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5. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE UMA BREVE INTRODUÇÃO AO OBJETO.

5.3 Modelos da relação médico-paciente.

Embora a relação médico-paciente seja considerada complexa e conflituosa, nas palavras de Gracia (1990), em 1972, Roberto Veatch, professor de uma universidade americana, propôs uma classificação da relação médico-paciente em forma de modelos. Segundo este professor, a relação poderia ser observada a partir do ponto de vista adotado por médicos e pacientes em relação à tomada de decisão e à negociação advinda de interesses mútuos e/ou polarizados. Os modelos propostos procuram uma caracterização da relação a partir dos princípios bioéticos enunciados por Beauchamp & Childress em 1994, denominados de autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça, considerados estes, os deveres prima facie dos indivíduos no Paradigma Principialista (Goldim e Francisconi (2006).

Os modelos são classificados, segundo estes autores, em Modelo Sacerdotal; Modelo Engenheiro; Modelo Colegial e, por último, Modelo Contratualista. Já em 1992, houve uma proposta a alteração na denominação para dois modelos, utilizando o termo paternalístico para referir-se ao Modelo Sacerdotal e o Modelo Engenheiro foi denominado de Informativo. Entretanto, os autores subdividem o Modelo Engenheiro em dois outros: interpretativo (médio envolvimento) e deliberativo (alto envolvimento), de acordo com o grau de autonomia do paciente. Para estes autores, poderia existir mais um modelo, ao qual denominariam de Modelo Instrumental, fazendo uma referência às práticas médicas negligentes e antiéticas, onde o paciente seria um objeto manipulado pelos médicos para obter alguma finalidade. As doenças infecciosas representam um clamor dos bioeticistas

pela necessidade de retomar uma discussão sobre a justiça social e a autonomia dos pacientes (Tausig, 2006). Lamentavelmente, a história tem levantado abusos da má prática médica com fins não muito convincentes como tem sido a conduta de médicos alemães na Segunda Guerra e o caso da população negra americana que sofrendo de sífilis foi-lhe negado tratamento pelas autoridades, fato relatado no livro Bad Blood: the Tuskegee syphilis experiment - Sangue Ruim: O experimento de Sífilis de Tuskegee - (Goldim e Francisconi, 2006; Farmer e Campos, 2004).

O Modelo Sacerdotal é o mais tradicional e se baseia na tradição hipocrática. Para Goldim e Francisconi (2006), é neste modelo onde a autoridade é assumida pelo médico no exercício do poder médico de dominação, ocupando então o paciente uma posição de submissão. Assim, o médico assume uma postura paternalista em relação ao paciente. Em nome da beneficência, a decisão tomada pelo médico (paternalista) desconsidera os desejos, crenças ou opiniões do paciente. Ainda para estes autores, o “médico exerce não só a sua autoridade, mas também o poder na relação com o paciente”.

No Modelo Engenheiro, ao contrário do Sacerdotal, há uma inversão do poder decisório, sendo este colocado para o paciente. Porém, o médico assume o papel de repassador de informações e executor das ações propostas pelo paciente. Afirmam Goldim e Francisconi (2006), que há uma tomada de decisão de baixo envolvimento, caracterizada, mais pela atitude de acomodação do médico do que pela dominação ou imposição do paciente. O paciente é visto como um cliente que demanda uma prestação de serviços médicos.

A relação parece ser mais neutra no Modelo Colegial onde não há diferença entre os papéis do médico e do paciente. Aqui a tomada de decisão é de alto envolvimento, porém não existe a caracterização da autoridade do médico como

profissional e, o poder é compartilhado de forma igualitária. Para Goldim e Francisconi (2006), a relação médico-paciente perde a sua finalidade passando a ser uma simples relação entre indivíduos iguais.

Segundo Moreira Filho (2006), advogado especializado em ética e direito médico, o que parece ser um modelo ideal da relação médico-paciente foi nomeado de Modelo Contratualista. A afirmação do autor deve-se a que neste se estabelece uma preservação da autoridade do médico em relação ao paciente, em virtude de suas qualidades técnicas e de conhecimento. Mas, condicionando o exercício de tal autoridade a uma íntima relação de confiança entre o paciente e o médico e, a uma troca de informações recíproca e necessária ao estabelecimento da verdadeira relação de afeição, credibilidade e confiança a se formar entre as partes. Neste sentido, o paciente tem o seu lugar preservado na tomada ativa de decisões, exercendo seu poder de acordo com o estilo de vida e valores morais e pessoais. Neste Modelo, o processo ocorre em um clima de efetiva troca de informações e, devido à particularidade da tomada de decisão, esta pode ser de médio ou alto envolvimento, entretanto, mantendo como base o compromisso estabelecido entre as partes envolvidas.

Estes modelos atentam para o Paradigma Principialista de Beauchamp and Childress, sem estabelecer graus de autonomia na relação médico-paciente e, sem haver uma hierarquização dentre dos princípios enunciados. Para Almeida e Schramm (1999), a hieraquização a priori entre os quatro princípios não seria pertinente. É neste aspecto que radica a maior contribuição do principialismo devido que os princípios podem ser utilizados/ajustados à determinada situação em um dado contexto, sendo assim, que o privilegiamento de um e/ou outro, em cada caso, dependerá da análise detalhada da situação especifica.

Ainda, Moreira Filho (2006) alerta para que a relação entre profissionais e pacientes se paute sempre na observância dos princípios éticos e bioéticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.

O médico deve sempre observar a vontade do paciente em querer ou não o tratamento indicado, deve sempre utilizar seus conhecimentos para evitar provocar danos aos seus pacientes, maximizando os benefícios e minimizando os riscos possíveis na busca constante do seu bem-estar e também, deve levar em conta a imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, considerando as desigualdades entre as pessoas, sejam elas sociais, morais, físicas ou financeiras e, principalmente, a dignidade da pessoa humana e a recusa total a qualquer tipo de violência (Moreira Filho, 2006:1).

Segundo Moreira Filho (2006), estes princípios inspiram a alteridade, o respeito ao outro, a dignidade da pessoa humana, a qual deve ser tratada como sujeito autônomo e livre na busca da melhor decisão para sua vida e saúde, não se concebendo posturas paternalistas nem autoritárias do médico em relação aos seus pacientes. Porém, sem que represente uma subjugação do médico à vontade absoluta do paciente, assim, deve permanecer esta harmoniosa negociação, pois, deve ser entendido que ele também tem autoridade enquanto detentor de conhecimentos e habilidades específicas e que deve assumir a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas.

Estabelecer uma boa relação médico-paciente faz com que se crie entre médico e paciente uma verdadeira amizade e confiança, pautadas no respeito mútuo e na busca do bem estar de ambos, além de ser uma ótima profilaxia para as possíveis e, às vezes, inevitáveis complicações clínicas ou erros de procedimento ou de conduta médica (Moreira Filho, 2006:2).

Assim, entendendo a relação médico-paciente como espaço singular de negociação, contido nas normas morais, culturais e éticas de uma dada sociedade. A questão da autonomia perpassa o conceito ético da alteridade. Colocar-se no lugar no paciente, representa, em primeiro lugar, o reconhecimento à subjetividade nele impressa e o estabelecimento de vínculos sujeito-sujeito e não de profissional/instituição - doença. Não há lugar para uma relação ética e digna, onde

se enxergue o paciente como objeto de uma prática médica mediada pela tecnologia dura, no espaço estéril da (des)negociação e onde o foco está voltado somente para a doença.

Entretanto, os princípios de autonomia, beneficência, não-maleficiência e justiça social que caracterizam o Paradigma Principialista, pretendem ser princípios muitos gerais e praticamente consensuais de uma determinada comunidade moral, úteis para avaliar casos concretos de forma racional e imparcial, daí a sua moralidade. Porém, cabe se perguntar se estes conseguiram enfrentar esse desafio no mundo contemporâneo.

A partir de uma análise sobre a questão da autonomia na relação médico- paciente e consentimento informado, Almeida (2001) revela como não é possível importar as discussões sobre este tema dos países da Europa e Estados Unidos para a América Latina, onde as questões referentes à eqüidade e justiça social deverão ganhar mais relevância. Daí, atentar para a necessidade de contextualizar os dilemas bioéticos com a sociedade estudada.

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