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3. REVISÃO DA LITERATURA

3.2. Servitização e Sistemas Produto-Serviço (PSS)

3.2.3. Taxonomias e tipologias para PSS

A classificação de sistemas produto-serviço mais amplamente aceita e difundida até hoje foi proposta originalmente por Tukker (2004), e tem sido usada extensivamente na literatura (e.g. Baines & Lightfoot, 2013; Barquet et al., 2013; Beuren et al., 2013; Boehm & Thomas, 2013; Martinez, Bastl, Kingston, & Evans, 2010; Reim et al., 2015). Essa classificação apresenta três categorias principais de PSS, em um contínuo que vai de produto puro até serviço puro, com serviços orientados (i) ao produto; (ii) ao uso; e (iii) ao resultado, divididas por sua vez em oito subcategorias, conforme representado na Figura 3-13.

Figura 3-13: Categorias principais e subcategorias de um PSS. Fonte: traduzido de Tukker (2004).

Essas categorias e subcategorias se diferenciam principalmente pelo seu modelo de receita e pela relação entre o fornecedor e o cliente. Em um PSS orientado ao produto, a propriedade do bem tangível é transferida para o cliente, mas serviços adicionais diretamente relacionados ao produto são fornecidos pelo fabricante; no PSS orientado ao uso, o fornecedor do serviço mantém a propriedade do produto, e que é disponibilizado ao cliente por meio de sistemas de distribuição e pagamento modificados, tais como compartilhamento, pooling e leasing; no caso do PSS orientado ao resultado, cliente e fornecedor entram em acordo sobre o resultado esperado, e o serviço pode substituir o produto, e.g. um correio de voz que substitui a secretária

eletrônica (Neely, 2008), ou uma oferta de infraestrutura de TI como serviço (IaaS,

Infrastructure as a Service).

No entanto, muitos estudiosos continuam buscando novos frameworks para melhorar essa classificação. Com uma abordagem de grounded theory, aplicada sobre uma amostra de mais de doze mil empresas da base de dados Osiris3, Neely (2008) identificou doze categorias (listadas no Quadro 3-3) para os serviços oferecidos pelas empresas servitizadas, e tentou mapeá-las na classificação de Tukker (2004) supracitada.

Quadro 3-3: Categorias de serviços oferecidos por empresas servitizadas.

Consultoria Instalação e implementação Terceirização e operação Venda e distribuição Serviços financeiros Manutenção e suporte Design e desenvolvimento Leasing Aquisição Sistemas e soluções Propriedades e imóveis Serviços de transporte Fonte: Neely (2008).

Parte das doze categorias pôde ser claramente mapeada em um dos três tipos de PSS propostos por Tukker, porém o autor sentiu necessidade de estender o esquema de classificação, para representar todas as estratégias de servitização identificadas em sua pesquisa, incluindo dois novos tipos de PSS: orientado à integração; e orientado ao serviço. As cinco opções de PSS da nova classificação proposta por Neely (2008) podem ser observadas no Quadro 3-4, e representam uma importante contribuição de sua pesquisa.

3 Base de dados do Bureau Van Dijk, que contém informações detalhadas de empresas listadas em bolsa, em todo o mundo. Mais detalhes podem ser encontrados no link:

Quadro 3-4: As cinco opções de PSS para servitização.

Opção Características

Opção 1 PSS orientado à

Integração

Envolve adição de serviços à jusante na cadeia, por meio de uma integração vertical. A propriedade do produto tangível é transferida para o cliente, mas o fornecedor busca a integração vertical incorporando serviços, e.g. varejo e distribuição; serviços financeiros; serviços de consultoria; propriedades e imóveis; ou serviços de

transporte. Pode-se entender o PSS orientado à Integração como produtos mais serviços.

Opção 2 PSS orientado ao

Produto

Nesta opção a propriedade do produto tangível também é transferida para o cliente, mas serviços adicionais diretamente relacionados ao produto são fornecidos, e.g. design e desenvolvimento; instalação e implementação; manutenção e suporte; consultoria; terceirização e operação; aquisição. Pode-se conceituar PSS orientado ao Produto como produtos mais serviços que são parte integrante do produto.

Opção 3 PSS orientado ao

Serviço

Incorpora serviços ao próprio produto. A propriedade do produto tangível ainda é transferida para o cliente, mas são oferecidos serviços adicionais de valor agregado como parte integrante da oferta, e.g. sistemas integrados de gestão e monitoramento de saúde e uso de equipamentos (HUMS - Health and Usage Monitoring Systems; e IVHM, Integrated Vehicle Health Management). A opção 3 é a primeira opção que envolve um produto acoplado ao serviço, ao invés de produto mais serviço Opção 4

PSS orientado ao Uso

Nessa opção há uma mudança de foco para o serviço (que é entregue por meio do produto). Muitas vezes a propriedade do produto tangível é retida pelo prestador de serviços, que vende as funções do produto, por meio de sistemas de distribuição e pagamento modificados, tais como compartilhamento, pooling, e leasing

Opção 5 PSS orientado ao

Resultado

Aqui se procura substituir o produto por um serviço, eliminando, assim, a

necessidade do produto, ou, pelo menos, da posse individual do produto. Um exemplo clássico são os serviços de correio de voz, onde o próprio serviço substitui a

necessidade de que os indivíduos possuam suas próprias secretárias eletrônicas. Fonte: adaptado de Neely (2008).

Park, Geum e Lee (2012), por outro lado, sugerem o uso do termo Produto-Serviço Integrados (IPS, Integrated Product-Service). A partir de treze conceitos correlatos, obtidos por meio de uma ampla revisão da literatura, eles propõem uma diferenciação entre IPS orientados ao marketing e orientados à engenharia, conforme detalhado a seguir:

(i) IPS orientados ao Marketing: englobam seis conceitos - Bundling, Venda de Sistemas,

Full Service, Pacote de Serviços, Serviço ao Produto, e Serviço à Base Instalada. Envolve

a integração de produtos e serviços com objetivo de promover as vendas por meio da diferenciação da oferta, e tem sido estudado principalmente nos Estados Unidos. Nesta forma de IPS presume-se a dualidade produto/serviço, ou seja, que estes podem ser facilmente separáveis entre si e fornecidos independentemente; a integração ocorre predominantemente à jusante na cadeia de valor, em vendas ou em serviços ao cliente; como a integração produto-serviço não é considerada nos estágios iniciais há pouca possibilidade de customização.

(ii) IPS orientados à Engenharia: agrupam os outros sete conceitos - Solução, Solução Integrada, EEPS (Eco-Efficient Producer Services), PSS, Venda Funcional, Produto Funcional, e IPSO (Integrated Product and Service Offerings). Aqui se assume que produtos e serviços sejam tão organicamente integrados, que não possam ser separados um do outro. As necessidades dos clientes são consideradas desde os estágios iniciais, a montante na cadeia de valor, em P&D e design; sendo assim, a integração de produto e serviço é sistemática e customizada, e favorecida pela modularidade. Os estudos destes conceitos emergiram do trabalho de engenheiros, principalmente na Europa e Japão.

Explorando essa diferenciação, estes autores desenvolvem uma tipologia mais sofisticada, que eles denominam “Cubo IPS” (IPS Cube), cujas três dimensões são: (i) papel da tecnologia (dependente de tecnologia ou não); (ii) propriedade do produto (do cliente ou do fornecedor), e (iii) natureza da integração (mistura ou composto), resultando em oito tipos distintos de IPS, um para cada célula do cubo, como se observa na Figura 3-14.

Figura 3-14: Cubo IPS. Fonte: Park et al. (2012, p. 538).

Gaiardelli et al. (2014), por outro lado, destacam que as organizações têm adotado estratégias de servitização de forma desestruturada, em parte devido ao pouco entendimento sobre os diferentes tipos de ofertas de PSS. Segundo estes autores, os modelos de classificação de PSS existentes na literatura geralmente consideram poucas dimensões (algumas vezes apenas uma). A partir de uma revisão sistemática da literatura, eles consolidaram as dez dimensões mais

usadas no estudo de PSS (listadas no Quadro 3-5). Os autores propõem então um novo modelo de classificação, multidimensional e mais abrangente, com base nas três dimensões que eles consideram principais: (i) orientação da oferta de PSS: produto, uso ou resultado (mesma dimensão usada nas categorizações de Tukker e Neely); (ii) foco da oferta de PSS: produto ou

processo; e (iii) natureza da interação entre cliente e fornecedor do PSS: baseada em transações ou relacionamento.

Quadro 3-5: Dimensões mais usadas para estudo de PSS.

Propriedade do produto Uso do produto

Foco da oferta do PSS Integração vertical da cadeia de suprimento Poder de decisão sobre o produto Envolvimento e intensidade do relacionamento

Completude Customização do serviço

Natureza da interação entre o cliente e o fornecedor do PSS

Elementos críticos do mix de marketing dos serviços.

Fonte: Gaiardelli et al. (2014).

Recentemente Tukker (2015) fez uma revisão da literatura de PSS na última década e a comparou com os achados de seu estudo anterior (Tukker & Tischner, 2006). O autor constatou que diversos estudiosos continuam trabalhando para aprimorar a conceituação e a taxonomia de PSS por acreditarem que elas podem contribuir para o entendimento das diferentes abordagens de PSS adotadas pelas empresas (e.g. Boehm & Thomas, 2013; Cedergren, Elfving, Eriksson, & Parida, 2012; Edvardsson et al., 2005; Lay, Schroeter, & Biege, 2009; Van Ostaeyen, Van Horenbeek, Pintelon, & Duflou, 2013).

Entre eles, Lay et al. (2009) identificam, em uma ampla revisão da literatura, sete conceitos que diferenciam os modelos de negócios de PSS: (i) propriedade do produto durante a utilização e (ii) propriedade do produto após o fim da vida; (iii) empregador do pessoal de manufatura e (iv) empregador do pessoal de manutenção; (v) local da operação; (vi) quantidade de clientes atendidos (único ou múltiplos); e (vii) modelo de pagamento. A partir desses conceitos, eles apresentam opções para cada tipo (por exemplo, a propriedade pode ser do produtor do equipamento, do banco de leasing, de uma joint venture operacional ou do cliente), na forma de um “cubo morfológico”, que permite caracterizar os MNs de PSS com uma granulação mais fina, como ilustrado na Figura 3-15.

A partir do cubo morfológico, Lay et al. (2009) propõem cinco tipos genéricos de PSS: (i) com foco em pagamento e propriedade; (ii) com foco operacional; (iii) com foco financeiro e operacional nas instalações do cliente; (iv) com foco financeiro e operacional nas instalações do fornecedor; e (v) envolvendo uma joint-venture.

Figura 3-15: Cubo Morfológico: framework para descrever novos conceitos de negócio. Fonte: Lay et al. (2009, p. 447).

Cedergren et al. (2012), por sua vez, identificam cinco temas fundamentais para descrever um PSS: modelos de entrega; processos; redes de criação de valor; gestão do conhecimento; e modelos de negócios. Essencialmente, estes e outros autores (e.g. Y. S. Kim, Lee, & Koh, 2011; Lee & AbuAli, 2011) aprimoraram a definição ou caracterização de PSS, refinando seus traços característicos, suas opções de fornecimento, ou outras dimensões.

Com base em uma revisão sistemática da literatura, Perona, Saccani e Bacchetti (2017) propõem uma representação bidimensional dos padrões de servitização. Segundo eles, uma dimensão é a abordagem, que pode ser incremental ou radical, enquanto a outra se refere ao impacto do processo de servitização, que pode ser uma transformação do negócio ou uma integração ao negócio anterior. Para demonstrar empiricamente esta representação, estes autores selecionaram sete casos principais de empresas que obtiveram sucesso incontestável ao aplicarem um modelo de negócios inovador e servitizado. As sete empresas selecionadas pelos autores foram Apple, Caterpillar, Dell, General Electric, IBM, Rolls Royce e Xerox. As razões alegadas por Perona et al. (2017) para seleção destas empresa foram as seguintes:

1. Apple: pela integração de design, marketing e venda de sistemas produto-serviço, inicialmente com iPod + iTunes, em seguida com iPhone + Apple Store;

2. Caterpillar (CAT): por sua fama e seu sucesso alavancando suas competências internas em logística de peças de reposição, para iniciar um novo negócio de serviço, por meio de um negócio “lateral”, comparado ao seu negócio principal;

3. Dell: por ter sido pioneira no mercado de computação pessoal com um modelo de negócios novo, centrado no cliente, baseado na desintermediação e no contato direto com o cliente; 4. General Eletric (GE): por ser líder no suporte à venda de bens de capital com sistemas

financeiros avançados e, portanto, por ter proposto uma das primeiras e mais bem-sucedidas “soluções” ao cliente;

5. IBM: por sua reviravolta espetacular, passando de maior fabricante global de computadores e periféricos, para primeiro provedoro mundial de serviços corporativos de TI;

6. Rolls Royce: por ter lançado um dos primeiros e mais bem-sucedidos esquema de contrato baseado em resultado no mercado de bens de capital, viabilizado por alta tecnologia; 7. Xerox: por ter sido pioneira na implementação de um modelo de negócios “pago por uso”

(pay per use) no setor de impressoras e copiadoras.

De acordo com Perona et al. (2017), as evidências empíricas coletadas na análise destes sete casos suportam a representação bidimensional dos padrões de servitização proposta por eles, permitindo a classificação de cada caso como ilustra o Quadro 3-6.

Quadro 3-6: Representação bidimensional dos padrões de servitização.

ABORDAGEM

Incremental Radical

IMPACTO

Transformativo IBM Dell

Apple

Integrativo Xerox

Rolls Royce

GE CAT Fonte: traduzido de Perona et al. (2017, p. 9).

Dentre as classificações mencionadas até aqui, a mais completa e mais adequada para os objetivos desta pesquisa é a proposta por Lay et al. (2009), conhecida como cubo morfológico, apresentado anteriormente na Figura 3-15, e que se baseia nos sete conceitos que diferenciam os modelos de negócios de PSS com maior granularidade.