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6. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE.

6.1 Desvendando a consulta médica.

Em um CTA.

O trabalho do campo ocupou o espaço íntimo do consultório médico. O início da observação participante se deu na semana seguinte da entrevista com o médico. Após a entrevista foi marcado o encontro. Encontrei o médico, ainda no estacionamento, e nos dirigimos juntos até o consultório. Os pacientes aguardavam a consulta segundo ordem de chegada. Cumprimentamo-los e entramos na sala. Coloquei a minha cadeira em um dos lados da mesa; o médico ficava a minha esquerda e o paciente à direita. Na medida em que os pacientes iam entrando no consultório o médico me apresentava. Procurei o tempo todo olhar a consulta com discrição, porém em alguns momentos o profissional me consultava para emitir alguma opinião clínica sobre a situação do paciente. Falava o necessário e voltava ao meu lugar de observador. As consultas começavam às 14:00 h. a primeira coisa a ser feita era organizar os prontuários dos pacientes que encontravam-se no consultório sobre a mesa. Nesse intervalo, a funcionária do CTA aproveitava para passar algumas informações sobre o público a ser consultado. Em ocasiões a enfermeira entrava e acompanhava a consulta de um determinado paciente. Depois entendi que ela era avisada pela funcionária sobre o momento da consulta de algum paciente que estava precisando de uma conduta realizada em equipe. Assim, interrompia as suas atividades e se adentrava na sala na hora certa.

Logo após o paciente sentar-se o médico examinava o prontuário e perguntava ao paciente sobre o acontecido desde a última consulta. Nesse primeiro momento, checava-se se estava tomando a medicação certa. Por muitas vezes solicitava que o

paciente falasse sobre como tomava a medicação e se ainda tinha comprimidos em casa. A sua fala destinava-se a ter uma certeza maior sobre se os pacientes estavam aderindo à medicação. Nesse primeiro momento parecia ser a questão mais importante da consulta. A partir das repostas dos pacientes a consulta tomava um determinado caminho, segundo se tratava de pacientes aderentes ou não aderentes. Caso os pacientes aderiam à medicação o médico continuava com as perguntas querendo saber o motivo da consulta: controle, resultados de exames, necessidade de renovar o receituário, solicitar esclarecimentos ou algum motivo clínico (sintoma) a ser consultado. O exame físico nem sempre era realizado, sendo utilizado somente para esclarecer algum sintoma.

Para os pacientes não aderentes o médico explorava os motivos e o tempo que levava sem tomar a medicação. Conversava sobre a necessidade da aderência e enfatizava que se o paciente perdia o esquema a situação seria pior para ele.

A consulta durava em média 5 a 15 minutos, sendo mais demorada em pacientes não aderentes ou com alguma manifestação clínica. Em todo momento o médico olhava para o paciente. Este era sempre chamado pelo nome. A comunicação não-verbal trazia uma harmonia à consulta. As perguntas eram, na sua maioria semi-abertas e, em determinados momentos o paciente era solicitado a relatar alguma experiência do seu cotidiano. O término das consultas era aproximadamente às 16:30 horas. Em média se atendiam de 8 a 12 pacientes. Nesse horário a equipe conversava com o médico sobre outras atividades do CTA.

A postura do médico, como profissional detentor do saber, era variada. Por vezes assumia uma posição paternalista, principalmente nos casos de pacientes não aderentes e com baixo nível de escolaridade. Em outros casos o médico assumia uma posição com mais respeito à autonomia dos pacientes, porém sem muita

discussão sobre a medicação. Ante pacientes usuários de drogas e faltosos o médico ocupava uma posição autoritária ou de repassador de informação deixando ao paciente à vontade para escolher a conduta, porém sempre sob muitas advertências. Temas como relações sexuais, relacionamento com familiares e amigos, uso de drogas, significados da doença eram tocados muito superficialmente. Em relação à Aids e à medicação as queixas eram respondidas como se fosse natural que acontecesse desse modo, pois afinal tratava-se de uma doença grave e de uma medicação muito forte.

Notava-se uma preocupação do médico em ser entendido pelos pacientes. Utilizava uma linguagem simples e se valia de exemplos e metáforas para explicar. Sempre, ante a dúvida, solicitava ao paciente repetir o dito para certificar-se que não haveria mal-entendidos. Entretanto, nem sempre se utilizava uma linguagem clara sobre a doença e seu prognóstico. Frases como: está tudo indo bem, você está ótimo, não se preocupe, essa fraqueza é natural e outras, forneciam uma informação

imprecisa ao paciente de modo confuso e vago.

Contudo, o profissional procurava dar atendimento individualizado para o seu paciente ao chamá-lo pelo nome, cumprimentá-lo ao adentrar no consultório com um gesto, sinalizando a percepção de sua presença com um olhar e solicitando-lhe para sentar-se na cadeira. Para os pacientes conhecidos, principalmente homens reservava-lhes um aperto de mão. O médico durante a consulta se concentrava naquele paciente em especial, dispensando-lhe toda a atenção, não se ocupando em fazer outras coisas ao mesmo tempo. Na ocasião do paciente comparecer com um acompanhante, a este era lhe dada atenção expressando a importância do seu envolvimento naquela situação.

No outro CTA.

O trabalho de campo no outro CTA começou poucas semanas depois da entrevista com o médico e acertou-se que o melhor dia seria nas terças-feiras. Poucos dias antes de começar lembrei-lhe que na semana seguinte compareceria ao Centro. Como o dia marcado foi uma terça-feira pela manhã, compareci à unidade nesse horário. Logo se deu inicio à consulta. Sobre a mesa estavam os prontuários organizados por ordem de chegada. Procurei uma cadeira e a coloquei perto da mesa, porém como o espaço do consultório era maior que o do outro centro, fiquei desta vez um pouco mais afastado. Após a entrada do primeiro paciente na sala fui apresentado como um colega que estava fazendo um trabalho da universidade e assim se repetiu com os outros pacientes, sucessivamente. Em determinados momentos fui solicitado pelo médico para dar um depoimento sobre algum aspecto do tratamento. Fi-lo, como o fiz no outro centro, de forma sucinta, em definitiva, não estava ali para colaborar com a consulta senão para observá-la.

O pacientes eram chamados, às vezes, pelo nome, outras pelo número do prontuário e outras somente como o próximo. No início não percebi uma lógica naquilo. Logo, ficou evidente que embora não acontecia dessa forma em todas às ocasiões, ao abrir o prontuário e ver o nome do paciente (tratando-se de um paciente conhecido por revelar sua condição de soro-portador) este era chamado pelo nome. Nos casos de prontuários de pacientes novos ou portadores de IST (envelopes) estes eram chamados pelo número. Às vezes somente como o próximo. Uma auxiliar que ficava na sala de espera, junto à porta, garantia a ordem de chamada. Nesse espaço a auxiliar limitava-se a dar orientações precisas somente quando lhe era solicitado, permanecendo muitas vezes em silêncio.

No consultório as primeiras perguntas eram destinadas a conhecer o motivo da consulta, sendo esta, em ocasião da solicitação de exames ou renovação de prescrição médica para pegar medicamentos na farmácia, dirigida para esta finalidade, sendo que, a sua duração não passava dos 5 minutos. Mesmo nestas consultas rápidas se fazia alguma pergunta, enquanto se preenchiam os formulários, porém parecia mais uma questão de formalidade que um interrogatório em si.

Quando a queixa era outra o médico perguntava ao paciente sobre o tratamento e os sintomas. As perguntas eram semi-abertas e/ou fechadas. A linguagem era mais técnica que a utilizada pelo médico do outro CTA. Os pacientes muitas vezes respondiam somente com um sim ou não. O médico durante o interrogatório escrevia no prontuário ou solicitava exames/procedimentos. Quando havia necessidade de realizar o exame físico o paciente era examinado em uma maca que se encontrava frente à mesa do profissional. Após o exame continuava a consulta com o interrogatório e depois era solicitado algum procedimento e/ou orientação para uma determinada conduta.

Mesmo nas orientações aos pacientes com baixa escolaridade a linguagem utilizava termos técnicos e não havia um momento para confirmar se o paciente tinha entendido, salvo naqueles onde era extremadamente necessário devido às mudanças de medicação ou de horário.

Na sua postura, na maioria das vezes, foi paternalista. O paciente tinha pouco espaço para o diálogo, sendo lhe reservado, sobretudo, um limitado momento para colocar alguma dúvida a respeito da orientação, sobre a conduta ou os medicamentos.

A duração da consulta era de aproximadamente de 5 a 8 minutos. O término da atividade, na maioria das vezes, era às 11:00 horas.

Quando necessário um membro da equipe era chamado à sala para passar alguma orientação sobre a conduta do paciente como marcar um exame ou preencher um formulário para solicitar auxílio-doença no INSS. O médico orientava a equipe para marcar os pacientes novos para um dia determinado da semana, mas isto nem sempre acontecia e, de vez em quando, aparecia um paciente novo na consulta. Na ocasião se tinha pouco tempo disponível, o profissional conduzia a consulta dando orientações básicas, solicitando exames de controle e remarcando-la para outro dia.

Finalmente a posição do médico se assemelha a do prestador de serviço na instituição. O médico dialogava pouco com outros profissionais durante a consulta, limitava-se a passar algumas orientações para o acompanhamento dos pacientes. Preocupado pelo horário, muitas vezes, o profissional “agilizava” a consulta escrevendo no prontuário enquanto interrogava. Quando o paciente comparecia com acompanhantes estes apenas observavam a consulta, muitas poucas vezes, foram chamados pelo médico para opinar sobre a evolução e a conduta do paciente.

Em ambos os Centros a consulta era rápida, não existia um agendamento eficaz e um fluxograma para acompanhamento dos pacientes. Estes resultados também foram achados por Britto e Alves (2003) onde a consulta durava em media 15 minutos e os pacientes esperavam na sala de espera até 2 horas por atendimento médico. Outros dos aspectos citados pela autora, referem-se a pouca disponibilidade de tempo dos profissionais, o exame físico nem sempre era realizados em todos os casos e os pacientes novos, que usualmente demandam mais tempo quando era pouca a disponibilidade deste, eram remarcados para outro dia. Utilizando uma classificação da consulta em Modelos 1, 2 e 3 por Britto e Alves (2003) sendo este resumidamente: Modelo 1 a consulta rege-se segundo as

necessidades do paciente, é estruturada e com exame físico completo, há predomínio de perguntas abertas e é reservado um espaço para a orientação, investiga sobre parceiros sexuais e orienta o uso da camisinha. Modelo 2: a consulta é rápida, o exame físico depende da necessidade evidente do paciente, centra-se em orientações formais e encaminha exames e atendimento com outros especialistas e, por último, Modelo 3: consulta ultra-rápida, investigar sobre o uso da medicação é o principal, exame físico como exceção, perguntas fechadas e respostas tipo sem ou não.

Neste sentido, predominaram as consultas categorizadas como modelo 2 seguida dos modelos 1 e 3 no primeiro CTA e dos modelos 3 e 1 no segundo centro. Deve- se salientar que nossa observação restringe-se a um dia da semana em cada CTA e que isto pode afetar a validade a depender da rotina do serviço. Entretanto, como não tratamos aqui de um trabalho epidemiológico e sim de uma pesquisa qualitativa descritiva colocamos nossas impressiones, mas reconhecendo com humildade nossa limitante na observação.

A julgar pelo atendimento médico desde uma perspectiva bioética predomina o paradigma casuístico. Os médicos analisam caso a caso e exercem uma postura diferenciada que vá desde o autoritarismo-paternalista até a negociação imparcial vista no Modelo Colegial.

Ambos os médicos queixavam-se com a necessidade de preencher muitos formulários. Nossos resultados apontam para uma supervalorização da tecnologia dura neste espaço, deixando pouco espaço para que aflore a subjetividade dos pacientes nesse trabalho vivo em ato. Para Gariglio (2006), mas parece um trabalho morto, visto que não aparecem, nesse espaço de escuta, as singularidades e a subjetividade de ambos os atores em cena.

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