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É verdade que tem sido lugar comum sustentar a existência de direitos com fundamento na igualdade, o que evidencia sua repercussão nos mais diversos setores da vida humana (social, econômica, jurídica e política) e comprova que o princípio da isonomia possui um caráter axiológico fundamental. Essa idéia também se manifesta com conteúdos diversos e em conformidade com o momento histórico e as exigências da vida em sociedade, razão mais que suficiente para que os pensadores do direito mantenham-se atentos à teoria da interpretação jurídica, compreendendo a teoria das fontes do direito e, acima de tudo, a dimensão dinâmica do ordenamento jurídico.

A história registra diversas significações para o termo igualdade. Este já foi mencionado como sinônimo de esperança e como objeto de equiparação diante de um dado fenômeno, bem como constou de programas revolucionários e fundamentou

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narrativas racionais acerca do homem em sua trajetória épica pela emancipação ou para vencer a opressão e a tirania. Enfim, seja como ponto de partida ou de chegada, a expressão recebeu incontáveis significados. Contudo, o que fica é a dimensão lógica que a expressão encerra e permite conceituá-la como uma equivalência parcial entre diferentes entes. Ou seja, não se trata de identidade ou de semelhança, porque a primeira exige coincidência absoluta, enquanto a segunda representa uma mera afinidade entre seres.

Disso decorre que, em sua dimensão lógica, o conceito de igualdade encerra três premissas básicas e essenciais às relações jurídicas, observada a ordem: (i) alude sempre a dois ou mais seres entre os que reivindicam a condição de iguais; (ii) como conseqüência, é imprescindível se estabelecer um nexo entre eles (que devem se encontrar necessariamente relacionados); e (iii) assim se estabelece a comparação entre todos a partir de uma ou mais qualidade(s) comum(ns), que identifica a igualdade ou a desigualdade.

Ademais, o princípio da igualdade é uma exigência dos Estados Democráticos de Direito e, por isso, obriga os poderes públicos a implementarem mecanismos que o tornem efetivo e concreto em favor de todos que não possuem acesso à justiça, à saúde, à educação, à moradia e a outros bens e serviços inerentes à realização da dignidade humana.

Convém esclarecer que não se está defendendo a idéia de que exista uma só resposta correta ou verdadeira259 ao caso concreto, mas apenas que o cidadão tem direito à igualdade na aplicação da lei, visto que se um mesmo tribunal ou magistrado modifica eventualmente sua decisão, sem qualquer justificativa, para depois retomá-la, não se pode deixar de reconhecer afronta ao princípio da igualdade e desrespeito ou violação à regra segundo a qual as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Portanto, é possível que seja adotada uma nova decisão, mas desde que daí por diante também seja ela aplicada aos casos futuros.

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Ver: STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso – Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro, 2006. p. 210 e seguintes. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

É, ainda, igualmente relevante admitir que o pensamento de Lênio Luiz Streck merece profunda e cuidadosa reflexão, sobretudo quando pugna pela inexistência de cisão entre o “texto e sentido do texto (norma)”.260 Evidencia-se, assim, a preocupação com o subjetivismo, com a adoção de critérios arbitrários e não condizentes com a realização da Constituição, tanto que ao seu sentir a Constituição deve ser compreendida como tal quando:

[...] primeiro, a confrontarmos com a sociedade para a qual é dirigida;

Segundo, compreendemos a Constituição “como” Constituição quando examinamos os dispositivos que determinam o resgate das promessas da modernidade e quando, através de nossa consciência acerca dos efeitos que a história tem sobre nós (Wirkungsgeschichtliches Bewubtsein), damo-nos conta da ausência de justiça social (cujo comando de resgate está no texto constitucional);

Terceiro, compreendemos a Constituição “como” Constituição quando constatamos que os direitos fundamentais sociais somente foram integrados ao texto constitucional pela exata razão de que a imensa maioria da população não os têm; Quarto, compreendemos que a Constituição é, também, desse modo, a própria ineficácia da expressiva maioria dos seus dispositivos (o que é, finalmente, o retrato da própria realidade social);

Quinto, percebemos também que a Constituição não é somente um documento que estabelece direitos, mas, mais que isto, ao estabelecê-los, a Constituição coloca a lume e expõe dramaticamente a sua ausência desnudando as mazelas da sociedade;

Sexto, percebemos que a Constituição não é uma mera Lei Fundamental (texto) que “toma” lugar no mundo social- jurídico, estabelecendo um novo “dever ser”, até porque antes dela havia uma outra “Constituição”; e antes desta, outras quatro na era republicana [...] mas, sim, é a Constituição, nascida do processo constituinte, como algo que constitui, que deve exsurgir uma nova sociedade, não evidentemente rebocando a política, mas permitindo que a política seja feita de acordo com a Constituição.261

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STRECK, Lênio Luiz. Op. cit. p.204.

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Evidentemente, não se pode deixar de comungar com essas premissas, embora o presente trabalho não tenha o objetivo de desenvolver uma teoria da interpretação da norma jurídica, uma vez que busca apenas acentuar a necessidade de assegurar ao cidadão o direito à igualdade na aplicação da lei.

Observando-se a questão por outro ângulo, também vale ressaltar que não se pretende afirmar que o pensamento de Kelsen acerca da possibilidade de várias interpretações não seja adequado, até porque o precedente judicial e a súmula de jurisprudência são o resultado mais perfeito do papel dos tribunais de reduzir a pluralidade ao singular, de modo a aplicar a lei igualmente para todos e realizar a segurança jurídica.262 Por isso, o que se transmite para a sociedade é a segurança e celeridade com que os tribunais decidem os casos quando chegam a uma determinada conclusão acerca de um tema e não a modificam sem uma motivação razoável e racional em casos futuros.

O Supremo Tribunal Federal, em seu Pleno, apreciando o Mandado de Injunção (n° 000000581/400), manifestou seu entendimento acerca do princípio da igualdade, cuja ementa no que se refere ao princípio assim constou:

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO – PRETENDIDA

MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVIDOS A

SERVIDOR PÚBLICO – (INCRA/ MIRAD) – ALTERAÇÃO DE LEI JÁ EXISTENTE – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – POSTULADO INSUSCETÍVEL DE REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA – INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO DE LACUNA TÉCNICA – A QUESTÃO DA EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO COM OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA – MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO CONHECIDO.

O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa.

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“De resto, uma interpretação estritamente científica de uma lei estadual ou de um tratado de Direito internacional que, se baseada na análise crítica, revele todas as significações possíveis, mesmo aquelas que são politicamente indesejáveis e que, porventura, não foram de forma alguma pretendidas pelo legislador ou pelas partes que celebraram o tratado, mas que estão compreendidas na fórmula verbal por eles escolhida, pode ter um efeito prático que supere de longe a vantagem política da ficção no sentido único: É que uma interpretação científica pode mostrar à autoridade legisladora quão longe está a sua obra de satisfazer à exigência técnico-jurídica de uma formulação de normas jurídicas o mais possível inequívocas ou, pelo menos, de uma formulação feita por maneira tal que a inevitável pluralidade de significações seja reduzida a um mínimo e, assim, se obtenha o maior grau possível de segurança jurídica.” KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Batista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979. p.473.

Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem econômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da normal legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejam tratamento seletivo discriminatório. [...]

Para o Supremo, a igualdade no tratamento dado pela lei ou igualdade na lei representa uma proibição expressa de qualquer forma de arbitrariedade legislativa, enquanto que a igualdade na aplicação da lei significa a imposição de que a lei deve ser aplicada igualmente para todos, sem subordinação a critérios discriminatórios.263

Essa interdição ao arbítrio tem correspondência com a segurança jurídica, valor essencial ao Estado Democrático de Direito.264 Tanto que a primeira noção que qualquer cidadão faz acerca da igualdade perante a lei é transmitida pela idéia de que a lei é igual para todos os membros da coletividade, sem privilégios arbitrários, o que põe em relevo a imprescindibilidade da sua identidade com os requisitos de generalidade e abstração da norma jurídica.

O princípio da generalidade pressupõe a exigência de um tratamento igual das situações consideradas iguais. Conseqüentemente, quando a Constituição diz que “todos são iguais perante a lei” afirma que a isonomia se manifesta dentro da legalidade e esta nos limites daquela. Ou seja, não existe separação entre isonomia e legalidade, razão por que o Supremo afirmou com toda ênfase que “O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou complementação normativa”.

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Nesse sentido, o STF apreciou ação em que a empresa francesa Air France, operando no Brasil, não aplicava seus Estatutos ao trabalhador brasileiro, e considerou existir uma discriminação em razão da nacionalidade. Logo, entendeu que não estavam presentes quaisquer fatores que autorizassem a desigualdade (STF, RE 161.243-6-DF).

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“O Estado de Direito (direitos fundamentais) exige a democracia, como conseqüência imposta pelo reconhecimento do princípio da igual dignidade de todas as pessoas que estrutura o edifício do moderno Estado de Direito.” NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais – Trunfos contra a Maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p.19.

Então, sendo o Supremo o intérprete da Constituição, é possível afirmar que a igualdade e a legalidade inspiram toda a ordem jurídica nacional, a ponto de a ausência de uma contaminar a validade da norma ou da decisão judicial. Neste sentido, Rawls esclarece que “o princípio da legalidade tem um fundamento firme na decisão consensual de pessoas racionais que querem estabelecer para si mesmas o grau máximo de liberdade igual”.265 Por tais razões é que o princípio da equiparação exige um tratamento igual daquilo que não é no terreno dos fatos, mas juridicamente deveria ser, razão pela qual é meio à averiguação do respeito ao princípio da generalidade.

Máynez266, a propósito, lembra que Hans Nef, em sua obra “Gleichheit und Gerechtigkeit” (Igualdade e Justiça), apresenta dois pressupostos que acredita serem essenciais ao termo de comparação. Um é um “paradoxo afirmativo”: “sólo puede ser igual lo diferente”. Isto é, a diferença é o primeiro pressuposto necessário à postulação para a aplicação do preceito da igualdade, uma vez que só o diverso pode reclamar a igualdade. O outro, para o jurista suíço, é que os objetos, situações ou pessoas sejam comparáveis entre si, e para que isso seja possível é necessário que dois ou mais objetos de equiparação tenham algo em comum, apresentando uma relação.

No entanto, Máynez esclarece que concorda em agregar um terceiro elemento para complementar a fórmula, tal qual defende William Stern, e o denomina tertium comparationis.267 Isso significa que é importante estabelecer os elementos necessários à equiparação quando a igualdade não se traduz em pura identidade, já que não se exige uma igualdade absoluta, mas sim a formulação de um juízo de equiparação envolvendo objetos, situações ou pessoas em determinado aspecto, ainda que ocorram diferenças noutros. A equiparação, portanto, supõe a existência de características relevantes e comuns entre o paradigma e paragonado, obrigando a se encontrar nesta relação de comparação a homogeneidade que põe em evidência algo de maior relevo a ser protegido e que justifica a necessidade de aplicação do princípio da igualdade.

A Opinião Consultiva n° 18 da Corte Interamericana esclarece como o princípio da equiparação opera. Ao deixar de considerar como relevante a situação “de não documentado” e assegurar ao cidadão a igual proteção da lei, a Corte celebrou não

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RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.262.

266

MÁYNEZ, Eduardo Garcia. Filosofía Del Derecho. México: Editorial Porrúa, 2005. p.445-446.

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“La base común de comparabilidad es, según sabemos, el llamado tertium comparationis, y debe permanecer idéntica en el comparar. Por ello William Stern asevera que la igualdad es una relación trimembre, puesto que requiere ‘además de las dos cosas comparadas a y b, uma tercera c, el llamado tertium comparationis.” Ibidem. p.447.

apenas o valor da igualdade, mas se manifestou contrária a qualquer espécie de discriminação. Portanto, é possível afirmar que a igualdade contém em seu âmago uma dinâmica tão particular, própria mesmo, que não permite ser vista ou considerada em sentido estático. No caso do “não documentado” é dada relevância ao ser humano, qualquer que seja sua condição social, econômica, nacionalidade ou outra, mas ele está protegido pelo ordenamento jurídico de um Estado e, por conseguinte, este também é responsável pelo bem-estar daquele.

Nesse sentido, a igualdade não pode ser considerada somente como uma absoluta identidade de situações, fatos ou coisas. Isso explica a razão pela qual a norma jurídica, de uma maneira geral, regula diversas situações em que as desigualdades e igualdades não podem deixar de ser evitadas porque as variantes que integram o cenário da realidade são consideradas, de modo que a igualdade não seja uma proposição vazia e imaginária.

Operar a igualdade dentro de uma dinâmica é de tal ordem necessário que, se não conduzida adequadamente, pode levar a uma injustiça. Também aplicar a igualdade de forma “mecânica” – tal qual o braço de um robô –, direta e sem critérios conduz a desigualdades. Ademais, cumpre destacar que não é lícito adotar ou criar mecanismos casuísticos.

Dessa forma, a exigência de diferenciação em uma sociedade moderna, democrática, plural e solidária conduz o preceito máximo da igualdade a exigir critérios e valores que devem ser considerados para sopesar situações e, dessa forma, permitir à racionalidade operar em âmbito legislativo como a eqüidade ilumina a interpretação na aplicação do direito. Assim, o preceito da diferenciação como exigência para a valoração do princípio da igualdade é perfeitamente demonstrável, no âmbito legislativo, na idéia de concurso público para ingresso no serviço público, uma vez que a todos são concedidas as mesmas oportunidades, embora apenas aqueles que provem possuir melhores qualidades e aptidões sejam selecionados.

Pode-se sustentar que a exigência de diferenciação em muitas ocasiões guarda relação íntima com o princípio da solidariedade, como ocorre com o princípio da capacidade contributiva manifestado nos critérios de isenção fiscal e na progressividade das alíquotas que incidem sobre o imposto a ser recolhido.

Ainda neste caminhar, as limitações impostas ao Estado pela Constituição Federal quanto ao poder de tributar também denotam a necessidade de se conferir especial atenção ao princípio da diferenciação, de modo a inibir privilégios que venham a desviar o objetivo e o alcance das normas. Nesse sentido, o art. 150 da CF assim dispõe:

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional, ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; [...] VI – instituir tributo com efeito de confisco.

Portanto, evidencia-se a necessidade de se estabelecer o conteúdo e a função do termo de equiparação na aplicação do princípio da igualdade na lei, de modo que se possa tanto dar transparência, como criar uma fundamentação razoável e racional à sua função objetiva, isto é, cumpre examinar se foram regulamentadas de igual maneira as situações e relações iguais. Mas, havendo diferenciações, há de se prescrever sua justificação com base na lógica interna da norma, do fato social e da Constituição.

O conteúdo do termo de equiparação corresponde à situação real que se apresenta – fato ou coisa – e que impõe a reflexão acerca de sua importância para determinar a fixação de semelhanças ou diferenças que justificam ou não a sua existência de forma razoável e racional, bem como o conteúdo finalístico da norma à luz do fato social e dos valores da Constituição.

A decisão do Supremo mencionada contém, ainda, um outro elemento: a igualdade perante a lei. Para a Suprema Corte brasileira, a igualdade perante a lei significa uma “imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório”. Isso quer dizer que o aplicador da lei não pode criar mecanismos casuísticos. Com efeito, Rawls adverte que “os casos semelhantes devem receber

tratamentos semelhantes”268 e esclarece que os critérios de semelhança são encontrados tanto nas próprias normas, como nos princípios de interpretação que lhes são aplicáveis.

Ademais, o preceito segundo o qual os casos semelhantes recebem soluções semelhantes, prossegue Rawls, “limita, de modo significativo, a discrição dos juízes e de outros que ocupam cargos de autoridade”, impondo que as decisões sejam fundamentadas à luz dos princípios e das regras sempre que promovam distinções ou diferenças entre pessoas ou situações.

Em qualquer caso particular, se as regras forem algo complicadas e pedirem interpretação, pode ficar fácil justificar uma decisão arbitrária. Mas, à medida que o número de casos aumenta, torna-se mais difícil construir justificações plausíveis para julgamentos tendenciosos. A exigência de coerência vale naturalmente para a interpretação de todas as regras e para justificativas em todos os níveis. Fica, por fim, mais difícil formular os argumentos racionais para julgamentos discriminatórios, e a tentativa de fazê-lo torna-se menos convincente. Esse princípio vale também em casos de eqüidade, isto é, quando se deve abrir uma exceção porque a regra estabelecida causa uma dificuldade inesperada. Mas com a seguinte ressalva: uma vez que não há uma linha definida separando esses casos excepcionais, chega-se a um ponto, como nas questões de interpretação, em que praticamente qualquer diferença fará uma diferença. Nesses casos, se aplica o argumento de autoridade, e é suficiente a autoridade do precedente ou do veredicto conhecido.269

O Estado de Direito exige um processo racionalmente concebido com regras universais quanto ao direito, ao processo e ao procedimento, do que decorre que “os juízes devem ser independentes e imparciais, e ninguém pode julgar em causa própria”.270 A propósito, o provimento jurisdicional deve ser concedido por juiz ou tribunal independente e competente, que deve atuar de forma equilibrada. Os conceitos de igualdade e imparcialidade caminham lado a lado, tanto que a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 afirma, em seu artigo 10, que “Todos homens têm direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial [...]”.

268

RAWLS, John. Op. cit. p.260.

269

Ibidem. p.260.

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Para Luhmann, diferentemente do legislador, o juiz se compromete com a sua decisão e as premissas a ela vinculadas:

O decisivo é que apenas o juiz se vê confrontado com situações repetidas, tendo que decidir de forma repetidamente igual quando se apresentam premissas idênticas. O juiz submete-se ao princípio da igualdade de forma diferente que o legislador: ele não só tem que tratar igualmente as mesmas condições, mas também decidir da mesma forma os casos iguais. Com cada decisão ele se ata a casos futuros, e ele só pode criar um direito novo na medida em que reconheça e trate novos casos como constituindo casos diferentes. 271

Assim, é importante observar que tal circunstância não compromete a liberdade do magistrado, uma vez que ele pode “criar um direito novo” quando enxergar que se trata de uma situação diferente. Ademais, as garantias ou prerrogativas da magistratura – inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade – são, em verdade, da sociedade, servindo como meio de assegurar a independência e a imparcialidade da atuação em prol da aplicação da justiça, o que significa que a vinculação ética às suas próprias decisões não viola sua independência, mas, ao contrário, a reafirma.

Dessa forma, aos olhos da sociedade quando o magistrado ou a Corte se afasta