexão sobre a ação. Enfim, é a reflexão sobre a reflexão na ação que nos ajuda a direcionar nosso trabalho, compreendê-lo, prever futuros problemas e, quiçá, descobrir novas soluções.

Assim, para Schön, “ser reflexivo é muito mais do que descrever o que foi feito em sala de aula”: pressupõe também um questionamento sobre situações práticas. E afirma que é na reflexão sobre a ação que nos tornamos capazes de enfrentar situações novas e tomar decisões apropriadas, considerando, porém, que é a reflexão sobre a reflexão na ação que ajuda o profissional a progredir no seu desenvolvimento.

Schön valoriza a prática, cria a categoria de profissional reflexivo e propõe o conceito de reflexão-na-ação, definindo-o como o processo no qual os professores aprendem, a partir da análise e interpretação de sua própria atividade prática. Para ele, há um conhecimento em qualquer ação inteligente, mesmo que seja resultado de experiências e reflexões anteriores que tenham se consolidado a partir de rotinas ou esquemas semi- automáticos (conhecimento tácito). Portanto, Donald Schön, ao valorizar a pesquisa na ação, criou uma base para o que se convencionou chamar de professor pesquisador.

As idéias de Schön foram absorvidas, ampliadas e utilizadas como fundamentação para diversos estudos em diferentes países. Em Portugal, por exemplo, Ponte (2002), aponta dois objetivos como os principais dessa prática:

visar alterar algum aspecto da prática, desde que haja necessidade dessa mudança; “compreender a natureza dos problemas que afetam essa mesma prática com vista à definição, num momento posterior, de uma estratégia de ação” (p. 6).

Assim como nas pesquisas, as idéias de Schön foram amplamente divulgadas e utilizadas como fundamentação para reformas curriculares em diferentes países. Não obstante, suas idéias sofreram algumas críticas em virtude de terem sido consideradas “reducionistas”, ou seja, os profissionais eram vistos apenas como seres individuais, não se levando em conta o contexto institucional (Zeichner e Liston, 1996). Duarte (2003), por sua vez, apontou o fato de as idéias de Shön serem pautadas numa epistemologia que não valoriza o conhecimento específico.35 Portanto, faz-se necessário que analisemos também estudos que tratem dessa questão, com o objetivo de ampliar as idéias de Schön.

Finalmente, tendo apresentado as principais contribuições de Schön, trabalharemos as idéias do autor, acrescidas de estudos de outros pesquisadores, que complementarão nossa fundamentação teórica acerca da formação de professores. Discutiremos, a seguir, a questão do contexto na reflexão.

2.3 AMPLIANDO AS IDÉIAS DE SCHÖN: A QUESTÃO DO CONTEXTO SOCIAL

No documento ANGÉLICA DA FONTOURA GARCIA SILVA (páginas 53-57)