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A humanização da assistência Olhar o passado, refletir o presente, pensar no futuro.

3. TECENDO OS CAMINHOS PARA UMA HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE.

3.1 A humanização da assistência Olhar o passado, refletir o presente, pensar no futuro.

A humanização da assistência à saúde é uma demanda atual, porém antes de iniciar uma discussão sobre o tema faz-se necessária uma reflexão: O que tem acontecido com a medicina, os profissionais e as instituições dedicadas à atenção/assistência/cuidado da saúde para estarem no foco de calorosos debates sobre a necessidade de uma prática mais humanizada? Qual seria a reação de Hipócrates, se um evento tecnológico ou sobrenatural lhe permitisse uma visita às instituições e uma conversa com profissionais que exercem a medicina contemporânea moderna? Devo confessar que uma medicina mais humanizada me parece antes de tudo um paradoxo. Será que a medicina, arte da cura e do cuidado se coloque, na atualidade, repensado sua prática devido a ter-se distanciado de seu principal objeto: o ser humano.

O termo de humanização no contexto da assistência à saúde primeiramente nos leva a uma imprecisão epistemológica devido a que “subentende-se que a prática em saúde era (des)humanizada ou não era feita por e para humanos” (Deslandes,

2004).

Geralmente emprega-se a noção de "humanização" para a forma de assistência que valorize a qualidade do cuidado do ponto de vista técnico, associada ao reconhecimento dos direitos do paciente, de sua subjetividade e referências culturais. Implica ainda a valorização do profissional e do diálogo intra e inter-equipes (Deslandes, 2004:8).

Embora a provocação à qual nos leva a autora, pareça inicialmente conflitante, a realidade está posta e é bem diferente do esperado. A Medicina Brasileira emerge em uma onda de denúncias, veiculadas inclusive na mídia, na qual usuários

enfrentam filas enormes na espera de um atendimento em uma unidade de saúde; lotam corredores de emergências em hospitais aguardando um leito; exibem receituários impagáveis e exames e procedimentos que nunca chegam; viajam em ambulâncias na procura de um atendimento em serviços distantes e até em algumas situações os usuários/clientes têm se considerado vítimas de maus tratos. Esta realidade, carregada de aspectos negativos dos atendimentos prestados à população, tem sido comprovada por publicações científicas que atentam para a veracidade de muitos destes fatos (Merhy e Queiroz, 1993; Cecílio, 1997; Sala e col, 1998; Assis e col, 2003; Silva, 2006, Pinheiro, 2001, Gomes, 2005).

Uma vez colocada a problemática na arena o que seria humanizar a assistência à saúde e quais as estratégias devem-se utilizar?

Como resposta, no intuito de estabelecer um enfrentamento a tal problemática no Brasil o Ministério da Saúde apresenta em maio de 2000, meses antes da 11ª Conferência Nacional de Saúde, uma proposta para a humanização da Assistência Hospitalar como uma política no setor saúde que se destina a promover uma nova cultura de atendimento à saúde (MS, 2000). O tema da humanização da assistência ganhou destaque durante a Conferência, em dezembro daquele ano, quando surgiu uma proposta de humanização mais abrangente na procura de uma excelência na atenção/assistência/cuidado estreitando os vínculos entre usuários e profissionais.

O Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, PNHAH, foi implantado em junho de 2001, mediante a portaria GM nº 881/2001, diante do reconhecimento da necessidade de melhorar a qualidade do atendimento prestado nos hospitais públicos que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) (PNHAH, 2006).

Humanização na visão do Programa de Humanização de Assistência Hospitalar é entendida como:

(...) valor, na medida em que resgata o respeito à vida humana. Abrange circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas presentes em todo relacionamento humano. Esse valor é definido em função de seu caráter complementar aos aspectos técnico-científicos que privilegiam a objetividade, a generalidade, a causalidade e a especialização do saber. (PNHAH, 2006. Anexo A, p. 33).

Dois anos após a criação do Programa de Humanização da Assistência Hospitalar o Ministério da Saúde lança uma proposta mais abrangente para a humanização da atenção e gestão de saúde, denominada de Humaniza – SUS, sob coordenação da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde. Instituído através do decreto nº 4.726 de 9 de junho de 2003, a humanização no âmbito do SUS aparece como uma política voltada para a construção e troca de saberes, no diálogo, não mais somente no ambiente hospitalar, e sim em todos os múltiplos espaços onde têm lugar a assistência aos usuários do SUS.

Entretanto, as iniciativas pela humanização adotadas até o momento no cenário brasileiro, apresentam-se isoladas, uma vez que, pelo próprio conceito de humanização utilizado nas instituições, se concentra em áreas, departamentos ou atenções específicas, sem conseguir o envolvimento do todo das organizações.

Deve-se considerar que as primeiras iniciativas identificadas emergiram do debate sobre a imperiosa necessidade da humanização do parto e o respeito aos direitos reprodutivos das mulheres por entendê-la como uma população de maior vulnerabilidade que sobressaía no cenário nacional, e que fazia décadas vinha ocupando a pauta dos movimentos feministas em saúde (Deslandes, 2004).

Estes modelos de humanização, dentro de um ponto de vista teórico-operacional, apresentam diferentes visões sobre o como fazer da assistência atual uma assistência humanizada, ainda que não se tenha clareza do sentido teórico do que

viria a ser uma humanização da prática contemplando a sua abrangência e aplicabilidade. Para Deslandes (2004), algumas iniciativas apontam em várias direções que se complementam.

Uma delas, na procura por uma nova práxis para a assistência à saúde, seria entender a humanização pela democratização das relações que envolvem o atendimento na visão de Carapinheiro e Stvenson. Por outra parte, Adam e Herzlich e autores nacionais como Caprara e Franco defendem um maior diálogo e melhoria da comunicação entre o profissional de saúde e o paciente. Por último, antropólogos como Laplantine e Helman dentre outros, advogam pelo reconhecimento das expectativas dos próprios profissionais e as dos pacientes, como sujeitos do processo terapêutico (Deslandes, 2004).

Na visão de Campos (2006) e Ribeiro (2006) a humanização, reporta-se à alteridade, entender o outro como um ser singular, considerando as suas necessidades e os aspectos subjetivos, indissociáveis dos aspectos físicos e biológicos. Mais do que isso, humanizar, para Campos seria adotar uma prática em que profissionais e usuários consideram o conjunto dos aspectos físicos, subjetivos e sociais que compõem o atendimento à saúde. Neste sentido, refere-se à possibilidade de assumir uma postura ética de respeito ao outro, daí a alteridade na sua essência. O acolhimento do desconhecido e de reconhecimento dos limites (Campos, 2006).

Ribeiro (2006) apresenta uma visão mais abrangente uma vez que vê no caminho da humanização o reconhecimento do que o outro tem a dizer, considerando como outro não somente os usuários dos serviços de saúde, mas os profissionais que prestam serviços e a comunidade organizada (Ribeiro, 2006).

Neste sentido, o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar preconiza o resgate ao respeito da vida humana, levando-se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas presentes em todo relacionamento humano (PNHAH, 2006).

Sendo assim, entender a humanização da assistência como caminho a alteridade, o reconhecimento do outro e as suas necessidade e particularidades, requer segundo Deslandes (2004), um delineamento das múltiplas facetas do seu significado. É crescente o interesse da sociedade, na sua luta por mais justiça e preservação dos direitos humanos, pela humanização da assistência à saúde tendo como premissa o reconhecimento à dignidade, enquanto valor da pessoa humana. Portanto, deve-se considerar especial atenção para a valorização à singularidade de cada paciente e do profissional, criando espaços de diálogo. Concordamos com Hoga (2004), ao ressaltar que o processo de humanização precisa como marco uma filosofia organizacional, cujos princípios deverão estar claramente estabelecidos e viáveis para serem concretizados na prática. A autora abre o debate para uma mudança da prática da assistência, no plural, e não o mero estabelecimento de iniciativas isoladas.

De acordo com Scarazatti (2003), um dos colaboradores da Política Nacional de Humanização, as práticas humanizantes que intervêm diretamente no acolhimento, ainda estão longe de serem práticas institucionais na gestão do SUS. O que vivenciamos, na atualidade, são iniciativas isoladas fruto do fazer de grupos ideológicos (voluntários, Doutores da Alegria, etc.) ou de programas específicos como Hospital Amigo da Criança, Parto Humanizado, Ouvidorias, etc. A Política Nacional de Humanização, na visão do autor, “precisa vencer minimamente esta

barreira: do conceito principista e dos programas e ações segmentadas” (CREMESP, 2006).

Ainda Scarazatti (2003), esta Política deverá ser cumprida por todos os níveis de gestão do SUS; por todas as funções multiprofissionais envolvidas na atenção/assistência/cuidado; deve ser estendida além das fronteiras de poucas instituições e alcançar todo o espaço público, assim como o privado; contemplar os direitos dos usuários; considerar uma política adequada de recursos humanos e conter um financiamento específico (CREMESP, 2006).

Afirma Nogueira-Martins (2006), que o processo de desenvolvimento tecnológico no campo da saúde tem deslocado o lugar da singularidade do paciente - emoções, crenças e valores – pela doença, sendo esta o objeto da ação e único saber reconhecido cientificamente de forma que podemos afirmar que a assistência à saúde se desumanizou.

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