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2. METODOLOGIA

2.1. Design Science Research (DSR)

Para condução desta pesquisa, decidiu-se adotar como método a design science research (DSR), que pode ser traduzida como Pesquisa em Ciência do Design. Este método tem como base epistemológica a design science, brilhantemente ilustrada por Richard Buckminster Fuller (1992), um de seus precursores, da seguinte forma:

A função do que eu chamo de ciência do design é resolver problemas, por meio da introdução no ambiente de novos artefatos, cuja disponibilidade induzirá seu uso espontâneo pelos seres humanos e assim, consequentemente, os levará a abandonar os seus comportamentos e dispositivos anteriores, que produziam o problema. Por exemplo, quando os humanos têm uma necessidade vital de atravessar as corredeiras de um rio, como um cientista de design eu poderia projetar para eles uma ponte, levando-os, com certeza, a deixar espontaneamente e para sempre de arriscar a vida ao tentar nadar para a outra margem. (Fuller, 1992, p. 8)

Um bom ponto de partida para compreender melhor o conceito de design science é recorrer a Simon (1996, p. 114) – para ele, design science se preocupa com a criação de artefatos para atender determinados objetivos dos seres humanos, ao passo que as ciências naturais estão preocupadas em entender e descrever a realidade – “como as coisas são”.

Transportada para os objetivos desta tese, a design science será empregada com intuito de avançar estudos anteriores sobre modelo de negócios, adequando seus artefatos para uso em servitização. Esta abordagem está alinhada com os ensinamentos de Nunamaker Jr., Chen e Purdin (1990), para os quais a pesquisa em design science pode ser classificada como uma pesquisa aplicada, que emprega conhecimento científico para resolver problemas práticos.

Esta abordagem vem sendo utilizada com maior frequência nos últimos anos, no campo de Administração de Empresas, especificamente em pesquisas sobre modelo de negócios (Osterwalder, 2004; Pedroso, 2016b; Turber & Smiela, 2014; Turber, Vom Brocke, Gassmann, & Fleisch, 2014; Zolnowski, 2015) e sobre servitização e PSS (Barquet et al., 2015; Boehm, Freundlieb, Stolze, Thomas, & Teuteberg, 2011; Brohman et al., 2009; Finne & Holmström, 2013; Matzen & McAloone, 2009; Niemöller, Özcan, Metzger, & Thomas, 2014; Rasouli, Trienekens, Kusters, & Grefen, 2015; Schrödl & Bensch, 2013; Tan & McAloone, 2010; Tran & Park, 2015), temas centrais desta tese, mas também em outras áreas correlatas à Administração, como estratégia (Healey, Hodgkinson, Whittington, & Johnson, 2015), desenvolvimento organizacional (Romme, 2003; Romme & Damen, 2007), engenharia de produção (Andreasen, 2011; Andreasen, Hansen, & Cash, 2015; Lacerda et al., 2013), TI e sistemas de informação (Geerts, 2011; Gregor & Hevner, 2013; Gregor & Jones, 2007; Hevner & Chatterjee, 2010; Hevner, March, Park, & Ram, 2004; Niederman & March, 2012; Osterwalder & Pigneur, 2013), e administração geral (Dresch et al., 2015; Pandza & Thorpe, 2010; Van Aken, 2004, 2005).

O uso deste método em Administração provoca muitas discussões, a partir de diferentes linhas de pensamento. Van Aken (2004), por exemplo, analisa design science a partir do seu conceito de paradigma de pesquisa – “a combinação das questões de pesquisa, com metodologias que

permitem responder tais questões, e com a natureza dos resultados esperados da pesquisa” (p.

224), e propõe uma classificação das ciências em três categorias de disciplinas, segundo os paradigmas que utilizam: (i) ciências formais, tais como filosofia e matemática; (ii) ciências explicativas, como as ciências naturais e a maior parte das ciências sociais; e (iii) ciências do design (design sciences), como engenharia, medicina e a psicoterapia moderna.

Segundo ele, as ciências formais não têm aplicação prática direta, sua missão é desenvolver proposições para as quais o principal teste é a sua lógica de consistência interna. Por outro lado, as ciências explicativas têm como missão principal descrever, explicar, e possivelmente prever

os fenômenos observáveis em determinado campo do conhecimento, enquanto as ciências do design têm como missão desenvolver conhecimento para criação de artefatos, com intuito de resolver problemas ou de melhorar o desempenho de elementos existentes.

Van Aken (2004) enfatiza que a relevância da pesquisa em Administração poderia ser ampliada, se as pesquisas de natureza descritiva fossem complementadas com pesquisas de natureza prescritiva. Para ele, as ciências explicativas estão mais alinhadas com pesquisas de natureza descritiva, enquanto as ciências do design estão mais alinhadas com pesquisas prescritivas. Esta sua visão está condensada no Quadro 2-1, contendo as principais características destes dois tipos de pesquisas, segundo este autor.

Quadro 2-1: Pesquisas Descritivas versus Pesquisas Prescritivas.

Característica Pesquisa de natureza descritiva Pesquisa de natureza prescritiva Paradigma dominante Ciências explicativas Ciências do design (design sciences)

Foco Focada no problema Focada na solução

Perspectiva (do pesquisador) Observador Participante

Lógica Retrospectiva Intervenção - resultado

Questão de pesquisa típica Explicação Soluções alternativas para uma classe de problemas

Resultado da pesquisa (típico) Modelo causal; lei quantitativa Regra tecnológica testada e fundamentada

Natureza do resultado da

pesquisa Algoritmo Heurística

Justificativa Comprovação Evidência com saturação Tipo de teoria resultante Teoria Organizacional Teoria de Gestão Fonte: Van Aken (2004, p. 236).

De acordo com Dresch et al. (2015), uma característica primordial das pesquisas que utilizam método da DSR é sua orientação à solução de problemas específicos, não necessariamente em busca da solução ótima, mas de uma solução satisfatória. No entanto, sempre que possível, as soluções criadas devem ser passíveis de generalização para determinada classe de problemas, permitindo assim que outros pesquisadores ou praticantes possam fazer uso do conhecimento, em outros contextos. A Figura 2-1 representa a condução de uma DSR e sua relação com os dois fatores essenciais para o sucesso de qualquer pesquisa: rigor e relevância. A relevância da pesquisa é de extrema importância para as organizações, pois são os seus profissionais que

utilizarão os resultados da pesquisa e o conhecimento gerado para resolver seus problemas práticos, no dia-a-dia. Por outro lado, o rigor é crucial para uma pesquisa ser considerada válida, confiável, e ser capaz de contribuir para ampliar a base de conhecimento de determinada área.

Figura 2-1: Relevância e rigor em design science research. Fonte: Dresch et al. (2015, p. 68)

O “ambiente” representado na Figura 2-1 é onde se observa o problema, ou seja, onde se encontra o fenômeno de interesse da pesquisa. É neste contexto que o artefato proposto vai operar. Este ambiente usualmente é constituído por pessoas, pela organização em si, e pela tecnologia que ela tem à sua disposição. Esta representação proposta por Dresch et al. (2015) foi inspirada nos três ciclos da design science research, apresentados por Hevner e Chatterjee (2010, p. 16): (i) ciclo da relevância (requisitos, teste de campo); (ii) ciclo do design (construção, avaliação); e (iii) ciclo do rigor (fundamentação, contribuições ao corpo de conhecimento).

Andreasen (2011), por sua vez, nos desafia com a seguinte questão: “como podemos entender

melhor a design science research (DSR)?” Segundo ele, em DSR se estuda uma “realidade” ou

prática de design, e se cria um modelo de certo fenômeno, pertencente a esta realidade, como ilustrado na Figura 2-2. A partir do modelo do fenômeno, pode-se formular um modelo informacional, e implementá-lo em um sistema computacional. Esses modelos podem ser então retroalimentados pela prática, e também influenciar tal prática. Um modelo se baseia em teorias sobre um fenômeno que se estuda (Tomiyama, Kiriyama, Takeda, Xue, & Yoshikawa, 1989); portanto, certas teorias podem suportar o pesquisador nas etapas representadas na Figura 2-2. Andreasen (2011) segue nos ensinando que uma teoria, no contexto de design, pode ser vista como uma explicação de um fenômeno, e que uma teoria efetiva deveria predizer comportamentos do fenômeno. De acordo com ele, “o principal objetivo da design science é

criar predições cada vez melhores sobre o fenômeno” (Andreasen, 2011, p. 322).

Figura 2-2: Em DSR se derivam modelos da prática, e se desenvolvem ferramentas e modelos para uso na prática.

Fonte: Andreasen (2011, p. 322).

Fazendo um balanço sobre DSR, Finger e Dixon (1989a, 1989b) afirmam que uma boa instituição de pesquisa em DSR deve ter grande habilidade de pesquisa, com base em uma sólida fundamentação teórica, mas também deve dominar as melhores práticas de design. Segundo Andreasen (2011), este último critério é muito exigente e o que se consegue, em geral, são situações de design idealizadas e parciais. No entanto, a missão do pesquisador em DSR é estudar práticas de trabalho com base em teorias, hipóteses e questões de pesquisa. Desta forma, os seus achados podem contribuir com teorias e conhecimento sobre design, como insights gerais, singulares e testados, sobre fenômenos relacionados ao design.

De acordo com Andreasen (2011), para a consolidação da pesquisa em design science, além de uma base teórica comum e de um conjunto robusto de modelos, métodos e construtos, deve-se adicionar mais uma dimensão, as contribuições para a prática de trabalho. Ele ilustra suas ideias no modelo da Figura 2-3, inspirado em um livro infantil que se desdobra nos quatro cômodos (ou dimensões) da design science:

• Prática de trabalho que é, ao mesmo tempo, objeto de estudo e "área cliente" do pesquisador; • Pesquisa empírica, onde se busca obter conhecimento sobre os fenômenos de design; • Teorias de design, onde se tentam estruturar as teorias e criar ontologias;

• Conhecimento descritivo e prescritivo, dimensão na qual os resultados empíricos, teorias de design, modelos e métodos são sintetizados em uma escola de aprendizagem ou de produção de literatura, para uso na prática.

As setas na ilustração da direita representam que o conhecimento sobre a prática é novamente trazido para a prática, a partir dos outros três "cômodos" ou dimensões.

Figura 2-3: Design Science Research vista como quatro mundos inter-relacionados. Fonte: Andreasen (2011, p. 324).

Andreasen (2011) defende que o estudo de Design Science exige pesquisas multidisciplinares, enfatizando que uma pesquisa com background exclusivo de Engenharia somente é capaz de criar insights em aspectos limitados de design. Segundo ele, a DSR segue mais de um

paradigma de pesquisa, tipicamente envolvendo disciplinas de Engenharia e de Ciências Sociais e Humanas. Ele destaca que, por esta razão, os métodos de pesquisa devem ser refinados, para combinar as quatro dimensões de pesquisa descritas na Figura 2-3, cruzando assim as fronteiras interdisciplinares, e permitindo a obtenção de insights sobre outros aspectos importantes que, de outra forma, seriam negligenciados.

Com base nestes ensinamentos, Tan e McAloone (2010) nos mostram que três tipos de conhecimento podem ser criados em design research: (i) achados empíricos, baseados no estudo de design na prática; (ii) contribuições à teoria de design, a qual explica o fenômeno de design; e (iii) contribuições à prática de trabalho, esclarecendo e aprimorando o processo de design na prática. Estes diferentes tipos de conhecimento de design se influenciam mutuamente, e todos eles contribuem para o entendimento de um fenômeno de design.

A pesquisa nesta tese se baseia no conhecimento atual sobre modelo de negócios, servitização e design de PSS, na lógica dominante de serviços, em teorias e conhecimento descritivo e prescritivo, e os confronta com relatos de observações empíricas, com intuito de avançar o conhecimento atual propondo um conjunto de artefatos para apoiar as empresas na transformação de seus modelos de negócios, para implantar sua estratégia de servitização.