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Modelo de negócios no contexto da servitização

3. REVISÃO DA LITERATURA

3.5. Modelo de negócios no contexto da servitização

Apesar dos avanços das pesquisas sobre servitização e PSS nos últimos anos, a maioria das empresas tem sido constantemente desafiada em seus esforços para oferecer soluções na forma de PSS, devido à sua incapacidade para projetar e implantar modelos de negócios servitizados. O conhecimento sobre MN é apontado por estudiosos como essencial para o sucesso na criação

e implantação de um PSS (e.g. Barquet et al., 2015; Mont et al., 2006; Reim et al., 2015; Rese et al., 2013). No entanto, muitos autores reconhecem que, embora a literatura recente destaque os benefícios potenciais do PSS, ainda são limitados os insights sobre como as empresas podem desenvolver modelos de negócios para PSS e para serviços (e.g. Baines et al., 2007; Barquet et al., 2013; Beuren et al., 2013; Fielt, 2012; Gaiardelli et al., 2014; Meier et al., 2010; Reim et al., 2015; Tan & McAloone, 2010; Viljakainen et al., 2013; Zolnowski, 2015).

Tentando preencher esta lacuna, alguns pesquisadores discutem características, elementos ou atributos específicos do PSS, abordando o conteúdo dos modelos de negócios, a exemplo de Spring e Araujo (2009), Rese et al. (2013), e Manzini e Vezzoli (2003). Outros autores propõem uma abordagem mais abrangente, trazendo para a arena de discussão do PSS todas as dimensões do modelo de negócios, destacando-se as pesquisas de Barquet et al. (2013), Viljakainen et al. (2013), Zolnowski (2015) e Adrodegari, Saccani e Kowalkowski (2016). Barquet et al. (2013), por exemplo, propõem um framework para suportar a adoção de PSS, apoiando-se no BMC de Osterwalder e Pigneur (2010) e na classificação de PSS de Tukker (2004), conforme mostra a Figura 3-24. Este framework foi aplicado pelos autores em um estudo de caso, em uma indústria brasileira de máquinas ferramentas.

Figura 3-24: Framework para suportar a adoção de PSS. Fonte: Barquet et al. (2013, p. 696).

Maglio e Spohrer (2013), por outro lado, exploram o design de propostas de valor como uma forma de inovação do modelo de negócios, a partir das quatro dimensões básicas da ciência de serviços (organizacional, humana, tecnológica e de negócio), para categorizar e explicar os sistemas de serviço (como o PSS, por exemplo), inclusive o modo como estas dimensões

interagem e evoluem para cocriação de valor. Eles utilizam como fundamento a SDL (Vargo & Lusch, 2004a, 2016), com uma abordagem científica, visando avançar o conhecimento sobre design e inovação de sistemas de serviço.

Neste contexto, segundo estes autores, a ciência de serviços pode ajudar a acelerar o design de propostas de valor, sistematizando a busca por vantagens adaptativas para melhorar ofertas existentes, criar novas ofertas, ou reconfigurar o ecossistema de criação de valor. Uma contribuição importante desse estudo foi avaliar as propostas de valor a partir das diferentes preocupações das quatro principais partes interessadas (stakeholders), propondo o mapa comparativo representado no Quadro 3-10. Cumpre notar que os concorrentes também são tratados como stakeholders, pois fazem parte do contexto de negócio, e as suas perspectivas devem ser consideradas no desenvolvimento das propostas de valor.

Quadro 3-10: Avaliação da proposta de valor nas perspectivas dos quatro stakeholders.

Stakeholder Medida Precificação Questões Argumentação

Cliente Qualidade (receita) Com base no valor

Nós devemos (oferecer isso)?

Os clientes querem isso? Há um mercado? De que tamanho? Qual é a taxa de crescimento?

Fornecedor Produtividade (lucro) Custo adicional

Nós conseguimos (entregar isso)?

Isso usa nossos pontos fortes? Nós conseguimos entregar com lucro? Conseguimos continuar evoluindo? Autoridades

(Governo)

Compliance

(impostos, multas) Regulada

Nós podemos (oferecer e entregar isso)?

Isso é legal? Compromete nossa integridade ou imagem de alguma forma? Pode criar algum dano moral? Concorrentes Vantagem diferencial (fatia de mercado, capacidades únicas) Estratégica Nós iremos (investir nisso)?

Isso nos coloca à frente?

Conseguimos nos manter à frente? Nos diferencia do concorrente? Fonte: Maglio e Spohrer (2013).

Em recentes revisões da literatura sobre MN para PSS, Reim et al. (2015) e Barquet (2015) identificam poucos trabalhos que definem claramente o termo “modelo de negócios”, cada um deles abordando dimensões diferentes. A partir da análise crítica das definições encontradas, Reim et al. (2015) definem que um “modelo de negócios descreve o design ou arquitetura dos

mecanismos para criação, entrega e captura de valor pela empresa” (p. 65). No Quadro 3-11

encontra-se um resumo destas definições, incluindo as dimensões do MN abordadas por cada uma delas. Como ressalta Barquet (2015), é notório que nenhuma das definições considera o

conjunto completo de dimensões de negócio, ao abordar modelos de negócio de PSS, obtendo- se assim uma visão incompleta do PSS.

Quadro 3-11: Definições de modelo de negócios no contexto de PSS.

Autores Definição de Modelo de Negócios Dimensões Meier e

Massberg (2004)

O uso do cliente (dimensão de resultado) define os segmentos de mercado e os modelos de negócios correspondentes no nível estratégico.

Segmento de clientes Richter e

Steven (2009)

Modelos de negócios baseados em pacotes dinâmicos descrevem o design da relação cliente-fornecedor na forma de esquemas de desempenho e responsabilidades.

Relacionamento com o cliente

Schuh et al. (2009)

O principal aspecto na definição de um modelo de negócios deve

ser a capitalização e os mecanismos de benefício da empresa. Fluxos de receita Spring e

Araujo (2009)

Temas comuns na literatura de modelos de negócios incluem preocupação com a estrutura de rede; foco em como as transações são feitas; modelos de receitas e incentivos; e como as

capacidades dos provedores são transferidas ou acessadas por meio de produtos, serviços ou combinações destes.

Parcerias, fluxos de receita, recursos, proposta de valor

Meier et al. (2010)

Um modelo de negócios pode ser descrito por um modelo de usuário, arquitetura de criação de valor e modelo de turnover, e descrição do design da relação cliente-fornecedor.

Relacionamento com o cliente, proposta de valor, parcerias, processos e atividades, fluxos de receita Gao et al. (2011)

Um modelo de negócios descreve o modo pelo qual os parceiros

de um negócio colaboram uns com os outros. Rede de parceiros

Meier e Bosslau (2013)

Um modelo de negócios caracteriza a relação entre um fornecedor e um cliente, bem como potenciais parceiros que agregam valor ao longo do ciclo de vida de um IPS2. Ele descreve a proposta de valor, a distribuição de risco, os fluxos de receita e os direitos de propriedade para todas as partes na rede do IPS2, bem como a sua implementação organizacional. Relacionamento com o cliente, proposta de valor, parcerias, processos e atividades, fluxos de receita Reim et al. (2015)

Um modelo de negócios descreve o design ou arquitetura dos mecanismos para criação, entrega e captura de valor pela empresa.

Relacionamento com o cliente, proposta de valor, processos e atividades, fluxos de receita

Fonte: expandido de Reim et al. (2015, p. 65) e Barquet (2015, p. 51).

Baden-Fuller e Morgan (2010) postulam que os MN podem ser empregados para categorizar negócios com características semelhantes. Segundo esta perspectiva, cada empresa pode enquadrar seu MN individualmente à sua estratégia e às suas operações. Essa visão implica que podem existir tantos MN quantas forem as empresas que os utilizam. Entretanto, analisando o uso de MN na literatura de PSS, em linha com o pensamento predominante entre os estudiosos (e.g. Baines et al., 2007; Tukker, 2004), Reim et al. (2015) identificam três categorias de modelos de negócios de PSS: orientados ao produto, ao uso, e aos resultados, e destacam as

diferenças mais significativas entre essas categorias, em termos de criação, entrega e captura de valor. Estes autores empregam esta categorização para classificar os modelos de negócios presentes em quatorze estudos de caso de PSS, analisados em sua revisão de literatura (Ibid.). Esta categorização foi ampliada pelo autor desta tese, incorporando os dois tipos adicionais de PSS propostos por Neely (2008) – orientado ao Serviço e à Integração (ver Quadro 3-12).

Quadro 3-12: Categorias de MN em termos de criação, entrega e captura de valor.

Tipo de PSS Criação de Valor Entrega de Valor Captura de Valor

Orientado ao Produto

Fornecedor assume a responsabilidade pelos serviços contratados.

Fornecedor vende e presta serviços de apoio ao produto (por exemplo, manutenção ou reciclagem).

Cliente paga pelo produto físico e pelos serviços realizados. Orientado ao Uso Fornecedor é responsável pela usabilidade do produto ou serviço. Fornecedor assegura a usabilidade do produto físico junto com o serviço.

Cliente pode fazer pagamentos contínuos ao longo do tempo (por exemplo, leasing). Orientado ao

Resultado

Fornecedor é responsável pela entrega de resultados.

Fornecedor realmente entrega os resultados.

Os pagamentos do cliente são baseados em unidades de resultado, ou seja, paga-se pelo resultado. Orientado ao Serviço Fornecedor assume a responsabilidade pelos serviços contratados.

Oferta do fornecedor tem os serviços acoplados ao produto.

Cliente paga pelo produto físico e pelos serviços realizados. Orientado à Integração Fornecedor assume a responsabilidade pelos serviços contratados. Fornecedor incorpora os serviços (integração vertical)

Cliente paga pelo pacote de produtos mais serviços. Fonte: ampliado pelo autor, a partir de Reim et al. (2015, p. 66)

Fielt (2012), por sua vez, investiga os diferentes raciocínios de modelos de negócios, baseados nas lógicas de produto e de serviço. Na primeira lógica, o MN é guiado pelos produtos como

recursos de suporte ao valor, enquanto na segunda o MN é dirigido pelo serviço como processo

de suporte ao valor. Apoiando-se nos preceitos da lógica de serviço (Grönroos, 2007), Fielt apresenta no Quadro 3-13 um framework contrastando as características dessas duas lógicas, nas quatro dimensões do canvas do modelo de negócios de Osterwalder. De acordo com Fielt, este framework pode ser usado como diretriz para elaborar uma arquitetura de MN mais adequada para negócios baseados em serviços.

Quadro 3-13: Modelos de negócios baseados nas lógicas de produto e de serviço. Dimensões do Modelo de Negócios Lógica de Valor Lógica de Produtos

Recursos de suporte ao valor

Lógica de Serviço

Processo de suporte ao valor

Cliente

• Cliente como consumidor de valor • Transação

• Curto prazo

• Conquistando clientes

• Cliente como cocriador de valor • Relacionamento

• Longo prazo

• Mantendo e crescendo clientes

Proposta de Valor

• Produto como solução central • Foco na solução central

• Serviços ocultos não aumentam valor • Qualidade técnica

• Serviço como solução central • Oferta de serviço total

• Serviços ocultos como aumento de valor • Qualidade técnica e funcional

Arquitetura Organizacional

• Foco nos processos do fornecedor • Cliente como consumidor

• Marketing tradicional (mix de marketing) • Marketeiros em tempo integral

• Recursos de produção

• Dependência limitada entre marketing, RH e operações

• Foco nos processos do cliente • Cliente como coprodutor

• Marketing tradicional e interativo • Marketeiros em tempo integral e parcial • Recursos de marketing em tempo parcial • Dependência extensiva entre marketing,

RH e operações

Modelo de Receita

• Pagamento pela solução central • Qualidade de serviço como custo

adicional

• Receitas de transações

• Ignora custos de relacionamento • Maior elasticidade de preço • Lógica de lucro baseada na gestão

separada da eficiência externa e interna

• Pagamento pela oferta de serviço total • Qualidade de serviço como receita ou

economia de custo

• Receitas de relacionamentos • Considera custos de relacionamento • Menor elasticidade de preço • Lógica de lucro baseada na gestão

integrada da eficiência externa e interna Fonte: Fielt (2012, p. 17).

Adrodegari et al. (2016) também postulam que as empresas precisam redesenhar seus modelos de negócios para serem bem sucedidas em sua transformação de “produtos para soluções”. Porém eles enfatizam que há pouca investigação sobre MN orientados a serviço, para empresas centradas em produto – pouquíssimos trabalhos apresentam um esquema para análise de tais MN. Visando cobrir esta lacuna, estes autores propõem um novo framework para descrever MNs orientados a serviço, também inspirado no BMC de Osterwalder e Pigneur (2010), indicando os principais componentes do MN e as características relacionadas com PSS, como mostra a Figura 3-25. Segundo eles, este framework pode ajudar a empresa a considerar os elementos relevantes, que precisam ser redesenhados para implantar com sucesso um MN orientado a serviço, podendo também orientar suas decisões estratégicas.

Figura 3-25: Elementos principais do framework do modelo de negócios para PSS. Fonte: Adrodegari et al. (2016).

De acordo com Zolnowski (2015), há poucos trabalhos científicos abordando os fundamentos conceituais e métodos para a análise e design de modelos de negócios no contexto de serviços, e um caminho para contribuir com a base de conhecimento em design research é extender soluções existentes na literatura (Gregor & Hevner 2013). A maior parte das representações existentes de MN não considera todas as características necessárias, específicas de serviços (Fielt, 2012; Zolnowski, 2015; Zolnowski & Böhmann, 2011). Além disso, há muitos modelos, métodos e ferramentas para analisar e desenhar MN, mas relativamente poucos exemplos de

design science research cumulativo (Veit et al., 2014; Zott et al., 2011).

Outra constatação importante é que a maioria das abordagens existentes de MN na literatura são unilaterais, acarretando limitações para representar a cocriação de valor (Zolnowski, Semmann, & Böhmann, 2011). Mediante este cenário, Zolnowski (2015) desenvolve um artefato para representar um modelo de negócios específico para serviço, seguindo os passos da design science research cumulativa, com abordagem multilateral, ênfase na cocriação de valor e fundamentado na lógica dominante de serviço. Este artefato foi denominado pelo autor de SBMC (service business model canvas), também inspirado no BMC de Osterwalder, e está representado na Figura 3-26.

Figura 3-26: Service Business Model Canvas (SBMC). Fonte: Zolnowski (2015, p. 30)

Outra contribuição importante neste sentido é a proposta de Viljakainen (2015) para representação do modelo de negócios orientada a serviço, segundo a SDL (Vargo & Lusch, 2004a, 2016) e a lógica de serviço (Grönroos, 2006, 2011). A autora propõe uma representação do MN para estudo da servitização, incorporando a visão de clientes como cocriadores de valor, e não apenas alvos da venda (Viljakainen et al., 2013). Esta arquitetura também é desenvolvida a partir do conhecido BMC de Osterwalder e Pigneur (2010), que é modificado pelas autoras para incluir o papel ativo dos clientes, como ilustra a Figura 3-27.

Figura 3-27: Representação do MN para servitização segundo Viljakainen. Fonte: Viljakainen et al. (2013, p. 8)

De acordo com estas autoras, a representação se aplica tanto para empresas de serviço quanto de manufatura, porém é especialmente útil para o caso da servitização da manufatura, ou seja, para empresas que pretendem incluir serviços em sua oferta, tendo produtos físicos como seu negócio central. O repertório crescente de serviços vai exigir destas empresas a compreensão do significado de cocriação de valor, contemplado na arquitetura apresentada pela autora.

O modelo proposto é empregado pelas autoras em um estudo empírico no setor de mídia, mais especificamente de publicação de revistas, cujas empresas têm enfrentado importantes transformações em seus mercados, devido a grandes avanços tecnológicos e a mudanças dos hábitos de consumo, e estão adotando estratégias de servitização para se manterem competitivas. Segundo ela, estas empresas precisam estar cada vez mais presentes na vida de seus leitores, por meio de comunidades, por exemplo, que podem suportar a criação de valor pelos participantes, e funcionar como plataformas para geração de ideias. A proposta destaca a importância de a empresa compreender o contexto dos clientes, e promover a interação colaborativa com eles. Esta representação do MN está bastante alinhada com os objetivos da presente tese, e será analisada em maior profundidade no Capítulo 4, juntamente com a proposta de Pedroso (2016b).

Na presente pesquisa define-se como modelo de negócios para servitização a representação da lógica do negócio que deve ser desenvolvido pela empresa, para criar e entregar uma proposta de valor, por meio de um conjunto de produtos e serviços, ou seja, de uma oferta de PSS. Esta proposta de valor deve atender às demandas dos clientes, e a sua lógica deve englobar a definição das outras dimensões do modelo de negócios (por exemplo, relacionamento com o cliente, proposta de valor, parcerias, recursos e atividades, fluxos de receita). Esta definição também será detalhada mais adiante, assim como a arquitetura do modelo de negócios, na proposta de artefato a ser apresentada no Capítulo 4 desta tese.