• Nenhum resultado encontrado

TEREZINHA NUNES: OS SIGNIFICADOS DA REPRESENTAÇÃO FRACIONÁRIA DOS NÚMEROS RACIONAIS

No documento ANGÉLICA DA FONTOURA GARCIA SILVA (páginas 80-85)

FUNDAMENTOS TEÓRICOS: OBJETO MATEMÁTICO – REPRESENTAÇÃO FRACIONÁRIA DO NÚMERO RACIONAL

3.2 TEREZINHA NUNES: OS SIGNIFICADOS DA REPRESENTAÇÃO FRACIONÁRIA DOS NÚMEROS RACIONAIS

Em 1997, Nunes e Bryant chamavam a atenção para a grande dificuldade relacionada ao ensino e aprendizagem de frações:

Com as frações as aparências enganam. Às vezes as crianças parecem ter uma compreensão completa das frações e ainda não a têm. Elas usam os termos fracionários certos; falam sobre frações coerentemente, resolvem alguns problemas fracionais; mas diversos aspectos cruciais das frações ainda lhes escapam. De fato, as aparências podem ser tão enganosas que é possível que alguns alunos passem pela escola sem dominar as dificuldades das frações, e sem que ninguém perceba (p. 191).

Nunes, além de chamar a atenção para a relevância do tema, alerta para o fato de que, em muitos casos, os alunos, enquanto estão estudando as frações, até demonstram certa destreza nos cálculos. Entretanto, parece que algumas das idéias que envolvem o conceito de números racionais, em sua representação fracionária, ainda não encontram eco em nossas salas de aula.

Em 1997, a mesma pesquisadora fez uma crítica à forte tendência de privilegiar o significado de parte-todo no trabalho com as frações, afirmando que essa forma de tratar o tema “... simplesmente encoraja os alunos a empregarem um tipo de procedimento de contagem dupla, ou seja, contar o número total de partes e então as partes pintadas, sem entender o significado desse novo tipo de número” (Campos e Cols, apud Nunes, 1996, p. 191).

Nunes também chama a atenção para o fato de que, se o trabalho com o tema for feito somente considerando o significado parte-todo, a compreensão de que o conjunto dos racionais é uma extensão do conjunto dos números naturais fica prejudicada. Afinal, para perceber essa extensão, o aluno precisaria vivenciar situações em que a idéia da divisão fosse ampliada. A autora afirma:

... quando as crianças resolvem tarefas experimentais sobre divisão e números racionais, elas se engajam em raciocinar sobre as situações. Em contraste, quando elas resolvem tarefas matemáticas em avaliações educacionais elas vêem a situação como um momento no qual elas precisam pensar em que operações fazer com os números, como usar o que lhes foi ensinado na escola, concentrando-se nas manipulações de símbolos, os alunos poderiam desempenhar em um nível mais baixo que teriam desempenhado se tivessem se preocupado mais com a situação problema (Nunes, 1997, p. 212).

Assim, em nossa pesquisa, essa questão foi tomada em conta não só no diagnóstico realizado com os professores como também em nossa intervenção e, finalmente, na observação do trabalho do professor em sala de aula. Tanto no diagnóstico quanto nas seções de formação continuada, os tópicos selecionados versaram sobre diferentes significados.

Os estudos de Nunes (2003), baseados na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud (1983), propõem que se defina a noção de fração a partir da terna (S, I, R), em

que se destacam: o conjunto dos Invariantes que definem o conceito, o conjunto de representações – aquele que é utilizado para dar diferentes “formas” à fração –, e o conjunto das situações.

Assim, com base na Teoria dos Campos Conceituais e inspirada em pesquisas relacionadas ao tema, como as de Kieren (1988), Nunes (2003) propõe que sejam considerados os dois Invariantes: ordem e equivalência; as quatro situações que pretendem dar significados à fração e às representações possíveis. Apresentamos, a seguir a classificação dos significados proposta por Nunes (2003).

o A fração como uma relação parte-todo – a idéia presente nesse significado é a da partição de um todo em n partes iguais, em que cada parte pode ser representada como n1. Assim, assumiremos como significado parte-todo, um todo

dividido em partes iguais, em situações estáticas, nas quais a utilização de um procedimento de dupla contagem é suficiente para chegar a uma representação correta. Por exemplo, se um todo foi dividido em cinco partes e duas foram pintadas, os alunos podem aprender a representação como uma dupla contagem: acima do traço escreve-se o número de partes pintadas, abaixo do traço escreve- se o número total de partes.

A autora apresenta ainda:

Por exemplo – um todo cortado em 4 partes [iguais], toma-se uma parte: ¼ 1 e 4 representam partes

o A fração como quociente, indicando uma divisão e seu resultado – este significado está presente em situações que envolvem a idéia de divisão – por exemplo, uma pizza a ser repartida igualmente entre 5 crianças. Nas situações de quocientes temos duas variáveis (por exemplo, número de pizzas e número de crianças), sendo que uma corresponde ao numerador e a outra ao denominador – no caso 15. A fração, nesse caso, corresponde à divisão (1 dividido por 5) e

também ao resultado da divisão (cada criança recebe 51).

Outro exemplo apresentado pela autora:

Uma torta repartida entre 4 crianças: 1 dividido por 4 é ¼: 1 representa o número de tortas e 4 representa o número de meninas; ¼ é a quantidade que cada menina recebe.

(Nunes, 2005, p. 11)

o A fração como uma medida – Algumas medidas envolvem fração, por se referirem a quantidades intensivas,46 nas quais a quantidade é medida pela relação entre duas variáveis. Por exemplo, a probabilidade de um evento é medida pelo quociente entre o número de casos favoráveis e o número de casos

possíveis. Portanto, a probabilidade de um evento varia de 0 a 1, e a maioria dos valores com os quais trabalhamos são fracionários.

Outros exemplos:

1 – Uma relação: o valor do todo não influencia a quantidade intensiva – Uma quantidade intensiva (a probabilidade de retirar uma bolinha branca é ¼)

(Nunes, 2005, p.13)

2 – Uma quantidade intensiva (¼ polpa, ¾ água)

(Nunes, 2005, p.13)

o A fração como um operador multiplicativo – como o número inteiro, as frações podem ser vistas como o valor escalar aplicado a uma quantidade. No caso do inteiro, por exemplo, podemos dizer 2 balas; no caso da fração, poderíamos dizer 43 de um conjunto de balas. A idéia implícita nesses exemplos é que o número é um multiplicador da quantidade indicada. Abaixo, outros exemplos apresentados pela autora:

Situações em que os números são operadores (¼ de 24): dividir 24 em quatro grupos 4, tomar 1 grupo

João perdeu ¼ de suas bolinhas de gude.

(Nunes, 2005, p.13)

Essa classificação de Nunes foi inspirada em estudos anteriores sobre o tema, como os de Kieren (1980, 1988), sobre os quais faremos considerações a seguir.

No documento ANGÉLICA DA FONTOURA GARCIA SILVA (páginas 80-85)