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Design da Experiência (do “Utilizador”?)

tecnologicamente mediada

D ESIGN G LOBAL : O DESIGN É TUDO

3.2. Trabalho relacionado

4.2.2. Design da Experiência (do “Utilizador”?)

É pertinente começarmos por realçar que duas disciplinas reclamam tratar do problema da experiência interativa: o Design da Experiência [XD] e o Design da Expe- riência do Utilizador [UxD]. Serão duas disciplinas distintas e autónomas ou designações diferentes para a mesma prática?

A designação «Design da Experiência» está mais de acordo quando nos propo- mos estudar e desenvolver a experiência da pessoa, ultrapassando as limitações do conceito de “utilizador” desenvolvido em torno da Usabilidade clássica. Neste contexto, será preferível retomar a designação «Design da Experiência», duplamente vantajosa por ser mais sintética e possuir intrinsecamente maior abertura, em detrimento de User Expe-

rience Design, que insiste precisamente no erro, evidenciado pelo próprio nome, de

tornar a pessoa um objecto cartesiano da imagem dual homem/máquina. Esta aparente nuance não deve ser encarada como cosmética, mas antes como um precisar semântico; trata-se antes de mais, da clarificação de uma charneira conceptual do próprio conceito e epistemologia do Design de Interação, que recolhe de si âmbito e o amplia para uma visão integrada dos objetos na experiência humana. Apesar desta aparente coerência, verificamos que o conceito de Design da Experiência / Experience Design», parece ter perdido o fôlego inicial que se observava no início do milénio, tendo vindo, ultimamente, a ser substituído por Design da Experiência do Utilizador [User Experience Design] como se pode verificar desde a associação em 2003 da AIGA à SCHIi Dux [AIGA]. Dessa forma, o termo user, apesar da recente posição contrária de Norman ao seu uso, parece mais forte do que nunca; parece ainda certo que, no seio da HCI e do Design de

lho, a figura do “utilizador” parece ser ainda um modelo conceptual inspirador e popu- lar no que respeita a pensar e conceber a problemática da disciplina do Design de Intera- ção. Nesse domínio, tanto na prática como no ensino, o paradigma de projeto tenderá inevitavelmente para uma ordem funcional, do domínio da eficácia do uso do «utilizador médio», caso a intervenção da autoria reflexiva do Design não estiver representada em todas as fases do projeto.

O emprego sistemático do termo utilizador [user], designadamente na designação das disciplinas (User Experience Design será o exemplo mais elucidativo) e dos para- digmas de computação (GUI, TUI, NUI, etc.) nos remete claramente para o domínio do utilizador tradicional.

Perto do início deste milénio, duas noções disciplinares novas surgiram com designações semelhantes que se perfilam na senda do conceito de experiência; User

Experience Design (UxD) e Experience Design (XD). Ambas as designações sublinham a

noção de desenhar ou conceber a experiência interativa. Para além de um notável aumento, sobretudo na última década, da incidência temática da experiência do utilizador, da estética e das emoções no debate da Usabilidade e da HCI e do Design de Interação, verificamos também que o interesse na abordagem perspectivada na qualifica- ção da experiência interativa é cada vez mais popular e propagandeada. Tendo em conta o que foi discutido no ponto anterior, a primeira designação, User Experience Design, ao introduzir e também fundar-se em torno do termo user, remete claramente para a «abordagem clássica» da HCI e a segunda para a ideia do Design. No entanto, o facto da crítica da designação, não significa descartar à partida investigação que é feita no âmbito do User Experience Design.

… ou simplesmente Design?

Concluímos que o Design da Experiência, tal como é descrito por Bill Buxton, ou Nathan Shedroff, poderá ser identificado com a própria noção de Design, enquanto concebida como ideia de abertura do Design Global à Transdisciplinaridade. A abor- dagem que refere Shedroff, que integra especialidades como o Teatro, o Design Gráfico,

a Arquitetura, o Design de Interiores (às que podíamos juntar muitas outras), é algo que sem dúvida podemos identificar com uma ideia de Design e do seu ensino que procuramos sintetizar. De resto, as especializações disciplinares do Design, como o Design de Interação, e outras que que empregarem Design na sua designação, não se podem deixarem de assumir como portadoras da missão do Design. Assumimos a

qualificação e dignificação da vida humana como missão e sua razão de ser do Design,

entendido enquanto disciplina de projeto. E, é certo, a vida humana, ou seja, a quotidia- nidade presente e futura de relação de seres humanos, integra-se e interage com objetos muitas vezes ainda presos a lógicas corporativas de especialização que não contemplam a abertura necessária a uma abordagem transdisciplinar. Como foi observado, tratando-se de projetos complexos do ponto de vista conceptual e tecnológico, trata-se de uma con- dição cada vez mais necessária para se conceber uma autoria de Design competente, capaz de abraçar projetos complexos.

4.3. Para além da Usabilidade

Como Jonathan Grudin recorda, Donald Norman passou de uma abordagem funcionalista da Ciência Cognitiva para uma abordagem mais próxima da do Design, que, dessa forma passou a integrar e enfatizar o papel da nossa resposta emocional e estética aos objetos.

«A evolução da CHI é refletida nas influentes contribuições de Donald Norman (...) que introduziu o termo engenharia cognitiva. [CHI: 1983] (...) São definidas as “Funções de Satisfação do Utilizador” com base na velocidade de uso, facilidade de aprendizagem, o conhecimento necessário, e erros. O seu livro Psychology of Everyday Things (POET) focou-se na Usabilidade pragmática. A sua reedição de 1990 como Design of Everyday

Things reflete uma reorientação de campo focalizado na questão da invenção. Catorze

anos depois, publicou Emotional design: Why We Love (or Hate) Everyday Things, des- tacando o papel da estética na nossa resposta a objetos.» xxxiv (Grudin, 2008)

Apesar de toda uma mudança intelectual, que autores como Norman representa, e que se assiste no contexto do Design de Interação e da HCI, podemos ainda hoje sentir uma propensão generalizada para a tentação de considerar a teoria da Usabilidade e as suas heurísticas como uma metodologia central em projeto de Interação. Tanto entre engenheiros e técnicos, mas também no seio de designers, existe uma forte apetência para orientar o projeto segundo o método heurístico e os pressupostos associados à teoria da

A Usabilidade tradicional, que tendencialmente se centrou numa metodologia prescritiva centrada no logos e no estudo da ciência cognitiva, já foi posta em causa por designers e por parte da comunidade da HCI, meio académico no qual se desenvolveu e proliferou. É certo que, se a palavra “Usabilidade” entrou de forma indelével no léxico do Design de Interação, em parte deveu-se aos seus próprios méritos, designadamente a clareza semântica que emana do seu discurso pragmático. No entanto, se centrarmos demasiado o discurso de projeto nas questões e métodos da Usabilidade, podemos colocar também a tónica numa visão demasiadamente funcionalista da Interação face à nossa proposição de Design. Devemos, assim, ser o mais cuidadosos e críticos possível quando a utilizamos no contexto do Design. Não se trata aqui de pretender eliminá-la nem desacreditar a pertinência de alguns dos seus estudos, o que seria absurdo, mas contextualiza-la melhor em sede de projeto de Design. No entanto, o Design não pode ancorar-se em primeira instância numa lógica utilitarista nem numa abordagem

heurística que define a conduta do projeto. Como defendemos para o Design é exigida

uma abordagem hermenêutica de natureza fenomenológica.

A ideia de que, de acordo com a sua definição da International Organization for

Standardization (definição ISO 9241) a Usabilidade se centra em três parâmetros

essenciais; a efetividade (da ação do “utilizador”), a eficiência (dos seus objetivos) e satis-

fação (“aceitabilidade” do sistema por parte do “utilizador” e das pessoas afetadas pelo

uso), não a tornará a própria Usabilidade, suficiente para englobar a abordagem que nos propomos realizar?

Conforme a definição da Usabilidade da ISO, a Usabilidade define-se pela efetivi-

dade, eficiência e satisfação do utilizador e das pessoas afetadas pelo uso.10 E com efeito,

10

«The effectiveness, efficiency and satisfaction with which specified users achieve specified goals in particular environments. Effectiveness: the accuracy and completeness with which specified users can achieve specified goals in particular environments; efficiency: the resources expended in relation to the accuracy and completeness

efetividade, eficiência e satisfação são atributos que esperamos encontrar nas interfaces. Evitar os erros potenciais da utilização indevida também. Quando está, por exemplo, em causa a nossa segurança ou a dos outros, ou a possibilidade de perder, ceder informação importante ou susceptível, necessitamos, sem dúvida, de um sistema à prova total do nosso potencial erro e que nos minore a indecisão. Da mesma forma, no espaço Web de uma entidade pública exigimos que o acesso aos conteúdos pretendidos seja tão claro, simples, facilitado, rápido, consistente e universal quanto possível e, já agora, com o mínimo indispensável de retórica institucional. O mesmo será valido para o mundo real, ou seja, no acesso físico universal dos edifícios: tal como no Design de Interação, na arquitetura também a acessibilidade é uma questão de bom senso. O problema é que, como Norman tão bem demonstra em Design of Everyday Things (1988), o bom senso de alguns projetistas não é tão abundante quanto poderíamos acreditar ou desejar. Nesse sentido, os métodos heurísticos da Usabilidade podem entendidos como ferramentas para o Design contra potenciais erros projectuais, mas nunca como forma de estruturar o pensamento do Design de Interação. Como realça Norman, as palavras contam e a Usabilidade focou-se desde início em parametrizar a dimensão técnica de uma interface operada por um “utilizador”, mais cognitivista do que cognoscente, na busca de fórmu- las que permitissem que esse uso pudesse ser determinado com a máxima eficiência e eficácia (por parte do “utilizador” cognitivo). No entanto, do ponto de vista da percepção, o uso é apenas a contingência física (consciente e/ou inconsciente) de se realizar uma determinada ação possibilitada pela experiência concreta no contexto da vida real.

O que de facto nos interessa focar é a vontade de agir do eu sobre o mundo que a

interface abre e fornece. A esse mundo – a perspectiva do sujeito – onde realmente

decorrem as interações, designamos conteúdos-da-ação. Aquilo que está antes e depois da interface e será a real causa da direcionalidade da ação do “utilizador”, na perspectiva da sua percepção, mas também do seu inconsciente. Essa ação é mais paradoxal, e complexa do que o uso em si mesmo.

of goals achieved; satisfaction: the comfort and acceptability of the work system to its users and other people affected by its use.» (ISO 9241 em www.w3.org)

dade deverá estar ao serviço da autoria do projeto de Design. Mas não raras vezes verificamos o contrário, ou seja, designers a serem condicionados pelas novas ordens da mais recente tecnologia e restringidos pelas leis – por vezes encaradas como manda- mentos – da Usabilidade. Concluindo, o método heurístico pode ser útil e facilitador, mas para ser possível uma investigação e prática do Design fundada na alteridade é fundamentalmente necessário apostar numa hermenêutica fenomenológica.

Podemos até encontrar interesse em estruturar o projeto de acordo com um método heurístico. Isso será razoável em projetos standart, ou seja, projetos de mercado em que não há tempo, dinheiro, ou interesse na questão da inovação e consequente investigação. Mas talvez aí não se possa falar tanto em Design mas, como coloca Buxton, em “inter-face design”. O Design (gráfico) aparece em último lugar para executar a sua tarefa sob as ordens e as leis da Usabilidade. No entanto, quando se pretende criar ou propor algo novo, pensar um novo modo de existência, inovar, devemos exigir o espaço para uma abordagem que permita construir por especialistas um conhecimento novo, em detrimento de uma abordagem heurística, (que será mais útil em projetos standart) Poder-se-ia dizer que a abordagem heurística da usabilidade serve sobretudo para quando não há tempo e, pelo contrário, a abordagem hermenêutica para quando há tempo para investigar.

4.4. A experiência técnica revisitada

A palavra ‘experiência’ encontra a sua raiz etimológica do latim experientia. Segundo Nicola Abbagnano podemos entender a experiência em três sentidos: no sentido corrente, científico e filosófico. No sentido corrente, experiência significa a participação pessoal em coisas repetíveis e é do domínio do estritamente pessoal e real; a experiência implica necessariamente o ser que a produz. A experiência confere experiência. Dessa forma, diz-se que alguém tem experiência de «uma situação ou estado de coisas qualquer

que se repita com suficiente uniformidade para dar-lhe a capacidade de resolver alguns problemas.» (Abbagnano, 1971, p. 471)

A quantidade de tempo mas sobretudo a qualidade do seu acumulado permite que se afirme como experiente, especialista ou perito aquele que se considera ou é considerado com suficiente qualidade e quantidade de experiência em determinado tarefa ou género de ação.

Por outro lado acepção científica, experiência significa o mesmo que experimen-

tação e «designa os procedimentos através dos quais se exerce o controlo da veracidade

de uma teoria ou de uma hipótese, confrontando-as com factos.» Nos termos científicos a experiência pretende-se tanto quanto possível impessoal, um olhar exteriorizado sobre o fenómeno que analisa. A experiência, sobretudo a partir da filosofia das ciências de Karl Popper, tem mais um carácter refutador do que verificador. Pelo contrário, no sentido filosófico, experiência designa os «dados sensíveis (ou impressões) nos quais o espírito se ocupa na elaboração ou legitimação dos seus conhecimentos» (Clément, et al. 1994, p. 141)

A combinação da experiência em sentido filosófico, com o sentido corrente (a experiência real de um eu), é um dos temas estruturantes do estudo, assim como da abordagem da investigação fenomenológica.

4.4.1. O paradigma vigente: a computação “amiga do utilizador” (user-