• Nenhum resultado encontrado

O triângulo hermenêutico de Francisco Providência

tecnologicamente mediada

D ESIGN G LOBAL : O DESIGN É TUDO

3.1.2. O triângulo hermenêutico de Francisco Providência

Francisco Providência identifica as três entidades essências na sua concepção de Design. Essas identidades que formam os vértices de um triângulo que poderá enquadrar o design de qualquer artefacto; o triângulo hermenêutico autor/programa/tecnologia do Design. Este modelo conceptual viria a servir de base para a estrutura da licenciatura em Design da UA. Curso em Design no qual se realizou uma mudança significativa na estratégia do ensino do Design quando, no ano lectivo de 2002/3, se extinguiram as especialidades (os ramos de Design de Comunicação e Design Industrial) para dar lugar ao primeiro curso superior em Design (Global) em Portugal.

Fig. 18 «Triângulo hermenêutico do design»: programa/autor/tecnologia Desenho de Francisco Providência (2008), fotografia de Nuno Dias (2010).

lectiva), um programa (resposta a uma necessidade enunciada) e uma tecnologia (meio

operativo e material da sua construção). Na infinita variação de combinações, entre o grau de influência do autor, do programa e da tecnologia, encontramos a origem do perfil de variedade dos artefactos que temos hoje.» (Providência, 2003, p. 198)

O Design implica a viabilização de um programa através da tecnologia. Mas, antes de mais, a qualidade de um Projeto de Design depende da competência poética e pragmática do autor. Isto é, a atividade profissional do Design pressupõe uma qualifica- ção interpretativa, técnica e estética de um autor ou autoria (designer individual ou coletivo de design) em diálogo com um cliente ou investidor que representa e suporta financeiramente o programa do Projeto. Neste quadro o que se pede da autoria é cultura, mundividência, capacidade de compreender e intervir em novos domínios, capacidade de dinamizar a competência artística e técnica no tempo, lidando de forma eficaz com a gestão projetual. Todos estes são atributos de uma autoria em design competente que só assim poderá ser capaz de gerar um diálogo inteligível e elevado com os restantes e respe- tivos especialistas do Projeto.

No entanto o triângulo hermenêutico do Design de Providência deve ser entendi- do, como o próprio convida, de uma forma dinâmica, não pode ser entendido como ten- dencialmente equilátero. Sobretudo em projetos complexos, ou que versem dispositivos “tecnologicamente ricos”, o autor, a tecnologia e o meio tendem a aproximar-se, se não mesmo a confundir-se. No limite isto transformaria o triângulo numa recta que passava a conceber o autor e tecnologia juntos numa nova entidade, caracterizada por ser uma coautoria, e o programa como devir no tempo desse pacto – pacto realizado para superar de forma sinergética o problema e necessidade inscritos no programa.

Ao longo da investigação em torno do Design da Experiência, podemos constatar que o objecto e problemática desta disciplina – que vem sendo recentemente formalizada por autores como Nathan Shedroff ou Bill Buxton – se pode aproximar, do ponto de vista da formação e prática, à abrangência implicada na noção de Design (Global), que se implementou no ensino em Design na UA. Desta forma, a noção que serve de base a esse

curso, servirá também de ponto de partida para a nossa reflexão sobre o Design, o seu ensino e formação.

3.1.3. Sobre a HCI

A HCI é uma área de estudos de raiz influenciada pelos princípios da Engenharia Informática fundada no início da década de 1980 com base nas noções em voga da Enge- nharia Cognitiva por diversas e influentes personalidades como o psicólogo Donald Norman e o carismático e incontornável engenheiro informático Jakob Nielsen, reconhe- cido pelo seu papel não negado de “evangelizador” e “guru” da Usabilidade. Com efeito, como refere Vasco Branco et al (2003), apesar das suas diferenças, os autores associados ao user-centered design (Norman, 1988) e das heurísticas da usabilidade (Nielsen & Molich, 1990) dirigiram-se através dos seus estudos essencialmente ao logos e à cogni-

ção, ou seja, ao domínio do racional e da eficácia cognitiva. Dessa forma, «os estudos

sobre Usabilidade tendem a validar e formatar regras que se dirigem essencialmente ao logos, como na caracterização de Norman (1988) sobre uma boa interface para uma ferramenta – visibilidade, feedback, um bom mapeamento da funcionalidade, modelo conceptual da ferramenta fácil de construir pelo utilizador – que parece denotar a convicção de que a inteligibilidade é a única determinante do uso.» (Branco, et al. 2003)

Tal objectivo originário, sobretudo pela mão de Jakob Nielsen, nunca chegou a desaparecer no seio da HCI, que ainda congrega uma substancial influência da Engenharia Cognitiva, orientada para um pensamento eminentemente pragmático e fun- cionalista. Pensamento que, devemos lembrar, também tem os seus adeptos no ambito e prática do Design.

No entanto, a evolução do pensamento de Donald Norman, que de um para- digma que se aproxima mais do Design, no sentido que envolve e fusão entre a estética e a função, representou uma mudança sensível no pensamento geral da HCI, colocando-se agora do lado de uma perspectiva mais próxima daquela que aqui se preconiza. Esse facto tornou-se evidente com a publicação de Emotional Design (2004) e do seu novo lema que ecoou na esfera alargada do Design de Interação e da HCI: «attractive things work better – as coisas atrativas funcionam melhor.» (Norman, 2004)

Esta nova máxima – que alguns designers poderão entender ser demasiado óbvia –, não pode deixar de ser considerada um “trunfo conceptual” para o Design. Com efeito, Norman colocava de uma forma frontal e pragmática a questão da estética no

dar razão e crédito a autores como Hummels e Overbeeke (2000) que, com os seus colegas da universidade de Delft, encabeçavam uma mudança de paradigma da Usabili- dade apontando para uma «estética da interação», enquanto estratégia para requalificar os artefactos e sistemas interativos e, enfim, o mundo que nos rodeia.

A demonstração científica que Norman alude – sobre o que diríamos tratar-se de uma relação potencialmente virtuosa entre a questão da atração (estética) e da função (programa) – parece tornar-se aqui um excelente argumento para uma ideia de Design que pretende promover um maior ênfase da dimensão poética e estética na experiência interativa. No entanto se, este enquadramento nos fornece argumentos e relevância para a presente abordagem, coloca, por outro lado, de uma nova forma mais frontal a questão da estética para muitos agentes da HCI, para que, esta se trata, antes de mais, num novo dilema e uma renovada complexidade em suma, uma acrescida dificuldade. Se a estética é hoje considerada necessária em domínios que outrora a desconsideravam ou a tomavam por epifenómeno descartável, ou por uma etapa à parte do Design, agora esta dimensão essencial tornou-se matéria de “investigação científica”, sendo encarada de forma mais generalizada como um factor decisivo no sucesso comercial dos produtos interativos. A verdade é que este aparente “dado novo”, se foi visto por muitos como “novidade” não o foi por todos; com efeito, parte significativa da comunidade de designers, mesmo que de forma intuitiva ou “não científica”, já o sabia pela prática. Podemos mesmo afirmar que a relação simbiótica entre estética e função foi, na teoria, se não a mais, uma das principais fontes de inquietação, de debate e de inspiração teórica e prática de grande parte dos designers. Aliás, como seria possível conceber, em projeto de Design, a estética e a aparência da forma – o domínio da atração e da repulsa – como um epifenómeno des- cartável no âmbito fenomenal do uso efetivo? Ou então, como algo que poderia ser enca- rado em projeto como uma instância de natureza secundária e, por conseguinte, numa questão para ser introduzida numa fase final de projeto de interação, isto é, como se tratasse apenas de uma questão de “embelezamento” de uma pele final que veste um esqueleto pretensamente lógico e racional? Uma coisa parece agora dada como certa: a relevância da questão da emoção e a dimensão estética da experiência interativa estão em

cima da mesa transversal em Projeto, designadamente no Projeto do Design de Interação e do Design da Experiência.