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Determinado ma non troppo

III. Do Biopoder ao Trabalho Imaterial

IV. 2. Visão Prospectiva: Determinação, Implicação e Contradição

IV.2.2 Determinado ma non troppo

A posição de Hardt&Negri sobre a determinação se mostra ambivalente quando diagnosticam que o trabalho imaterial invalida a teoria do valor marxiana e requer sua reconfiguração completa, o que afinal irá configurar um exercício de determinação estrita da produção para a superestrutura, ou para todo restante da vida, seguindo pelo registro da bioprodução, biopoder e biopolítica.

A diversidade de posições confirma a relevância do tema do determinismo no marxismo e demonstra como tem sido essencial enfrentar as dificuldades que dele decorreram, ou decorrem. Em especial a questão da construção de prognósticos não realizados, ainda que afastados os exageros de tomar Marx como profeta, precisou ser enfrentada, sobretudo a partir das mutações do capitalismo e do desmantelamento dos estados socialista europeus e asiáticos nas décadas de 80 e 90.

Nesse sentindo, a construção de uma determinação nuançada em Hardt&Negri parece ser uma resposta às dificuldades enfrentadas pelo marxismo no passado, incluindo-se aí a experiência pessoal de Negri nas décadas de 60 e 70 na Itália. Seu posicionamento está de acordo com a ideia de superação e abandono da díade base- superestrutura, de tal modo que a adoção da relação tensionada entre biopoder e biopolítica constitui, juntamente com a tendência à hegemonia do trabalho imaterial e o

conceito de multidão como agente político constituinte, o novo referencial para construção de diagnósticos e prognósticos.

Esse rumo dado ao determinismo interno ao modo de produção, aquele que se daria entre a base e a superestrutura, é o terceiro aspecto a ser destacado. Hardt&Negri esclarecem a origem de seu posicionamento a partir de um elogio a Gramsci:

Gramsci também reconhece no Fordismo que a subsunção da sociedade ao capital leva à transformação da composição técnica do proletariado, e ele parece intuir que eventualmente, conforme o diagrama biopolítico, a produção capitalista iria transbordar para além das paredes da fábrica para investir sobre toda a esfera social, eliminando as divisões entre estrutura e superestrutura, trazendo as relações culturais e sociais diretamente para o reino do valor e da produção econômicos. Ele até mesmo apreendeu que a nova composição técnica implica uma nova produção de subjetividade: “na América a racionalização determinou a necessidade de elaborar um novo tipo de homem adequado ao novo tipo de trabalho e de processo produtivo”.233

Em seguida introduzem decisivamente sua posição através de uma crítica, nos seguintes termos:

Mas, Gramsci deixa de antecipar –e como poderia ele antecipar? – que com o desenvolvimento do diagrama biopolítico abre-se a possibilidade de uma nova diagonal política. A construção da multidão e a composição e consolidação de suas capacidades para a tomada de decisões democráticas em instituições revolucionárias é exatamente o tipo de produção de subjetividade que Gramsci vê como necessária para uma revolução ativa em lugar de uma passiva. Tal retorno ao Gramsci Leninista, no terreno da biopolítica, nos permite agrupar os ramos aparentemente divergentes de seu pensamento. Não nos é oferecida uma alternativa – ou insurreição ou luta institucional, nem mesmo revolução ativa ou passiva. Ao contrário, revolução deve ser simultaneamente ambas, insurreição e instituição, transformação estrutural e superestrutural.234

Ainda que introduzam conceitos que ensejam relações de indeterminação tais como biopoder, biopolítica, diagrama biopolítico, diagonal política e trabalho imaterial, não deixam, Hardt&Negri, de apresentar no seu marxismo uma certa tensão interna considerando a temática da determinação.

De um lado, como mostra a citação acima, os conceitos de estrutura e superestrutura, bem como sua relação de determinação, estão mantidos para caracterizar um desafio revolucionário, muito embora a essência do antagonismo no

233 HARDT&NEGRI; Commonwealth; Op. Cit.; pág 366 234 Ibidem

terreno da biopolítica seja a reação à determinação da vida pelo biopoder: um elogio à indeterminação na produção de subjetividades como a vida que não se submete à subsunção pelo capital.

De outro lado, sua declaração de método explicita a crença na tendência histórica, uma determinação necessariamente absoluta quando declaram que:

Está implícito na ideia de tendência histórica a ideia de periodização histórica. Mudanças infinitesimais na história ocorrem todo dia, mas existem também grandes paradigmas que por longos períodos definem nosso modo de pensar, estruturam nossos conhecimentos, o que aparece como normal e anormal, o que é óbvio e obscuro, e até mesmo o que pode ser pensado ou não, e então muda dramaticamente para formar novos paradigmas.235

Também estabelecem uma lógica determinista quando abraçam o conceito de abstração genuína (e por consequência de uma teoria do valor) e de produção de subjetividades revolucionárias.

Ademais, o recurso de Hardt&Negri a Espinosa, na recuperação do conceito de multidão, traz em si uma dificuldade relevante: a filosofia de Espinosa é tida como de determinação absoluta, a ponto de a questão da possibilidade, da contingência e da liberdade serem polêmicas recorrentes no seu estudo.236 No entanto, para Hardt&Negri, a gênese da multidão se assentaria ao menos em três indeterminações fundamentais: a ausência de identidade na multidão enquanto ente uno em contraste com o conceito de povo, o comum como condição de possibilidade da multidão fruto do vazio e de kairós e a incomensurabilidade do trabalho imaterial como articulação entre subjetividade, comum e multidão.

Tais possíveis tensões, bem como suas potencialidades, podem ser mais claramente estabelecidas no interior das implicações que Hardt&Negri elaboram a partir do trabalho imaterial no contexto da biopolítica.

235 HARDT&NEGRI; Multitude; op.cit.; pág. 140

236 SANTIAGO, HOMERO S.; A questão do Possível no Espinosismo e suas Implicações em Antonio Negri;

Revista Conatus; Filosofia de Spinoza; Volume 4 – No 8; dezembro 2010

ver também: Wolfe, Ross Laurence; Substance, Causation, and Free Will in Spinoza and Leibniz; Arché -, Volume 2 - Issue 1; 2008; e Ramacciotti. Bárbara Lucchesi; Deleuze e Chauí: Leituras Paralelas sobre a Ética de Espinosa; Cadernos Espinosanos, São Paulo, n.29, p.11-25, jul-dez 2013