Capítulo 2 – Estado de Arte 7
2.1. Marcha Livre 7
2.1.3. Desordens na marcha 13
Quando se classifica uma marcha como normal assume-se que esta normalidade apre- sente um determinado padrão e uma certa variabilidade, a qual é inerente à marcha. Isto é, a marcha pode variar de pessoa para pessoa, mas desde que se mantenha dentro dos limites estipulados, é considerada como normal. Por outro lado, a variabilidade presente na marcha pode ter origem patológica, por exemplo, pode ser introduzida por limitações motoras, patolo- gias, entre outras, produzindo padrões de marcha considerados como anormais. Algumas des- tas alterações anormais podem ser observáveis ou requerem sistemas mais apropriados para a sua deteção.
Para que uma pessoa seja capaz de caminhar, o seu sistema motor tem que permitir que cada perna suporte o peso corporal sem colapsar, mantenha o equilíbrio tanto estático como dinâmico, permita que a perna de balanço avance de forma a assumir a função de suporte e, por fim, providencie força suficiente de modo a facultar o movimento dos membros e do tron- co. Um pessoa com uma marcha normal consegue realizar as 4 tarefas mencionadas sem qualquer dificuldade, por outro lado, se uma pessoa não conseguir concretizar alguma das 4 tarefas é porque não é capaz de andar.
O padrão da marcha é o produto de uma interação bastante complexa entre diversos ele- mentos neuromusculares e estruturais do sistema motor. Assim, a marcha anormal pode ser
devida a qualquer problema presente tanto a nível cerebral como muscular, articulações, es- pinal medula ou esqueleto, ou seja, a qualquer dano que o sistema motor apresente. Adicio- nalmente, também pode ser devido à sensação de dor, em que a pessoa é fisicamente capaz de andar, mas devido ao desconforto que possui prefere caminhar de outra forma, traduzindo- se como uma forma de compensação. Uma vez que a marcha é considerada um produto de- rivado de um processo complexo, diversos problemas que afetam o sistema motor podem tra- duzir-se em padrões de marcha semelhantes. Assim, os padrões de marcha devem ser classi- ficados com termos descritivos da marcha e não relativamente ao problema que o originou (Whittle 2007, cap.3). Seguidamente, na Tabela 2.2, serão apresentados alguns tipos de pa- drões de marcha e sua descrição.
Tabela 2.2 - Identificação dos tipos de marcha, descrição de cada um e ilustração de alguns. Para alguns tipos de marcha não foram encontradas figuras típicas da marcha. A informação apresentada na tabela foi retirada, de um modo geral de (Whittle 2007; Salzman 2010; Magee 2005). Para alguns tipos de marcha encontra-se des- criminada a referência associada.
Tipo de Marcha Descrição Ilustração
Senil (Duxbury 2000) - Passo pequenos;
- Postura ligeiramente curvada para a frente;
- Tendência de viragem em bloco; - Passadas curtas;
- Frequente em idosos;
- Redução da velocidade de marcha, permitindo melhor compensação pa- ra um maior grupo de músculos em situações de dor ou fraqueza; Não esta associada a nenhuma doença em particular;
Cautelosa (Axer et al. 2010; Tousi 2012)
- Marcha vagarosa com passos peque- nos;
- Grande base de sustentação; - Analogia a uma pessoa normal a des-
locar-se sobre o gelo; - Viragem em bloco;
Associada a dificuldades visuais, ansiedade, medo de cair;
Antálgica (Jahn et al. 2010)
- É uma marcha ‘protetora’;
- Marcha em resposta à dor – favorece uma perna, colocando menos peso sobre ela;
- Distúrbios na marcha provocados por dor;
- A fase de apoio é mais curta no lado afetado comparativamente ao lado saudável;
- Passo mais curto no lado afetado;
- Diminuição da velocidade da marcha e cadência; - Incapacidade de suporte da totalidade do peso corporal; - Movimentos limitados;
Associada a lesões ao nível da anca, joelho, tornozelo ou pé; Atáxica Cerebelar (Axer et al. 2010; Hausdorff et al. 2001; Tousi 2012; Sudarsky 2001)
- Base de suporte alargada;
- Marcha insegura, oscilante, com fre- quentes hesitações, paragens e des- vios laterais;
- Passos irregulares; - Descoordenação;
- As quedas não são frequentes; - Pernas afastadas;
- Instabilidade postural mais evidente numa base de suporte mais estreita; - Desequilíbrio nas viragens ao rápidas
alterações de direção;
Associada a Esclerose Múltipla, lesões no cere- belo, doença de Friedreich, entre outras; Sensitiva (Hausdorff et al. 2001; Van Hook et al. 2003; Axer et al. 2010)
- Marcha instável e pouco coordenada com uma base ampla;
- Ao tentar andar, o pé do paciente so- be demasiado, deixando-o posterior- mente cair com força excessiva no chão com o calcanhar – steppage (pé caído);
- Olha para o chão ao andar, procu- rando realizar movimentos coordena- dos através de contacto visual; - Piora em situações com pouca visibi-
lidade, principalmente à noite; - O tronco inclina-se de um lado para o
outro e os braços tentam compensar o desequilíbrio;
Associada à perda de informação propriocetiva e sensibilidade profunda, esclerose, lesões na coluna, entre outras;
Vestibular (Van Hook et al. 2003; Hausdorff et al. 2001) - Falta de equilíbrio; - Quedas frequentes;
- Instabilidade postural com tendência a cair para um lado;
- Marcha em estrela;
Associada a tumores no cerebelo, esclerose em placas, Doença de Ménière, entre outras;
Hemiplégica-
Hemiparética (Axer et al. 2010; Hausdorff et al. 2001; Van Hook et al. 2003)
- Baixa velocidade, passos mais curtos que o normal e movimentos mal con- trolados;
- Maior duração da fase de apoio e menor duração da fase de balanço no lado afetado;
- Dificuldade no impulso (flexão plantar e extensão do joelho);
- Mecanismos compensadores (circun- dação, steppage) que se traduz num aumento do risco de queda e de le- são do joelho do lado não afetado; - Perna paralisada por espasticidade
dos músculos extensores; - Grande inclinação do tronco; - Marcha com arrastar do pé; Associada a lesão no hemisfério ou cerebelo; Parkinsoniana (Van
Hook et al. 2003; Axer et al. 2010; Hausdorff et al. 2001; Tousi 2012)
- Movimentos presos pela rigidez; - Andar vagaroso com passos peque-
nos;
- Pés a arrastar pelo chão; - Postura curva;
- Cabeça, tronco e braços imóveis; - Perda de movimentos automáticos; - Pode ocorrer uma aceleração dos
passos de forma involuntária; - Marcha hesitante e irregular; - Dificuldade na iniciação da marcha; - Ausência do balanço dos braços, que
normalmente acompanha a marcha; Associada à Doença de Parkinson, formas se- cundárias ou atípicas de Parkinson.
Steppage - Resulta da incapacidade de dorsifle-
xão do pé;
- Flexão exagerada do joelho e quadril; - Pés pendentes;
- Marcha semelhante à do cavalo; - Flacidez da perna e défice dos mús-
culos flexores do pé; - Inclinação do tronco; - Passadas curtas;
Associada à neuropatia motora, desordem num nevo periférico, lesão central.
Apráxica (Axer et al. 2010; Tousi 2012; Snijders et al. 2007)
- Passos pequenos e ‘baralhados’
(shuffle);
- Cruzamento das pernas; - Falta de equilíbrio;
- Dificuldade na iniciação da marcha; - Hesitação nas curvas;
- Dificuldade em subir/deslocar os pés do chão (magnética);
- Bloqueio motor causado pela rigidez; - Postura vertical;
- Base ampla;
Associada à degeneração do lobo frontal, hi- drocefalia de pressão normal, entre outras.
Coxa ou Trendlem-
burg
- Passos assimétricos;
- Avanço descontínuo e desigual; - Fraqueza do músculo médio nade-
gueiro;
- Perda do efeito estabilizador deste músculo durante a fase de apoio; - Maior inclinação do tronco para o la-
do do membro afetado durante a fase de apoio;
- Obliquidade pélvica excessiva durante a fase de apoio do lado afetado; Associada à sensação de dor ou encurtamento do membro inferior.
Diplégica - Flexão excessiva dos joelhos na fase de apoio;
- Padrões associados: adução e rotação interna da anca e redução da flexão do joelho na fase de balanço;
Associada à Paralisia Cerebral.
Grande Nadegueiro - Fraqueza do músculo grande nade- gueiro;
- O paciente empurra o tórax, posteri- ormente ao contacto inicial (apoio do calcanhar), para manter a extensão da anca no membro apoiado no solo; - Resulta num ‘repuxar’ posterior do
tronco característico, durante a mar- cha;
Tesoura - Resultante de Paralisia espástica dos músculos adutores do quadril; - Marcha mais evidente durante a fase
de balanço, na qual o membro em balanço oscila contra ou com o membro em apoio;
- Quadris e pernas fletidos e as pernas cruzam entre si;
- Pés virados para dentro; - Marcha lenta;
- Inclinação do tronco para a frente; Associada à Paralisia espástica, Doença de
Little, traumatismo craniano, tumores cere-
brais, entre outras;
Na tabela anterior foram apresentados alguns dos tipos de marcha encontrados na litera- tura. Em termos de nomenclatura, verificou-se que há alguma diversidade e até mesmo dife- rentes nomes para o mesmo tipo, variando de autor para autor. Sendo assim, aqui foram apresentados os nomes mais comuns. Com os exemplos descritos dos tipos de marcha, pode- se concluir que as desordens da marcha são clinicamente heterogéneas, traduzindo-se num problema de relevância devido à possibilidade de aumento do risco de queda. Como referido inicialmente, mesmo para as pessoas saudáveis existe uma certa variabilidade na marcha e o mesmo ocorre quando há problemas a nível da locomoção. (Whittle 2007) apresenta o exem- plo para a marcha hemiplégica, pelo facto de se considerar, erradamente, que todos os paci- entes que sofrem desta desordem revelam os mesmos padrões de marcha, o que está longe de ser verdade, para além disso menciona que há uma lacuna no facto de não serem conside- radas as alterações na marcha ao longo do tempo ou por consequência do tratamento. Assim, é imperativo a recorrência a um sistema de análise de marcha objetivo, que permita a distin- ção dos diferentes tipos de marcha pelas suas características motoras, que seja sensível à possibilidade da presença de variabilidade subjetiva e que permita a avaliação do risco de queda (Sudarsky 2001).