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Devido processo legal, ampla defesa e contraditório

2.3 DAS GARANTIAS PROCESSUAIS DO CIDADÃO

2.3.2 Devido processo legal, ampla defesa e contraditório

O devido processo legal158, princípio fundamental do processo civil que foi guindando à condição de direito e garantia fundamental pela Constituição de 1988, representa um feixe harmonioso de providências e conquistas do homem que disciplinam e asseguram o pleno acesso à jurisdição sob a regência do princípio da igualdade.

O processo civil moderno, no dizer de Dinamarco, “rege-se pelos grandes pilares da democracia, entre os quais destaca-se a igualdade como valor de primeira grandeza”.159 De fato, o princípio da igualdade é imprescindível às partes que litigam

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Vale considerar o entendimento de Siqueira de Castro no sentido de que o princípio do devido processo legal contém em seu bojo os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade dos atos do Poder Público. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

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para obtenção de um tratamento equânime, cabendo ao juiz velar por sua realização (CPC, art. 125, I), como também em relação ao acesso à justiça.

O entendimento consentâneo com o processo civil moderno apregoa que está inserido na cláusula do devido processo legal o direito ao procedimento, que tem no contraditório uma das vestes do preceito máximo da igualdade. Contudo, para realizá-la como recomenda a Constituição e a legislação processual civil deve o magistrado observar a realidade social, já que suas características refletem no processo.

A inversão do ônus da prova visa assegurar a igualdade das partes porque se origina do reconhecimento de que existe uma parte mais fraca na relação processual. Nas relações de trabalho, o trabalhador; nas relações de consumo, o consumidor; nas relações de família, a mulher e a criança; e assim se poderia continuar a mencionar mais algumas hipóteses.

O fato é que o preceito da igualdade é regra a ser observada tanto pelo legislador, como pelo aplicador da lei, seja magistrado ou tribunal. Ou melhor, a igualdade processual reclama a aplicação da regra de ouro de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

A conseqüência do due process of law160 é vista, por exemplo, na garantia do juízo natural, que significa não apenas a vedação a tribunais de exceção (CF, art. 5°, XXXVII), mas também corresponde ao direito de ser julgado pelo juiz competente (CF art. 5°, LIII). Portanto, o contraditório e a ampla defesa são direitos que assistem aos acusados ou litigantes, seja em processo judicial ou administrativo (CF, art. 5° LV), sendo vedada a decretação da pena de perdimento de bens ou da privação da liberdade sem a observância do devido processo legal (CF, art. 5°, LIV).

Entre as garantias processuais que também se encontram no art. 5° da Constituição estão: (i) a publicidade (inc. LX); (ii) a vedação das provas obtidas ilicitamente (inc. LVI); (iii) a inviolabilidade do domicílio (inc. XI); (iv) o sigilo das comunicações em geral e de dados (inc. XII); (v) a presunção de não-culpabilidade do

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“Como escreve ROGÉRIO SOARES, seguindo GERHARD LEIBHOLZ, quando a jurisprudência americana interpreta as cláusulas constitucionais da ‘Equal Protection of Law’, tradicionalmente supõe-se compatíveis com o juízo de que os negros podem ser tratados ‘equal but separate’; todavia, em 1954, o Supremo vem declarar ‘que educação separada é uma violação ao princípio da igualdade’. Foi a constelação de valores socialmente acatados que obrigou assim a uma radical mudança de sentido na interpretação constitucional. E, no entanto, a estrutura da Constituição não teve de ser alterada, pois ela nunca aceitou uma regra inversa de desigualdaes naturais entre os cidadãos.” MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p.152.

acusado (inc. LVIII); (vi) a indenização por erro judiciário e pela prisão que ultrapassa os limites da condenação (inc. LXXV); (vii) a vedação da identificação datiloscópica em relação às pessoas que já estão civilmente identificadas (inc. LVIII); e (viii) a imediata comunicação da prisão ao juiz, que poderá relaxá-la se ilegal (inc. LXII e LXV), entre outras, como o dever de fundamentar as decisões, que se encontra no inciso IX do art. 93 da Constituição.

Trata-se, por conseguinte, de um catálogo de direitos e garantias que asseguram a existência de regras básicas e imprescindíveis ao desenvolvimento válido e regular do processo, sob pena de nulidade, já que sua violação representa agressão não apenas ao direito individual, mas, acima de tudo, à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito.161

A irradiação do princípio da igualdade é de tal ordem que Mota de Souza162, discorrendo sobre os poderes éticos do juiz, chama a atenção para a existência de um mandamento ético subjacente a toda legislação processual civil como conseqüência direta do preceito máximo da igualdade.163 Assim, formula uma reflexão acerca do direito processual e da justiça extremamente sensível aos reclamos da cidadania, no que tange ao processo célere e sem dilações indevidas, o que põe em relevo a necessidade

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“A influência que o direito constitucional exerce em face do direito processual exterioriza-se por meio dos seguintes princípios: político, econômico-social, teleológico e axiológico-jurídico. Na esfera política, o processo exerce influência pelo modelo adotado pelo Estado. No Estado Democrático e Social de Direito o processo tem por objetivo a garantia dos direitos sociais com o mínimo de sacrifício da liberdade individual. Esse pressuposto surge do respeito aos direitos fundamentais consagrados no texto constitucional de 1988, como, por exemplo, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa etc. No aspecto econômico-social, o processo deve ser rápido e acessível a todos os segmentos sociais. É o desdobramento do direito de acesso à tutela jurisdicional ou acesso à justiça e do direito ao prazo razoável. No plano teleológico, o processo tem como finalidade a busca da verdade real, como a conseqüente composição da lide e garantia de direitos subjetivos. Pelo princípio axiológico-jurídico, o processo tem como valor fundamental a distribuição da justiça e a reafirmação dos valores consagrados pela sociedade por meio da vontade da lei.” SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p.61.

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SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Poderes Éticos do Juiz – A igualdade das partes e a repressão ao abuso no processo. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1987.

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“Não só a descoberta da verdade, mas todos os figurantes do processo são convocados à rápida composição do litígio, a respeitar a dignidade da justiça (representada pelos órgãos jurisdicionais que a encarnam) e a garantir o ordenamento jurídico positivo, quando legitimo. A regra se destina a todos os intervenientes no processo, seja os sujeitos parciais, terceiros interessados, auxiliares da Justiça, permanentes ou eventuais, representantes do Ministério Público e da Fazenda Pública, ou mesmo oficiante. O dever ético aí expresso não só exige a colaboração ativa a carrear aos autos as provas da verdade, como impede a omissão de ato que possa obstar o alcance da verdade. Trata-se de regra maior e abrangente, destinada a todos os figurantes do processo, e até àqueles estranhos à lide: nessa hipótese estão os auxiliares eventuais de órgãos extravagantes, como a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos [...]; a Imprensa Oficial e a particular na publicação de editais [...].” Ibidem. p.31.

bem maior de uma mudança de mentalidade da magistratura, dos advogados, dos membros do MP e dos teóricos do direito do que de uma modificação da legislação.164

Na verdade, importa mesmo é pôr em relevo que a garantia ampla, formal e material do due process of law não se restringe apenas ao processo judicial, porque a Constituição, embora faça menção a este e ao administrativo, estabelece uma generalidade de tal grandeza e ordem que, em qualquer esfera de poder, impõe sua observância para inibir todos os atos que busquem privar a liberdade ou atingir bens de pessoas ou grupos.

Portanto, a garantia fundamental do devido processo legal visa interditar o arbítrio165, onde quer que ele esteja ou se instale, não importando qual seja o poder ou a esfera. Ou melhor, não basta a garantia do devido processo legal para que o processo esteja formalmente ordenado, já que é também condição fundamental que a lei a ser aplicada propicie mecanismos que assegurem uma igualdade efetiva à realização da Justiça.

O que a ordem jurídico-constitucional assegura ao povo brasileiro não está representado apenas pelo pleno exercício do direito de ação ou de defesa, mas também pelo devido processo legal, que constitui um conjunto de regras edificadas pela história do Constitucionalismo universal para assegurar ao homem a realização da sua dignidade plena mediante a segurança jurídica.

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“Seria um equívoco dramático e, na situação em que nos encontramos, certamente trágico supor que o Brasil pudesse vencer a grave crise institucional em que se encontra lançado por contingências históricas que remontam a sua formação, mudando-se mais uma vez as nossas leis, ou exigindo dos processualistas que inventem fórmulas mágicas que salvem o Poder Judiciário, sem que os homens em si mesmos se transformem; sem que as estruturas sociais já ultrapassadas que os sufocam, sejam afinal superadas; finalmente, sem que os sujeitos de tais transformações tornem-se dignos delas e capazes de as implantar e gerir. O processo de alienação a que os juristas estão irremediavelmente condenados começa, no Brasil, certamente a partir dos bancos acadêmicos e tem uma longa vida cultural e histórica que o liga à formação dos Estados modernos e às filosofias políticas que o sustentam desde seu nascimento.” BAPTISTA DA SILVA, Ovídeo A. “Democracia Moderna e Processo Civil.” In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coords.). Op. cit. p.111.

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Sobre a exigência de razoabilidade e racionalidade em relação às diferenciações normativas, Siqueira de Castro aponta que se a relação de meio e fim resulta leviana e injustificada “padecerá ela do vício da arbitrariedade”, diante da inquestionável ausência de razoabilidade e racionalidade. Isto demonstra, a nosso ver, que a moderna teoria constitucional manifesta preocupação singular em interditar o arbítrio do legislador e encontra na idéia de que o homem é um ser dotado de razão capaz de orientar toda sua conduta em sociedade o parâmetro para que o magistrado possa mensurar a possibilidade de medidas que violam o preceito máximo da igualdade no bojo de uma legislação. O avanço é notável e pode perfeitamente ser estendido às decisões judiciais. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Op. cit.