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Evolução da literatura sobre servitização

3. REVISÃO DA LITERATURA

3.2. Servitização e Sistemas Produto-Serviço (PSS)

3.2.1. Evolução da literatura sobre servitização

No final dos anos 1980 o conceito de servitização foi inicialmente introduzido na literatura por Vandermerwe e Rada (1988, p. 314), ao defenderem que as empresas estão oferecendo cada vez mais ao mercado “pacotes mais completos ou conjuntos combinados de bens, serviços,

suporte, autoatendimento e conhecimento, com foco no cliente”, com predominância dos

serviços. A este movimento os autores denominaram “servitização”, tema que tem adquirido relevância crescente na literatura científica. Na ocasião os autores já se mostravam otimistas

sobre o potencial dos serviços, defendendo que estes estavam transformando o panorama industrial, em quase todos os segmentos de negócio, em virtude das forças da desregulamentação, tecnologia, globalização e da concorrência cada vez mais acirrada.

Mais de vinte anos depois, Schmenner (2009) adota uma postura mais cética, argumentando que a servitização da manufatura não era particularmente uma novidade. Este autor sugere que, na verdade, desde a década de 1850 os fabricantes têm procurado expandir suas operações com serviços, para reduzir sua dependência de distribuidores e aumentar a força de seus relacionamentos com clientes, como podemos ver a seguir:

A história de Operações tem muito a nos ensinar. É a tese deste trabalho que servitização tem antecedentes que remontam 150 anos. As cadeias de suprimentos, como nós conhecemos atualmente, sempre foram uma mistura de etapas de produção e serviço, porém, antes de 1850, essas etapas eram realizadas por diferentes e distintos agentes econômicos. As inovações nas cadeias de suprimentos das empresas na segunda metade do século XIX nos conduzem diretamente para as inovações de servitização de hoje; é nesse momento histórico que o serviço começa a ser empacotado com bens e controlado pela mesma empresa (Ibid., p. 431).

De acordo com Neely, Benedettini e Visnjic (2011), curiosamente a base de evidências usadas nesses dois artigos é relativamente escassa. Os estudos de caso utilizados para ilustrar os pontos levantados, embora informativos, na realidade não demonstram a escala ou o espectro da servitização na manufatura. Segundo esses autores, esta crítica se aplica a grande parte da literatura sobre servitização, que parece estar apoiada predominantemente em estudos de caso. Com base em dados estatísticos, eles concluíram que quase 30% das empresas de manufatura do mundo, com mais de 100 empregados, oferecem serviços, e que esta proporção não tinha se alterado significativamente nos seis anos anteriores ao estudo, apesar do grande esforço de servitização que se podia observar. No entanto, os autores destacam que o caso da China é excepcional, pois nesse país as empresas de manufatura que oferecem serviços passaram de apenas 1% em 2007 para 20% em 2011, quando foi realizada a pesquisa.

A despeito das críticas e controvérsias, o termo servitização tem sido largamente reconhecido e utilizado para indicar um processo de criação de valor pela adição de serviços aos produtos. Desde o final da década de 1980, sua adoção como estratégia de manufatura competitiva tem sido estudada por uma série de autores (e.g. Oliva & Kallenberg, 2003; Slack, 2005; Wise &

Baumgartner, 1999), que buscam compreender a evolução e as implicações deste conceito. Esta literatura indica um interesse acadêmico, empresarial e governamental crescente pelo tópico, com base na crença de que o movimento em direção à servitização representa uma forma de se criar valor adicional, com ampliação das capacidades aos fabricantes tradicionais.

O crescimento dos serviços em empresas de produtos tem se tornado um dos campos mais ativos de pesquisa da atualidade (Kowalkowski et al., 2017), a ponto de ser identificado como uma prioridade de pesquisa (Ostrom, Parasuraman, Bowen, Patrício, & Voss, 2015). A sua evolução pode ser dividida em duas fases distintas: estabelecimento das fronteiras do domínio de pesquisa, e emergência dos seus fundamentos conceituais (Figura 3-11). No entanto, segundo Kowalkowski et al. (2017), apesar do enorme interesse e volume de pesquisa, sugerindo que sua tradição já está bem estabelecida, este domínio de pesquisa ainda se encontra em estágio nascente do ponto de vista teórico e metodológico.

Figura 3-11: Evolução da pesquisa sobre crescimento de serviços em empresas de produtos. Fonte: Kowalkowski et al. (2017, p. 5)

Para Vandermerwe e Rada (1988), precursores no estudo da servitização, o movimento que as empresas sofreram ao longo do tempo, para adequar suas estratégias para inclusão de serviços, envolve um ou mais dos estágios relacionados a seguir:

• Estágio 1 – Produtos ou Serviços: As empresas se enquadravam em um ou outro campo, e não nos dois simultaneamente.

• Estágio 2 – Produtos + Serviços: Devido aos avanços tecnológicos, algumas empresas avaliaram como necessária a convergência de produtos e serviços, enfatizando os seus produtos para facilitar a entrada dos serviços no mercado. Um exemplo de segmento que aderiu a esse sistema está presente no setor bancário.

• Estágio 3 – Produtos + Serviços + Suporte + Conhecimento + Autoatendimento: Esse estágio é caracterizado por empresas que oferecem ao cliente conjuntos ou combinações de soluções (bundles), englobando o produto ou equipamento; o serviço conectado ao produto; a possibilidade de o cliente ter autonomia (em muitos casos pela Internet), e dessa forma ter certa independência do fabricante, e obter conhecimento e redução de custos. Muitas vezes o fornecedor customiza o produto/serviço para o cliente, e passa a encará-lo de forma individualizada. Nesse estágio, com notável proliferação a partir da década de 1990, a servitização passou a estar presente como uma poderosa arma empresarial.

Uma característica marcante desses estágios é que o produto permanece sempre presente, ou seja, na abordagem de servitização desses autores a empresa aumenta sua capacidade em atender o mercado, acrescentando para isso serviços, ou inovando seu portfolio já amplamente difundido. Portanto, a característica diferenciada da servitização é que a empresa possuirá o foco não apenas na satisfação do cliente, por meio de atividades cotidianas de negócio, mas também na criação e manutenção das relações entre empresa e cliente, por meio de ofertas mais amplas e customizadas, chamadas por alguns autores de “bundles” (Oliva & Kallenberg, 2003; Vandermerwe & Rada, 1988).

Não há dúvida de que os clientes demandam mais serviços, mas isso não indica que eles desejam menos produtos, e sim que desejam serviços que lhes ofereçam suporte para tomar decisões corretas, quando e onde precisarem, e que possibilitem ao mesmo tempo rapidez e conveniência. A tecnologia e o ambiente de mercado são, atualmente, os maiores responsáveis por essa construção de ideal nos clientes, desejando soluções instantâneas e, ao mesmo tempo, customizadas (Vandermerwe & Rada, 1988).

Segundo estes autores, as três principais razões para uma empresa de manufatura promover a servitização são: (i) bloquear os concorrentes; (ii) fidelizar os clientes; e (iii) aumentar o nível de diferenciação. Além dessas motivações estratégicas, outros autores têm apresentado

motivações econômicas e ambientais para servitização (e.g. Goedkoop et al., 1999; Wise & Baumgartner, 1999), a exemplo da oportunidade de empresas que fornecem produtos de engenharia complexa em oferecer serviços para sua base instalada. Em alguns casos a relação entre base instalada e novas unidades é bastante elevada, como aeronaves civis (15 para 1), locomotivas (22 para 1) e automóveis (13 para 1) (Wise & Baumgartner, 1999), tornando economicamente interessante para o fabricante oferecer serviços e suporte ao longo do ciclo de vida do produto.

Slack (2005), por sua vez, aponta que a tendência de servitização traz vantagens para ambos, clientes e fornecedores. Na perspectiva do fornecedor, a servitização é um caminho para aumentar a receita, ao passo que, na visão do cliente, ela oferece uma forma de reduzir o risco, e de diminuir ou ao menos estabilizar e tornar previsíveis os custos com manutenção e suporte. Outros pesquisadores têm postulado ainda que a servitização permite melhorar o desempenho ambiental (e.g. Goedkoop et al., 1999), com base na tese de que um modelo de negócios revisto para servitização pode alterar os incentivos para ambos, clientes e fornecedores, que passariam a adotar comportamentos que minimizam os impactos ambientais do produto.

Uma ilustração interessante é caso da locação de máquinas de lavar roupa. Clientes não querem mais comprar essas máquinas, ao invés disso preferem pagar um valor fixo por ciclo de lavagem. O novo modelo de negócios “servitizado” implica que o cliente tem interesse em minimizar a quantidade de lavagens que eles contratam (visando gastar menos); e o fornecedor tem interesse em maximizar o ciclo de vida do produto (para reduzir o custo de manutenção e/ou substituição) (Mont, 2004b).

Embora a servitização seja um conceito simples, ela traz desafios interessantes, entre eles lidar com o conflito entre eficiência e criação de valor, conciliar exigências do cliente com a adaptação aos avanços tecnológicos e, sobretudo, imprimir uma mudança da mentalidade na empresa, com orientação a serviços, em um ambiente dominado por produtos. Tipicamente a servitização exige escolhas na estrutura organizacional, expõe deficiências em custos, enfatiza a criação de habilidades em cadeias de suprimentos, redefine o gerenciamento de risco, impacta a estratégia tecnológica e requer integração em processos de serviço (Slack, 2005).

Na literatura enfatizam-se três objetivos que são perseguidos pelas empresas que seguem uma estratégia de servitização: estratégico (ganho de vantagem competitiva), financeiro (margem

de lucro e estabilidade) e marketing (menor sensibilidade dos clientes ao preço) (Gebauer & Fleisch, 2007; Mathe & Shapiro, 1993; Oliva & Kallenberg, 2003). Além disso, empresas de manufatura acreditam que o ingresso em serviços reduz a competição em custo, torna mais seguro o crescimento e a longevidade da empresa, e possibilita aumento das margens (Barnett et al., 2013). Por outro lado, há estudos que contestam essa ideia, e defendem que o ingresso em serviços dificulta o gerenciamento de produtos, e pode reduzir o potencial econômico e aumentar o risco – diminuindo dessa forma a possibilidade de sucesso da empresa (Gebauer, Fleisch, & Friedli, 2005; Neely, 2008).

Pode-se entender servitização como um processo de criação de valor, pela adição de serviços aos produtos comercializados, no qual as empresas “conscientemente desenvolvem uma oferta

de serviços em apoio ao seu portfólio de produtos, com o objetivo de criar vantagem competitiva” (Barnett et al., 2013, p. 146). Com a adição de serviços ao portfólio existente de

produtos, as empresas podem diferenciar suas ofertas aos clientes e, ao mesmo tempo, gerar no cliente certa dependência do fornecedor, aumentando as barreiras na arena competitiva. Assim, o termo servitização tem sido empregado de modo genérico, para qualquer estratégia que vise mudar a forma pela qual a funcionalidade do produto é entregue aos seus mercados, com adição de serviços, e resulte em geração de lucro (Slack, 2005).

Desde o final da década de 1980, a adoção da servitização como uma estratégia de manufatura competitiva tem sido estudada por uma série de autores (e.g. Oliva & Kallenberg, 2003; Slack, 2005; Wise & Baumgartner, 1999), que buscam compreender a evolução e as implicações do seu conceito. Esta literatura indica um interesse acadêmico, empresarial e governamental crescente pelo tópico (Foresight, 2013), com base na crença de que o movimento em direção à servitização representa uma forma de se criar valor adicional, acrescentando capacidades aos fabricantes tradicionais. Estas ofertas integradas de produtos e serviços são distintivas, de longa duração, e mais fáceis de defender do que uma competição baseada apenas no menor custo do produto.

Neely (2008) defende que esta tendência deverá se intensificar, pois a convergência de uma maior disponibilidade de dados e informações, com tecnologias de processamento mais poderosas, trará aos fabricantes oportunidades de negócio inusitadas. A explicação sobre o funcionamento do serviço TotalCare da Rolls Royce, feita pelo seu CEO, Sir John Rose, ilustra muito bem essa ideia:

Com dados em tempo real que recebemos via satélite, podemos identificar uma ‘ocorrência’, e nossos engenheiros podem fazer diagnósticos remotos. Em circunstâncias normais, depois que uma turbina é atingida por um raio, você teria que pousar o avião, chamar um engenheiro, fazer uma inspeção visual, e tomar uma decisão sobre o tamanho do dano, e se o voo teria que ser adiado para fazer um reparo. Mas lembrem-se, estas companhias aéreas não têm muito tempo para resposta. Se este avião está atrasado, você dispensa a tripulação, e abre mão de sua posição, para voar de volta para casa. Isso custa muito caro. Nós podemos monitorar e analisar o desempenho da turbina automaticamente em tempo real, com os nossos engenheiros tomando decisões sobre o que é estritamente necessário, no momento em que o avião pousa. Se nós pudermos determinar, com todas as informações que temos sobre a turbina, que não é necessária qualquer intervenção ou mesmo inspeção, o avião pode retornar dentro do cronograma, economizando tempo e dinheiro dos nossos clientes (Friedman, 2005, pp. 199–200).

Novos modelos de negócios para os fabricantes, com sua capacidade operacional sendo apoiada pela coleta de grandes volumes de dados e por alta capacidade de processamento de informação, assim como mudanças nas noções de propriedade e gestão de ativos, têm enormes implicações para muitos frameworks e filosofias tradicionais de gestão de operações. De acordo com Neely (2008), risco e propriedade de ativos deveriam ser considerados nos frameworks de estratégia, e os gestores deveriam prestar atenção nas implicações de modelos de negócios e design de incentivos no comportamento dos consumidores. Este autor fez uma meta-análise dos modelos de negócios de PSS, a partir dos dados de mais de doze mil empresas, e descobriu que empresas de manufatura “servitizadas” em geral são maiores do que empresas orientadas a produto, mas apresentam margens de lucro menores (em porcentagem da receita), e também que a incidência de falência entre empresas servitizadas é maior do que a média, evidenciando que a servitização não acontece sem risco.

Uma pesquisa recente de Lightfoot, Baines e Smart (2013) oferece uma visão integrativa das diversas contribuições à produção de conhecimento sobre servitização. Por meio de uma revisão sistemática da literatura, estes autores fizeram ampla análise descritiva e temática de uma amostra de 148 artigos científicos, publicados por 103 diferentes autores em 68 periódicos. Foram identificadas cinco comunidades de pesquisa distintas atuando nesse tema: (i) Marketing de Serviços; (ii) Gestão de Serviços; (iii) Gestão de Operações; (iv) Sistemas Produto-Serviço (PSS); e (v) Ciência, Engenharia e Administração de Serviços (SSME, Service Science,

diferenças entre elas, a temática central é a mesma: a inovação das capacidades e processos de uma organização para mudar o seu foco, de negócios tradicionais, baseados no projeto e na venda de produtos físicos, para uma nova orientação empresarial, que considera as funcionalidades e benefícios entregues através de produtos e serviços integrados (Manzini & Vezzoli, 2003). A pesquisa indica que há um movimento de convergência das pesquisas destas comunidades científicas, em torno dessa temática central.