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Desfile dos alunos da Casa Pia perante o Presidente da Repú-

Ensaios de modernidade

Documento 5 Desfile dos alunos da Casa Pia perante o Presidente da Repú-

blica que se encontra na varanda dos Paços de Concelho (post. 1910). A

participação da Casa Pia neste tipo de eventos reveste-se da maior importân- cia, quando se trata de afirmar apoio institucional à República. A produção do

visível pelo inventário real exercido pela

fotografia situa o sujeito numa tentativa de “espelho” da realidade.206

203

SILVA, 1896: 151. 204

“O que me parece destacar-se, como verdade apurada, do meio de todos os exames e dúvidas, é que a educação literária de que convém tratar na Casa Pia é a primária; e que esta deve ser tão extensa e perfeita quanto for possí- vel”. José Maria Eugénio de Almeida, citado por SILVA, 2008: 162.

205

Para saber mais sobre este pedagogo, aconselha-se a consulta da sua biografia inserta no Dicionário de Educadores Portugueses. MOREIRA, 2003: 1154-1156.

206

Neste sentido, a chegada de Costa Ferreira à Direcção da instituição vai marcar, pois, uma viragem no panorama educativo português. O desenvolvimento das ciências do indivíduo – psicologia, psiquiatria, médico-pedagogia –, tão caras a Costa Ferreira, que procurava conhecer o mais ínfimo pormenor do eu, pode ser apontado como uma das razões que conferem sentido à dinâmica profusão de medidas levadas a cabo durante a sua direcção. As realizações de Costa Ferreira verteram os limites da instituição e ganharam vida própria, razão para existir fora do espaço institucional.

Aliada a esta fome de informação, de conhecimento, transparece a necessidade de governar uma população numerosa e instável que circula pelo estabelecimento, sem possuir uma quadrícula desenhada para si. São os “corpos estranhos” que deambulam pela Casa Pia que são alvo da atenção de Costa Ferreira.

“Tratei de os estudar e considerar médica e pedagogicamente. Mais tarde pedi ao Governo o convento de S. Bernardino (Peniche) para lá instalar os alunos com absoluta negação para a educação literária e os turbulentos e apáticos. E como a melhor e mais económica profissão do deficiente é a do campo, da concessão fiz uma colónia agrícola, onde se montaram oficinas de carpintaria e serralharia para a confecção de alfaias pelos próprios colonos”.207

Estamos, portanto, na presença de uma filosofia educativa espelhada na vontade de ino- var constantemente, de saber mais, de construir a educação em bases experimentais sólidas, positivas, científicas. Mas também assistimos ao desenvolvimento de tácticas de governo que procuram gerar sentimentos de segurança dos que se vêem ameaçados por uma população delinquente, anormal, perturbadora da ordem, elemento tão privilegiado em Belém. Aliás, “o

princípio da educação dos anormais deve não ser estabelecido unicamente como princípio humanitário, mas ainda como meio de defesa para a sociedade”.208

Neste contexto, é possível afirmar, “que o desenvolvimento do aparato pedagógico, em

espaços institucionais próprios, devidamente isolados das tais influências deletérias do meio, esteve directamente associado aos programas de intensificação do treino moral das crianças e

207

“O ensino dos anormais - De como ele aproveita indivíduos julgados inúteis e do que no género se está fazendo entre nós com resultado”. Costa Ferreira entrevistado por Pereira Bravo para o Jornal O SÉCULO, n.º 11.446, Ano XXXIII, de 21 de Outubro de 1913, p. 1.

208

“É impossível separar teórica e praticamente os alunos anormais e menores delinquentes; estes recrutam-se naqueles”. FERREIRA, Pinto, 1930b: 8-9.

jovens marginais”.209 De facto, o aperfeiçoamento desta máquina de controlo exercita-se à custa da crescente necessidade que os contra-corrente geram. São os resíduos, os que não se encai- xam na norma, que exigem ao poder governativo que se reinvente perpetuamente.

Não se pode negar que os dispositivos disciplinares criados por Costa Ferreira nascem desta noção de diferença, da anormalidade, e, particularmente, das consequências que essa irregularidade acarreta. É por serem ingovernáveis que os anormais de Belém são canalizados para Peniche e, entretanto, para Santa Isabel. Ou que os mutilados da guerra encontram um lugar útil, aprazível, vigiado, no Instituto Médico-Pedagógico, então secção de mutilados da guerra. Contudo, se observássemos a criação destes estabelecimentos à luz fosca, baça, dos jogos de poder, pintaríamos, apenas, uma tela com leves rascunhos, sem cor, nem brilho. O quadro não estaria, de todo, completo.

Não é possível apartar os autores das suas obras, nem ignorar o penhor da sua vontade em cada criança. Se na tela a que aludimos, o esboço é delineado pela indispensabilidade de bem governar um universo de um milhar de alunos e perto de cem funcionários,210 as cores, os brilhos, resultam de uma paleta que enleia objectivos mais diversos. A preocupação sincera; a vontade de ensinar uma profissão que lhes permitisse gozar uma vida digna, honesta; a confian- ça de que uma educação conveniente pode evitar uma existência “absolutamente vegetativa,

sem carinhos, sem gozos, sem ideal”;211 eis as matrizes em que se fundou o sentimento em torno da educação das crianças anormais.

“Desta base, nasce a necessidade de materializar a tendência mais actual da

integração do deficiente, conferindo-lhe as mesmas condições de realização e de

aprendizagem sociocultural, independentemente das condições, limitações ou dificuldades que o ser humano manifeste.

O direito à igualdade de oportunidades educacionais é o resultado de uma luta histórica dos «militantes» dos direitos humanos, luta que implica a obrigatorie- dade de o Estado garantir gratuitamente unidade de ensino para todas as crian- ças”.212 (it. no original)

209

Ó, 2002: 134. 210

No ano económico de 1913-1914, o número de alunos que se encontravam na dependência da Casa Pia, como alunos internos e externos, era de 933 (30 de Junho de 1914). O pessoal rondava os 95 funcionários.

211

FUSILLIER, 1895a: 327. 212

II PARTE