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6. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE.

6.3 As expectativas dos pacientes em relação ao médico 1 O médico como amigo

6.3.2 O médico como um lutador ao lado do paciente.

O médico que enfrenta a Aids junto ao seu paciente é representado como aquele que se dedica na consulta à procura de uma alternativa terapêutica ideal para o paciente. Embora, segundo os pacientes, ele esteja restringido à parte de indicar a medicação e o paciente a seguir a conduta o médica. Os exemplos a seguir dão uma amostra do seu esforço pelo tratamento. A luta é pela vida, por manter a qualidade da vida daquela pessoa. Entretanto, a vitória dessa luta é dada como manter a pessoa na frente da doença, visto que se trata de uma doença, até o momento, incurável.

Porque o médico também ele luta muito né, ele sabe que ali é uma vida, ele luta pela gente, ele luta pra deixar aquela pessoa com vida, luta pra ver aquela pessoa sobreviver, ele faria o possível dentro dos padrões dele. Pra manter a pessoa sempre à frente (E - 20).

Os pacientes vêm à Aids como uma corrida pela vida. O vírus e o sistema imunológico competem. Abandono de tratamento, o uso de drogas, alimentação inadequada e, até problemas advindos das relações com a família, amigos e conhecidos, conspiram para que o vírus tome a dianteira. O papel do médico é sempre manter o paciente na frente e, ante qualquer sinal de estar perdendo “a corrida” este deverá repensar o tratamento e fazer as mudanças necessárias para então o paciente voltar à ponta.

6.3.3 “O médico durão”.

As falas a seguir resumem a postura esperada do médico infectologista no trato com os pacientes. Segundo o entrevistado, o médico tem que tomar certa atitude a depender da situação do paciente, sendo duro no momento de sê-lo e compreensivo quando necessário. Para os pacientes lidar com a medicação e o estigma os leva muitas vezes a relaxar o tratamento e daí justifica-se que o médico tome atitudes fortes como ser “carrasco” ou até “grosseiro”, ser forte e firme, na sua fala, com o paciente sem sentir dor. Há uma interpretação que o profissional o faz pelo benefício do paciente em ajudá-lo a combater o vírus.

Pra mim o infectologista tem que ser respeitado acima de médico, acima de qualquer coisa, acima de profissional, que ele que cuida da gente, ele pode ser carrasco, ele pode ser durão, ele pode ser grosseiro, mas ele vai ser carrasco durão na hora certa, na hora que ele vê que a pessoa ta errada ele vai brigar. Você quer viver? Então você tem que fazer assim. Você quer isso? Então você tem que fazer dessa forma, entendeu? Claro que se ele ver que o paciente tá lutando, fazendo, ele vai fazer o possível. Vai sorrir junto com o paciente, na hora de brigar acho que ele não tem com que sentir pena, sentir dó, ele vai deixar o paciente mais depressivo ainda, ele tem que falar na hora certa, tratar aquela pessoa como outra qualquer, simplesmente ela tem que tomar uma dose a mais de remédio, ela tem que enxergar que a realidade dela é diferente, mas só um pouco, eu penso assim doutor (E- 20).

É bom que o médico seja claro mesmo que a coisa teja feia lá no exame é bom falar a verdade, ta mal, mesmo que vá doer vá machucar, quer dizer, vou sair daqui triste, mas eu to sabendo a verdade. Aí o que é que eu vou fazer em casa? Vou me preocupar com minha saúde, me cuidar, tomar meu

medicamento direitinho, me alimentar que isso é muito importante pro paciente que ta vivendo com HIV/AIDS (E – 8).

Que ele termina chegando lá e abrindo o jogo né? E é o melhor pra ele abrir o jogo doutor, é até melhor ele trabalhar com a verdade porque é, é como é que diz? É melhor pra ele, porque ele abrindo o jogo, o médico vai aconselhar ele. Se for um daqueles médicos que regula, da uma regulagem, amedronta ele “Ah, se você não tomar, tu vai morrer”, sabe? Usa aquela técnica dele que só ele que sabe. E eu creio que ajuda até o camarada a ter mais responsabilidade pra ta tomando o remédio (E – 10).

Olha eu acho que o médico ele tem que tentar se por no lugar do paciente algumas vezes, porque tem pacientes e pacientes. Uns gostam de se apoiar na doença pra se fazer de coitado né? O outro já não. Então eu acho que o médico tem que analisar bem o paciente, porque se o paciente tem uma relação, o médico tem aquela relação com o paciente de chegar, ele vai conhecer o paciente através dos anos e ser duro, precisar ser duro e falar a verdade por mais que “doa”, chegar e falar né, o que a gente tem, os nossos direitos e os nossos deveres que eu acho que ele deve chegar e falar expor mesmo ao paciente: “Olha é assim, assim, assim, assim. Você ta correndo esse risco. Como é que é? Você quer a vida, você quer a morte? Se você quer a morte eu nem vou começar o tratamento. Se você quer a vida a gente vai ter, vamos tentar resgatar e inverter isso daí.” (E - 13).

Nas consultas observadas o médico tomava, na ocasião de orientar pacientes faltosos, uma atitude mais enérgica. Usualmente, utilizava-se a estratégia de que ele estaria fazendo esse papel como médico, esforçando-se o máximo possível, e assim chamava ao paciente para assumir a sua responsabilidade com o seu tratamento. Para os médicos o abandono do tratamento representa um problema sério no acompanhamento dos pacientes. A cada abandono o paciente tem chances de criar resistência à medicação e neste sentido “queimar o esquema”. Perder o esquema significa recomeçar todo de novo e, muitas vezes, com remédios mais fortes. Desta forma serão maiores os efeitos colaterais, as chances de falência, como também será maior o número de comprimidos a tomar, situação que sem dúvida, virá dificultar ainda mais a aderência.

Esta situação gera um paradoxo, pois intimida o paciente fazendo-o perder a confiança no profissional. Lidar com pacientes não aderentes é uma situação difícil, porém enfrentá-la desde uma posição hegemônica dificultaria ainda mais. Como foi comentado neste trabalho, muitos dos pacientes mentem para não decepcionar o

médico porém acabam comentando a falha a medicação com os outros profissionais.

Concordamos com Paiva (2000) que não existem estratégias mágicas para abordar a situação do paciente faltoso e, adequar a linguagem e a abordagem a cada paciente é um exercício mais fácil se for feito em equipe. O que transpareceu dos discursos e situações observadas foi uma grande dificuldade dos profissionais em lidar com esta situação. Os pacientes terminam sendo encaminhados para o psicólogo, assistente social e outros membros da equipe, mas, estes ao não trabalharem em conjunto, apresentam pouca eficácia. Estas estratégias improvisadas acabam ganhando espaço nas assertivas do cotidiano e são passadas, na sua maioria, de boca em boca como dicas de como lidar com as dificuldades para fazer os pacientes “engolir” a medicação (Paiva, 2000).

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