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Vista geral sobre a Colónia Agrícola da Casa Pia de Lisboa, post 1912 De costas para o mar, com o

A Colónia Agrícola da Casa Pia: uma escola de anormais

Documento 6 Vista geral sobre a Colónia Agrícola da Casa Pia de Lisboa, post 1912 De costas para o mar, com o

antigo convento no horizonte, a lente foca as paredes caiadas que brilham, confundindo os seus limites com o do céu alisado. A cerca, cultivada milimetricamente, deixa adivinhar a rotina dos dias dos rapazes de S. Bernardino.

vento do século XV, totalmente inadequado para a recepção dos 35 menores.33 O estado de degradação do edifício devia ser tal que, dois anos após a sua abertura, o Provedor da Assistên- cia de Lisboa, Luís Filipe da Mata, indignado com o que vira numa visita que efectuara à Colónia, apressou-se a convidar Costa Ferreira a “aparecer nesta provedoria a fim de podermos conversar

sobre tal assunto, e assentar as medidas a adoptar para se evitar que aquela instituição continue no estado em que se encontra. (…) devo dizer que me ficaram as mais desagradáveis impressões do estado em que se encontra o edifício”.34 35

Os primeiros ocupantes da Colónia eram, portanto, rapazes recrutados nestes grupos de anormais pedagógicos que, por se distinguirem pelo seu comportamento indisciplinado, tinham a oportunidade de ir respirar os ares do mar para ver se acalmavam. Na primeira leva de rapa- zes, a Colónia abrira as suas portas a dois idiotas3637, “por regra, incapazes de qualquer ensino”,

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O Convento Franciscano de S. Bernardino, em Atouguia da Baleia, foi fundado por Frei Rogério, em 1453. In “Memorias Seculares E Eclesiasticas Para A Composição Da Historia Da Diocese Do Funchal Na Ilha Da Madeira”, de Henrique Henriques de Noronha, 1722, disponível na internet no sítio http://www.ceha-madeira.net/, [Consultado em 15 de Março de 2008].

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Ofício 5:373, da Provedoria da Assistência de Lisboa, dirigido ao Director da Casa Pia, 1914/07/28. FERREIRA, Costa, 1915: 123.

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O Provedor da Assistência de Lisboa, acompanhado do Director do Asilo Elias Garcia de Torres, José França Borges, visitou a Colónia Agrícola de S. Bernardino a 26 de Julho de 1914, examinando “todo o edifício e outras dependências da Colónia, ouvindo a tuna e um coro dos rapazes que certamente lhe deixaram uma impressão agradável”. César da Silva enganara-se. As impressões que levava eram de tal modo desagradáveis que três dias depois, a 29, “nos apare- ceu o nosso querido Director, (…), que pela primeira vez vinha examinar as instalações, os trabalhos e as condições da existência da Colónia que é obra sua, muito valiosa e prometedora”. Foi necessária a visita e o parecer desfavorável do Provedor da Assistência de Lisboa, para Costa Ferreira se deslocar a Peniche para se inteirar da degradação do convento, dois anos após a sua inauguração. “Acontecimentos mais importantes”, in Jornal O AGRICULTOR, n.º 10, de 1914/08/05, p. 3.

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Se o diagnóstico de César da Silva estiver correcto, estes dois rapazes sofriam do grau mais grave de atraso mental (oligofrenia), daí o seu comentário ao explicar que eram imunes a qualquer tentativa de ensino. Devido ao seu eleva- do grau de alienação mental, os dois alunos permaneceram na Colónia até completarem 18 anos de idade, sendo depois transferidos para o Asilo da Mendicidade, em Lisboa, por não se “encontrarem em circunstâncias de ganhar a vida”.

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Segundo o critério de Binet e Simon, é considerado idiota todo indivíduo que não chega a comunicar verbalmente o seu pensamento, nem compreender o pensamento expresso pelos outros, isto devido unicamente a deficiência inte- lectual. Pelo método dos testes, a idade mental do idiota tem como limite superior os 4 anos. “Nos graus mais acen- tuados, o idiota, não manifesta a menor sombra de inteligência, nem de afectividade, por vezes nem possui o instinto da conservação, sendo necessário alimentá-lo. Insensível, semelhante a um animal, emite sons guturais e inarticula-

a vinte e nove sub-anormais, ou atrasados pedagógicos, “divididos em duas espécies – os turbu-

lentos ou inconstantes e os apáticos ou asténicos”, e a quatro rapazes que, fragilizados pela sua

saúde débil, iam experimentar a atmosfera marítima a fim de se robustecerem.38

Com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos, os inquilinos de S. Bernardino sabiam que todos os aspectos da sua actividade diária passariam a ser realizados num mesmo local, na companhia imediata do seu grupo e sob a mesma autoridade, algo que não lhes era estranho. Na sua essência, a troca da morada de Belém pela de Peniche consistiu, apenas, na deslocação de indivíduos do mesmo sexo e com características semelhantes de uma instituição

total para outra congénere. Instituição total na medida fornecida por Goffman: “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separa- dos da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”. 39

Neste sentido, a Colónia funcionava em regime de internato por três razões imediatas. Primeiramente, porque a escola como internato familiar no campo era um regime racional, “a

melhor forma de criar nas classes trabalhadoras os hábitos que a elas e a todos convém”.40

Depois, porque Peniche dista de Lisboa aproximadamente noventa quilómetros, distância impra- ticável para os alunos, mormente oriundos da capital, realizarem diariamente para frequentar as oficinas da Colónia e pernoitar em casa das famílias. E, por último, porque era necessário evitar a influência nociva e desviante que a própria família podia exercer sobre a criança.

Para o rapaz que ingressava na Colónia, a sensação de ser um no meio de uma multidão não era inteiramente nova; já a conhecia desde a sua permanência nos claustros dos Jerónimos; contudo, era a primeira vez que estava inserido num grupo de pares, homogéneo, pelo menos na perspectiva da instituição. “Está colocado na grelha de partida de um processo de transfor-

mação, que visa objectivos claros e pressupõe percursos evolutivos definidos. Está suficientemen- te caracterizado pelo diagnóstico e marcação de que foi objecto”.41

dos, não sabe andar, não tem hábitos de limpeza, etc. Num grau menos intenso pode manifestar alguns sinais de afectividade, dizer o seu nome, aprender a comer, etc.”. GRANATE, 1954: 10.

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SILVA, César da, “Considerações a respeito da Colónia Agrícola de S. Bernardino. 5 de Maio de 1913”. In introdução à colectânea do Jornal O AGRICULTOR, p. 6.

39 GOFFMAN, 2003: 11. 40 FERREIRA, Costa, 1914c: 133. 41 COLAÇO, 2007: 134.

O ideal era que a permanência na instituição, longe da sociedade corruptora, promoves- se a perda de uma “cultura aparente”, derivada de um “mundo da família” – “uma forma de vida

e um conjunto de actividades aceites sem discussão até ao momento de admissão na institui- ção”42, e levasse os alunos a inventar uma nova identidade, no sentido que Bauman nos oferece, “como uma coisa que se precisa de construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e

então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais”.43 A Colónia Agrícola seria, pois, um sistema

abstracto que filtrava a construção da identidade do aluno num contexto de escolha múltipla,

um lugar que molda e que é moldado pelo processo reflexivo de invenção da identidade.44 O eu

fabricado, primeiramente pela força do hábito e depois pelo trabalho desenvolvido para o des-

pertar da consciência, moldar-se-ia numa só peça, efeito de uma natureza verdadeira, descober-

ta pelo esforço conjunto da instituição e do próprio indivíduo.45

Por este motivo, o isolamento da Colónia, longe “dos grandes povoados corruptores”46, foi um aspecto considerado na apreciação de César da Silva. Vestígios da crença rousseauniana, presentes no seu discurso, evidenciam que acreditava nas potencialidades de uma educação inserida na natureza. O meio rural, avesso à perversidade do mundo citadino, era aquele que exercia uma influência mais marcante na criança, “com o fim supremo de dar a si própria unida-

de moral e solidariedade afectiva”.47

O 5 de Outubro de 1912 assinalava, portanto, a entrada dos novos inquilinos num esta- belecimento organizado em função das suas necessidades especiais, a fim de “fazer operários

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O autor salienta que “existem razões para excluir os orfanatos e casas de crianças enjeitadas da lista de instituições totais, a não ser na medida em que o órfão passa a ser socializado no mundo externo, por algum processo de osmose cultural, mesmo que esse mundo lhe seja sistematicamente negado”. De facto, tal acontece na Colónia Agrícola de S. Bernardino. Os rapazes são colocados em casas de agricultores locais para exercerem as profissões que aprenderam na Colónia. Contudo, esta situação verifica-se, na sua maioria, após os alunos completarem 18 anos, ou seja, após terminarem o período legal de permanência na Colónia. Por conseguinte, não nos abstraímos de considerar a Colónia uma instituição total, na acepção de Goffman, porque respeita os aspectos essenciais definidos pelo autor para carac- terizar este tipo de instituições, incluindo o critério de separação da sociedade, algo que se verifica, a maior parte das vezes, durante o período de permanência previsto. GOFFMAN, 2003: 23.

43 BAUMAN, 2005: 22. 44 GIDDENS, 2001: 1-3. 45 COLAÇO, 2007: 126. 46

SILVA, César da, “Considerações a respeito da Colónia Agrícola de S. Bernardino. 5 de Maio de 1913”. In introdução à colectânea do Jornal O AGRICULTOR, p. 5.

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rurais, enfim, animando por esse modo a indústria mãe, a Agricultura, que bem precisa de se desenvolver e aperfeiçoar-se. Não é uma escola agronómica, entenda-se bem, mas somente uma espécie de colmeia, em que se preparam, com os indispensáveis elementos para a vida campes- tre, trabalhadores agrícolas.”48

Desde logo, a ideia de formar apenas operários rurais foi afastada por César da Silva que, na comissão confiada por Costa Ferreira em Abril deste ano, salientou a pertinência de se orga- nizarem oficinas para que da Colónia também saíssem profissionais diversos como serralheiros, ferreiros, carpinteiros civis e de carros, pedreiros e brochantes.49 Os alunos tinham aulas de ins- trução primária e de desenho, destinadas “modestamente” a evitar que os rapazes esquecessem o que tinham aprendido na Casa Pia. A de desenho é que ia um pouco mais além por se aplicar ao ensinamento profissional dos alunos que se dedicavam aos ofícios.50

As expectativas do Professor-Regente eram elevadas. Queria que a permanência na Colónia incutisse no espírito dos alunos a ambição suficiente para que estes se entregassem à “profissão de simples operários rurais, com aspirações, já se entende, a caseiros de grandes pro-

priedades, em virtude do ensinamento técnico e teórico adquirido nas aulas e na prática dos trabalhos da Colónia.”51

César da Silva pretendia que os alunos saídos da Colónia edificassem uma nova identida-

de do trabalhador rural que deveria “ser instruído para poder juntar, a todo o momento, à práti- ca adquirida com o tempo, a teoria que os livros ensinam”.52 Convinha, sobretudo, incutir nos alunos o hábito da leitura, e neste a rotina de procurarem nos livros a informação necessária para completarem os conhecimentos adquiridos pela prática.53 Os alunos deviam adquirir cons- ciência da nobreza da sua futura profissão, pois “o agricultor é o operário por excelência, sem o

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“Cinco de Outubro”, in Jornal O AGRICULTOR, n.º 36, de 1916/10/05, p. 1-2. 49

SILVA, César da, “Considerações a respeito da Colónia Agrícola de S. Bernardino. 5 de Maio de 1913”. In introdução à colectânea do Jornal O AGRICULTOR, p. 7.

50

“Cinco de Outubro”, in Jornal O AGRICULTOR, n.º 36, de 1916/10/05, p. 1-2. 51

SILVA, César da, “Considerações a respeito da Colónia Agrícola de S. Bernardino. 5 de Maio de 1913”. In introdução à colectânea do Jornal O AGRICULTOR, p. 8.

52

“A vida rural”, in Jornal O AGRICULTOR, n.º 2, de 1913/11/05, p. 1-2. 53

“Como todos os outros, o operário rural deve ser instruído para poder juntar, a todo o momento, à prática adquiri- da com o tempo, a teoria que os livros ensinam”. “A vida rural”, in Jornal O AGRICULTOR, n.º 2, de 1913/11/05, p. 1-2.

seu labor profícuo não pode haver progresso”.54 O conhecimento que tinha da vida no campo explicava porque é que a grande maioria dos operários rurais continuava refém do analfabetis- mo e da ignorância.

“A rudeza, porém, da grande maioria dos trabalhadores rurais, a sua falta de compreensão do papel que desempenham na grande obra da indústria, e mais que tudo, a tendência para o abuso do álcool, tendência aliás cavilosamente entretida pelos patrões exploradores, é que tem mantidos esses indispensáveis elementos do progresso numa inferioridade aviltante e menosprezado o seu tra- balho a ponto de lhes ser pago uma ridicularia, em proveito, já se entende, dos que enriquecem à custa do seu suor alheio”.55

Consciente das limitações, o Professor-Regente pretendeu que o ensino ministrado na Colónia seguisse um modelo de educação integral, “fondée sur le droit de chacun à développer le

plus complètement possible ses facultés physiques et intellectuelles, et sur son devoir de partici- per comme producteur á la vie collective56. Muito embora se reconheça que a matéria-prima da

Colónia era alunos resgatados de meios problemáticos, com declaradas dificuldades de aprendi- zagem e distúrbios comportamentais, ou seja, “alunos que mostraram absoluta negação para a

educação literária”, não podemos deixar de relevar o esforço de César da Silva ao ministrar aulas

de instrução primária e de desenho. De referir que, nos dois primeiros anos de funcionamento, a Colónia tinha ao seu serviço um professor de desenho, Daniel Machado, que acumulava a fun- ção de fiscal de trabalhos da Colónia. Após a transferência para Belém, a seu pedido, a aula de desenho passou a ser ministrada pelo Professor-Regente que, para bem dos alunos da Colónia, sacrificou “os seus poucos momentos de folga”.575859

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“Agricultura”, in Jornal O AGRICULTOR, n.º 1, de 1913/10/05, p. 1. 55

“A vida rural”, in Jornal O AGRICULTOR, n.º 2, de 1913/11/05, p. 2. 56

PROST, 2008 : 64. 57

Ofício n.º 47, de César da Silva, dirigido à Direcção da Casa Pia, 1914/10/28. 58

Ao desenho sempre foi reconhecido o seu papel preponderante na educação casapiana pela transversalidade da sua influência que floresce além das modalidades dominantes, das modas pedagógicas ou dos processos de ensino – “todos são aproveitáveis desde que sejam pedagogicamente orientados e baseados nas tendências naturais da crian- ça para o desenho”. Pedro Guedes, professor de desenho da Casa Pia de Lisboa, citado em COLAÇO, 2007: 185. 59

Sabemos, por Costa Ferreira, que Daniel Machado continuou ao serviço da instituição, tendo decidido frequentar a escola de sargentos, bem como o pret, que estava a decorrer em Setembro de 1916. Ofício n.º 726, da Direcção da Casa Pia, dirigido ao Comandante do Regimento de Infantaria n.º 1, 1916/09/22. CPL, “Correspondência expedida n.º 16”, p. 192.

A confirmação deste procedimento verifica-se nas informações contidas nos mapas esta- tísticos da Casa Pia de Lisboa, que discrimina os alunos da Colónia Agrícola submetidos e apro- vados nos exames de 1º e 2º grau de instrução primária. Muito embora demonstrassem sérias dificuldades de aprendizagem, uma vez que só após seis, sete e oito anos de internato tinham conseguido habilitar-se a fazer os exames de 1º e 2º grau de instrução primária, salienta-se esta ocorrência por se relacionar com o empenho de César da Silva ao não interromper as aulas de instrução primária e de desenho que, como já referimos, a partir de certa altura ficaram a seu cargo.60

Por conseguinte, a Colónia Agrícola reunia dentro dos seus muros todas as esferas da vida do indivíduo. Dormir, brincar e trabalhar, aspectos básicos do quotidiano, eram realizados no mesmo local e sob uma única autoridade, cumpridos na companhia imediata de um grupo relativamente numeroso.61 Os alunos eram tratados de igual modo e levados a executar as mesmas actividades em conjunto, cumprindo horários estabelecidos pelo Professor-Regente. Implicava arrancar do tempo mais instantes e de cada instante mais forças úteis – para organizar a operação segundo o rendimento de cada um.62

A actividade diária assentou no critério de aplicar os alunos no trabalho de campo e ofi- cinas, acompanhado de aulas nocturnas. Formou-se, porém, uma aula diurna com os linfáticos e

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Apenas existem dados seguros para o ano económico 1912/13, cujo quadro de alunos, que foram submetidos e aprovados nos exames de 1º e 2º grau, salienta aqueles “que anteriormente estiveram na Colónia Agrícola”. Neste caso, refere-se a 3 alunos, com seis anos de internato, que foram submetidos a exame de 1º grau, em Julho de 1912; e 3 alunos, com 7 e 8 anos de internato, que realizaram o exame de 2º grau, em Agosto de 1912. Os 6 alunos foram aprovados nos referidos exames. Daqui se infere uma dado relevante: se é verdade que as obras na Colónia Agrícola de S. Bernardino começaram a 18 de Agosto, como foi afiançado por César da Silva, não o parece ser menos que o instituto recebera alunos antes do início da remodelação, pois os exames realizados em Julho e Agosto de 1912 conta- ram com a presença de alunos que estiveram anteriormente na Colónia Agrícola. Outro aspecto que merece explica- ção reside no facto de, a partir de 1913, não constar na lista de alunos admitidos a exames de 1º e 2º grau rapazes da Colónia. Consideramos que tal omissão não significa que não os houvesse, mas, apenas, que se deixou de salientar em nota de rodapé. É esta interpretação que sustenta o que dissemos atrás: a admissão de alunos da Colónia a exames de 1º e 2º grau confirma que estes frequentavam as aulas de instrução primária e, até, com razoável aproveitamento. FERREIRA, Costa, 1913: 14-15.

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GOFFMAN, 2003: 17-18. 62

outros que pareciam mais fracos, que colaboravam nas tarefas mais leves como, por exemplo, os trabalhos da cozinha. 63

Toda a dinâmica da Colónia baseava-se, portanto, no conceito de “pedagogia do traba-

lho”64, no cruzamento do critério da utilidade com o do objectivo, buscando a intersecção entre o benefício pessoal e o proveito da colectividade. “É um trabalho no sentido pedagógico, impli-

cando uma actividade útil e resultando num produto bem determinado”65. Os trabalhos manuais apresentam-se não como um fim em si, mas como um meio de educação e pretendem a forma- ção integral do indivíduo.

Contudo, é inegável que, em variados momentos da existência da Colónia, os trabalhos manuais deixaram de ser apenas pedagógicos para assumirem uma importância preponderante na sobrevivência das oficinas. Aliás, sete meses após o início do funcionamento do instituto, o Professor-Regente advertia Costa Ferreira para a situação penosa que se vivia em S. Bernardino:

“Infelizmente, porém, por carência de meios, as duas oficinas fecharam ou qua- se, e todos os rapazes se empregam agora em vários trabalhos agrícolas. (…) As oficinas são, pois, indispensáveis e sem elas a Colónia não pode viver. São, porém, caras, nos primeiros tempos, pelo menos, e é preciso atender a essa des- pesa. Passado algum tempo, porém, o seu custo diminuirá pelo aproveitamento dos trabalhos produzidos.”66

A expectativa de César da Silva veio a realizar-se. Em Junho de 1914, o Professor- Regente regozijava-se com a quantidade e a exigência dos trabalhos encomendados aos artífices da Colónia.

“As oficinas da Colónia têm tomado ultimamente um desenvolvimento enorme e deveras lisonjeiro. Encontra-se em construção uma carroça para um particular, outra já está encomendada e encontram-se aqui duas para concerto. Isto prova que chegou lá fora a notícia da correcção com que se fazem os trabalhos na

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SILVA, César da, “Considerações a respeito da Colónia Agrícola de S. Bernardino. 5 de Maio de 1913”. In introdução à colectânea do Jornal O AGRICULTOR, p. 6.

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Conceito desenvolvido por Georg Kerschensteiner. 65

PINTASSILGO, 1998: 41. 66

SILVA, César da, “Considerações a respeito da Colónia Agrícola de S. Bernardino. 5 de Maio de 1913”. In introdução à colectânea do Jornal O AGRICULTOR, p. 7-8.

Colónia. É consolador para os mestres das oficinas, verdadeiros autores deste progresso, e para todos os alunos que colaboram nos trabalhos da Colónia.”67