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3. REVISÃO DA LITERATURA

3.2. Servitização e Sistemas Produto-Serviço (PSS)

3.2.2. Evolução da literatura sobre PSS

O conceito de bundle, analisado por Vandermerwe e Rada (1988), tem sido abordado por diversos pesquisadores como um Sistema Produto-Serviço (PSS), considerado por Baines et al. (2007, p. 1545) como um caso especial de servitização, descrito por eles como “uma oferta

integrada de produtos e serviços, entregando valor no uso”. Por outro lado, Tukker (2004, p.

246) define PSS como “um conjunto de produtos tangíveis e serviços intangíveis, projetados e

combinados de modo que eles, em conjunto, sejam capazes de satisfazer necessidades específicas dos clientes”. Assim, uma oferta de PSS pode ser entendida como parte de uma

estratégia de inovação da empresa, que desloca seu foco de negócio do fornecimento de apenas produtos físicos, para oferecer um sistema de produtos e serviços que, como um conjunto, é capaz de atender uma demanda específica do cliente (Manzini & Vezzoli, 2003).

Neste novo paradigma, os produtos e serviços são projetados para entregar valor ao cliente, e não apenas funcionalidades. Um dos principais objetivos do PSS é gerar maior receita total para o fabricante, em todo o ciclo de vida do produto. Se projetadas adequadamente, as soluções de PSS também podem contribuir para reduzir o consumo global de recursos e o impacto ambiental. Muitas organizações tradicionalmente orientadas à manufatura de produtos estão passando pelo processo de servitização, e desenvolvendo práticas multidisciplinares para se adequarem a essa nova estratégia.

Apesar de não trazer explicitamente os termos servitização ou sistema produto-serviço, o artigo “Managing the transition from products to services”, de Oliva e Kallenberg (2003) foi um marco para estas comunidades, sendo um dos mais citados (507 citações na base ISI Web of Science e 800 na base Scopus, em pesquisa feita por este autor em 11/03/2017). Com este trabalho os autores pavimentaram o caminho para outros pesquisadores, abordando o contínuo

de produto a serviço, desenvolvido durante o design de sua pesquisa, que está representado na Figura 3-12.

Figura 3-12: O contínuo de produto a serviço. Fonte: traduzido de Oliva e Kallenberg (2003, p. 162).

Segundo Oliva e Kallenberg (2003), a literatura de Administração de Negócios é quase unanime em sugerir que os fabricantes deveriam integrar serviços em suas principais ofertas de produtos. Para eles, no entanto, a transição de fabricante de produtos para prestador de serviços representa um enorme desafio de gestão. Serviços exigem princípios organizacionais, estruturas e processos que são novos para um fabricante. Não são necessários somente novos incentivos, métricas e capacidades, mas também o enfoque do modelo de negócios deve mudar de transações para relacionamentos. O desenvolvimento deste novo conjunto de capacidades tipicamente acarreta o desinvestimento de recursos de manufatura e desenvolvimento de novos produtos, que são as tradicionais fontes de vantagem competitiva para a organização.

Diante disto, Oliva e Kallenberg (2003) consideram a literatura curiosamente vaga ao descrever em que proporção os serviços devem ser integrados e como esta integração deve ser feita, ou ao detalhar os desafios inerentes à transição para serviços. A análise realizada pelos autores, a partir do estudo de onze fabricantes de bens de capital que desenvolvem ofertas de serviços para seus produtos, sugere que essa transição envolve um processo deliberado de construção de

capacidades, enquanto a empresa transforma a natureza de sua relação com os usuários finais do produto, e o foco da sua oferta para serviço.

Boehm e Thomas (2013) investigam o estado da arte da pesquisa em PSS, por meio de uma revisão estruturada de 265 artigos, e adotam uma abordagem interessante, utilizando “gráficos

de definição”, para analisar os termos que se interligam como elementos definidores do

conceito de PSS, em três disciplinas distintas: (i) Sistemas de Informação; (ii) Gestão de Negócios; e (iii) Engenharia e Design. A partir desta técnica esses autores mostram que há um entendimento diferente de PSS nas três disciplinas e propõem uma definição central que consideram aceitável para as três disciplinas: “Um sistema produto-serviço (PSS) é um pacote

integrado de produtos e serviços com objetivo de criar utilidade para o cliente e gerar valor"

(Ibid., 252). Embora aparentemente não seja tão diferente das anteriores, esta definição corretamente enfatiza que a combinação de produtos e serviços precisa criar utilidade para os clientes, e valor para os fornecedores.

Goedkoop et al. (1999, p. 17), por sua vez, propõem uma diferenciação entre produto e serviço ainda bastante aceita pela comunidade de pesquisa de PSS: “Um produto é uma commodity

tangível, manufaturada para ser vendida, capaz de cair sobre seus pés e atender uma necessidade do cliente; um serviço é uma atividade (trabalho) com valor econômico, feita para outrem, tipicamente em bases comerciais”.

Há muitos exemplos de estudos sobre servitização e PSS na literatura, em geral enfatizando o seu potencial para manutenção dos fluxos de receita e melhoria da rentabilidade. A revisão de Lightfoot et al. (2013) oferece uma plataforma que permite desenvolver pesquisas em profundidade sobre temas mais amplos, como estratégias competitivas baseadas em serviço. Em sua análise, os autores consolidam as cinco principais preocupações compartilhadas pelas comunidades de pesquisa: (i) diferenciação produto-serviço; (ii) estratégia competitiva; (iii) valor ao cliente (aborda os construtos valor adicionado, valor em uso e cocriação de valor); (iv) relacionamentos com o cliente; e (v) configuração produto-serviço.

Um exemplo ilustrativo de PSS é o envolvimento do fornecedor com processos relacionados ao uso dos produtos pelo cliente. Fornecedores de PSS podem oferecer suporte aos clientes, garantindo a utilidade do produto durante todo seu ciclo de vida (Tan & McAloone, 2010). Tradicionalmente, os clientes compram um produto e tornam-se responsáveis pelo seu

desempenho, sua manutenção e eliminação. Entretanto, no PSS a propriedade do produto pode não ser transferida para o cliente. Em alguns casos, o fabricante permanece responsável pelo produto mesmo após a sua venda (Baines et al., 2007).

A adoção de uma estratégia com PSS traz consigo significativos desafios culturais e corporativos. Alguns autores identificam como a principal barreira para a adoção do PSS a necessária mudança cultural, para que o cliente enxergue mais valor em ter uma necessidade sua atendida, ao invés de ter a propriedade do produto (e.g. Goedkoop et al., 1999; Manzini et al., 2001). Segundo estes autores, o sucesso mercadológico de uma solução de PSS é altamente dependente de sua adaptação à cultura na qual a mesma irá operar.

As principais definições encontradas na literatura para PSS estão reorganizadas e sistematizadas no Quadro 3-2 pelo autor desta tese.

Quadro 3-2: Principais definições de PSS na literatura.

Autores Definições e narrativas

Goedkoop et al. (1999, p. 17; 20)

Um produto é uma commodity tangível, manufaturada para ser vendida, capaz de cair sobre seus pés e atender uma necessidade do cliente; um serviço é uma atividade (trabalho) com valor econômico, feita para outrem, tipicamente em bases comerciais.

PSS é um conjunto vendável de produtos e serviços que é capaz de, em conjunto, satisfazer uma necessidade do usuário, e que pode ser fornecido por uma empresa isolada, ou por uma aliança entre empresas.

Baines et al. (2007)

PSS é uma oferta integrada de produtos e serviços, que entrega valor no uso. O PSS oferece a oportunidade de desacoplar o sucesso econômico do consumo de material, e assim reduzir o impacto ambiental da atividade econômica. Mont (2002, p. 239)

O PSS é um sistema de produtos, serviços, redes e infraestrutura de suporte, que é projetado para ser: competitivo, satisfazer as necessidades dos consumidores, e ter impacto ambiental menor do que os modelos de negócios tradicionais.

Manzini e Vezzoli (2003, p. 851)

Um PSS é o resultado de uma estratégia de inovação, que desloca o foco do negócio da concepção (e venda) somente de produtos físicos, para a concepção (e venda) de um sistema de produtos e serviços que, como um conjunto, é capaz de atender as exigências específicas dos clientes.

Tukker (2004, p. 246)

PSS é um conjunto de produtos tangíveis e serviços intangíveis, projetados e combinados de modo que, em conjunto, sejam capazes de satisfazer necessidades específicas de clientes finais.

Wong (2004)

PSS pode ser definido como uma solução oferecida para a venda, que envolve tanto um produto como um elemento de serviço, para entregar a funcionalidade requerida.

Boehm e Thomas (2013, p. 252)

PSS é um pacote integrado de produtos e serviços, com o objetivo de criar utilidade para o cliente e gerar valor.