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Diálogos sobre o poder: uma interface possível para atualizar o direito à saúde e o sujeito de direito

3 OS JOGOS DE PODER NA MAQUÍNICA DO SUS: A TRÍPLICE PRODUÇÃO DE INSTITUCIONALIDADE, SUBJETIVIDADE E SABER

3.2 Arqueogenealogia: o saber-poder em potência para ver-dizer-mapear a produção maquínica do SUS

3.2.3 Diálogos sobre o poder: uma interface possível para atualizar o direito à saúde e o sujeito de direito

O regime de cidadania constitucional configura-se como um grande ideal a ser não somente perseguido, como também, construído. Supostamente, algo que se põe na ordem do inquestionável. Afinal a saúde encarna-se como um direito posto como universal, verdadeiro e inerente à condição de existência dos sujeitos, constituindo, assim, o sujeito de direito universal, cuja materialidade deve ser assegurada pelo Estado protetor e provedor de bens e serviços públicos.

Desse modo, o regime de cidadania constitucional ancora-se no pensamento representacional da realidade, emprenhado por universais abstratos e totalizantes, em torno do ideário do direito e do sujeito universais. “A racionalidade moderna, através da universalidade, das categorizações dicotômicas, ocupou o centro das preocupações, descaracterizando a subjetividade na sua diferença”. (ROCHA; AGUIAR, 2003, p. 69).

Trata-se, portanto, de um pensamento que requer atenção, no sentido da não uniformização do sujeito de direito, suprimindo as diferenças de cada um e padronizando sua identidade pela fabricação de subjetividades serializadas. Subjetividades, estas, marcadas pela

identidade única do sujeito de direito, objeto das políticas públicas sociais à cargo do Estado protetor e provedor.

Há, assim, a institucionalização de processos de homogeneização e de constrangimento de uma produção de subjetividade singularizada, frente à um suposto olhar e constituição de um “sujeito coletivo de direitos”. Pela proposição e implementação de políticas públicas sociais, entre elas a da saúde, a fabricação de discursos e práticas de inclusão acaba por excluir, na medida em que lida com um sujeito massificado, extraído de sua produção singular.

Atualizar o olhar sobre o regime de cidadania constitucional, com a lente acima utilizada, não implica em um juízo moral do projeto político-social que o SUS encarna, se bom ou se ruim, se certo ou se errado. Não implica em uma oposição ao reconhecimento da positividade do direito à saúde e da configuração de um Estado protetor e provedor de bens e serviços públicos. Trata-se, outrossim, de ver-dizer a produção da realidade como imanente à tecitura dos direitos constitucionais e de seus sujeitos de direito, em cenários de lutas e disputas de posições entre forças, traduzidos, por exemplo, no manejo de como desenvolver as políticas sociais de modo a problematizar as questões levantadas; de modo a potencializar a formação de sujeitos de direito singulares. Refere-se a ver-dizer a produção maquínica do SUS, atravessada por relações de poder-saber, em incessantes batalhas que constituem a sociedade em todas as suas dimensões, subjetividades e institucionalidades.

Dessa forma, reiterando os ditos e escritos de Foucault (1999), é preciso empreender uma analítica do poder não restrita à dimensão econômica, tomando-o como uma produção imanente, que perpassa todos os processos de constituição da realidade e que se tece por relações entre forças. Nessa perspectiva, ainda que em “guerras silenciosas”, as relações entre forças estão postas e inseridas “[...] nas instituições, nas desigualdades econômicas, na linguagem, até nos corpos de uns e de outros”. (FOUCAULT, 1999, p. 23).

Segundo este autor, são duas as hipóteses constituídas pela liberação do poder de sua “funcionalidade econômica”. A primeira, seria a de que o mecanismo de poder é a repressão. Esta hipótese, “comodamente”, Foucault (1999) chamou de “Reich”, “hipótese

repressiva” 65. A segunda, que ele denominou de “hipótese de Nietzsche”, seria a de que o “[...] fundamento da relação de poder é o enfrentamento belicoso das forças.” (p. 24).

65Ao discutir “O problema de Foucault e o exame da hipótese repressiva”, Gadelha (2009, p.43) aborda algumas

indagações de Foucault em torno da “hipótese repressiva”, indicando que esta estaria vinculada “[...] à

desconfiança de Foucault em se analisar a ação do poder a partir de uma perspectiva economicista e a partir do modelo jurídico-político da soberania”, fato que o instiga a pensar os modos de como o poder vem sendo operado para além dessas referências e limites.

Ao abordar estas hipóteses, Foucault (1999) põe em discussão dois grandes sistemas de análise do poder. O primeiro, constituindo o “esquema contrato-opressão”, delineado pelos filósofos do século XVIII, na marcação temporal da sociedade de soberania, que estabelece o poder político como

[...] direito original que se cede, constitutivo da soberania , e tendo o contrato como matriz do poder político. E haveria o risco de esse poder assim constituído, quando ultrapassa a si mesmo, ou seja, quando vai além dos próprios termos do contrato, tomar-se opressão. Poder-contrato, tendo como limite, ou melhor, como ultrapassagem do limite, a opressão. (FOUCAULT, 1999, p. 24, grifos meus).

O segundo, que analisa o poder político sob a perspectiva do “esquema guerra-

repressão”. “A repressão nada mais seria que o emprego, no interior dessa pseudopaz solapada por uma guerra continua, de uma relação de força perpétua”. (FOUCAULT, 1999, p. 25). Repressão como mecanismo de dominação, o qual pode ser manifesto de forma velada e até consentida, mediante processos de sujeição. Trata-se, então, de não mais tomar o exercício do poder em seu abuso, em seu limite de ultrapassagem, produzindo violência e opressão, mas em seu efeito gerador de uma relação de dominação.

Portanto, dois esquemas de análise do poder: o esquema contrato-opressão, que é, se vocês preferirem, o esquema jurídico, e o esquema guerra-repressão, ou dominação- repressão, no qual a oposição pertinente não é a do legítimo e do ilegítimo, como no esquema precedente, mas a oposição entre luta e submissão. (FOUCAULT, 1999, p. 24).

Em diálogo com estes esquemas, como forma de problematizar a produção da saúde pelo regime de cidadania constitucional, retomo, aqui, a análise que Foucault (2014a)66 fez da seguridade social francesa, onde fala da constituição do duplo infernal, “segurança-dependência”. Como uma das faces perversas da dependência, aponta para a exclusão de pessoas ou grupos que não querem ou não podem se submeter ao modo de vida imposto para a sua inclusão no sistema de cobertura social.

Nesse sentido, o jogo institucional, constituído por este sistema de cobertura social, opera sob a lógica da “guerra-repressão” com efeitos de relações de dominação, onde os indivíduos para se sentirem assegurados devem, necessariamente, se submeter ao modo, ou modos de vida, dialogável com o conjunto de regras e normas estabelecidas. Há, dessa forma, uma

66Refiro-me à entrevista “Um sistema finito diante de um questionamento infinito”, com discussão já iniciada nesta Tese.

submissão ao ato de dominação. De ‘extração consentida’ da autonomia e constituição da dependência. Um processo velado em modos de “guerra-repressão”.

Em que pesem as diferenças entre o Brasil e a França, penso ser possível e potente fazer tais intercessões foucaultianas. Na produção maquínica do SUS, perpassa a constituição de jogos institucionais e normativos que produzem o regime de cidadania constitucional e, nele, a garantia da seguridade social (Brasil, 1988), instituindo o sujeito de direito e o direito universal à saúde.

Não se tratam de jogos que utilizam de movimentos explícitos de opressão, indo ao limite da lei para assegurar os interesses do soberano. Mas, sim, de jogos de poder que constituem, ‘pacificamente’, subjetividades ‘cidadãs’ sujeitadas, submissas à dominação das regras institucionais, como forma de assegurar seu direito à saúde.

Dizem às pessoas: “Vocês não podem consumir indefinidamente” E quando a proclama: “Você não tem mais direito a isso”; ou então: “Para tais operações vocês não serão mais cobertos”; ou ainda: “Vocês pagarão uma parte das despesas de hospitalização”; e na pior das hipóteses: “Não servirá de nada prolongar sua vida em três meses: vamos deixá-lo morrer ...” então o indivíduo se pergunta sobre a natureza de sua relação com o Estado e

começa a experimentar sua dependência diante de uma instituição, cujo poder de decisão ele havia até então avaliado mal. (FOUCAULT, 2014a, p. 126-127, aspas do autor).

Um processo velado de “guerra-repressão”, assegurado pelo regime de cidadania constitucional, interessando, então, o como e com quais mecanismos operadores as relações de poder produzem tal dependência, coagindo os sujeitos à modos de existência adequados aos jogos e às regras institucionais do SUS. Estas, são questões que reverberam as lentes da arqueogenealogia acopladas na produção desta Tese.

Considerando a importância de adentrar, um pouco mais, no deslocamento que Foucault (1999) provoca com sua genealogia do poder, indo para além da sua recusa à perspectiva analítica de viés economicista, faço uma breve abertura, na subseção a seguir, para abordar sua problematização dos fatores tradicionais utilizados na análise do poder. São eles: o triângulo poder, direito e verdade” e a “tríplice preliminar”, envolvendo as concepções de sujeito, de unidade e de lei. Engrenados entre si, estes fatores formam a sociedade de soberania, cujo esquema de análise do poder está centrado na ideia do “contrato-opressão”. (FOUCAULT, 1999; GADELHA, 2009).

Tratam-se de construções teóricas que situam o leitor, potencializando sua compreensão em torno da genealogia do poder, produzida por Michel Foucault, que se nutre da lógica do esquema “guerra-repressão” e pelo engate com a arqueologia do saber. Portanto, em relações de poder-saber.

3.2.3.1O deslocamento da analítica tradicional do poder, operada na sociedade de soberania, para ver-dizer a genealogia do poder por lentes foucaultianas

Gadelha (2009), ao escrever sobre a “Soberania, Disciplinas e Dispositivo da

Sexualidade”67, em diálogo com Foucault (1999), indica que

[...] o “projeto geral”68 de Foucault supunha também um esforço em desembaraçar a análise política do poder de outros fatores, caros à tradição [...] Todos esses fatores articulados entre si, sustentam em maior ou menor medida uma sociedade concebida politicamente em termos de soberania. (GADELHA, 2009, p. 31, aspas do autor).

Fatores, esses, que se situam

[...] entre dois pontos de referência ou dois limites: de um lado, as regras de direito que delimitam formalmente o poder, de outro lado, a outra extremidade, o outro limite, seriam os efeitos de verdade que esse poder produz, que esse poder conduz e que, por sua vez, reconduzem esse poder. Portanto, triângulo: poder, direito, verdade. (FOUCAULT, 1999, p. 28, grifos meus).

O “triângulo poder, direito e verdade” remete a uma outra “questão tradicional”, vinculada à filosofia política e denominada por Foucault (1999, p. 51) como a “tríplice

preliminar”, que envolve as concepções de sujeito, de unidade e de lei. Entretanto, abordando o “triângulo poder, direito e verdade, Foucault (1999) não o indaga e o problematiza pelo conteúdo e expressão, tradicionalmente, constituído e operado pela sociedade de soberania, assim dito: “[...] como o discurso da verdade ou, pura e simplesmente, como a filosofia, entendida como o discurso por excelência da verdade, pode fixar os limites de direito do poder?” (p. 28).

Gadelha (2009, p. 32), referindo-se à esta indagação e problematizando sua constituição, assinala que “discurso da verdade”

[...] em causa é a filosofia jurídica, a teoria do direito, neste caso, o que se conhece

por Jusnaturalismo ou Doutrina do Direito Natural. O “poder” em questão, por sua

vez, é o poder régio (do Rei). A “verdade”, por fim, diz respeito à fixação da legitimação deste poder régio. Uma vez identificados os termos, Foucault nos aponta que a forma como foi estabelecida a relação entre eles é justamente o que irá

67Este título refere-se ao Capítulo 2 do livro de sua autoria, “Biopolítica, governamentalidade e educação: Introdução e conexões, a partir de Michel Foucault”. (GADELHA, 2009).

68Associado ao “projeto geral” há uma nota de rodapé que informa: “Apesar do termo, utilizado pelo próprio Foucault, ele mesmo faz questão de deixar claro que suas pesquisas, a partir do início dos anos 1970, mesmo que muito próximas umas das outras, e sem que visassem a um objetivo pré-determinado, caracterizavam-se pela fragmentação, descontinuidade e repetição. Cf. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (19751976). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 6”. (GADELHA, 2009, p. 31).

posicionar o problema da soberania ou, em outras palavras, o modo como poder, direito e verdade se encontram agenciados nas sociedades de soberania [...]. (Aspas do autor e grifos meus).

Assim, Foucault (1999, p. 28), interessado em problematizar a soberania, acaba por fazer outros questionamentos:

[...] quais são as regras de direito de que lançam mão as relações de poder para produzir discursos de verdade? Ou ainda: qual é esse tipo de poder capaz de produzir discursos de verdade que são, numa sociedade como a nossa, dotados de efeitos tão potentes? (FOUCAULT, 1999, p. 28).

Com estas indagações, Foucault (1999) discorre que a edificação jurídica, construída e operada na Idade Média, nas sociedades ocidentais, tinha como centralidade o poder régio. Sua constituição destinava-se a justificação legal do exercício do poder do soberano. O monarca podia proferir sentenças inquestionáveis e verdadeiras sobre a vida e a morte de seus súditos.

Gadelha (2009) argumenta que, mais tarde, a necessidade presente foi a de limitar o poder régio. Dessa forma, “[...] os teóricos contratualistas do século XVIII (Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau) se empenharão em outra tarefa, isto é, a de buscar fundamentar os limites desse poder, estabelecendo quais seriam suas prerrogativas de direito. (p. 32, grifos meus).

Pondo em análise os modos de exercício do poder régio, antes e depois dos contratualistas, Gadelha (2009, p. 32-33) aponta que:

No primeiro caso, em que a afinidade e cumplicidade entre o direito e o poder régio aparecem de forma mais explícita, a verdade é produzida pelo primeiro para legitimar o segundo; no segundo caso, por seu turno, o “edifício jurídico”, como que fugindo ao poder régio, busca, através de uma variante desse primeiro tipo de produção de verdade (teorias do contrato social), estabelecer seus limites, prevenindo eventuais desmandos de sua parte – caso em que se configuraria a opressão. (Grifos meus, aspas do autor).

Esses modos de operar o poder indicam, que os juristas “[...] tenham sido os servidores do rei ou tenham sido seus adversários, de qualquer modo sempre se trata do poder régio nesses grandes edifícios do pensamento e do saber jurídicos.” (FOUCAULT, 1999, p. 30, grifos meus).

Daí, então, Foucault (1999) tomar tal perspectiva como constituinte do “problema

desses fatores tradicionais e, nesse sentido, propor um outro jeito de ver-dizer e proceder a analítica do poder pelo problema da soberania.

Dizer que o problema da soberania é o problema central do direito nas sociedades ocidentais significa que o discurso e a técnica do direito tiveram essencialmente como função dissolver, no interior do poder, o fato da dominação, para fazer que aparecessem no lugar dessa dominação, que se queria reduzir ou mascarar, duas coisas: de um lado, os direitos legítimos da soberania, do outro, a obrigação legal da obediência. O sistema do direito é inteiramente centrado no rei, o que quer dizer que é, em última análise, a evicção do fato da dominação e de suas consequências. (FOUCAULT, 1999, p. 31, grifos meus).

Nesse sentido, Foucault (1999) traça um caminho de discussão de como o discurso do direito foi utilizado como instrumento de dominação. Para além disso, como, até onde e sob que forma” o direito mediou e viabilizou relações de dominação. Ao dizer direito, o autor pensa “[...] não somente na lei, mas no conjunto dos aparelhos, das instituições, regulamentos que aplicam o direito”. (p. 31).

Trata-se, assim, de ver-dizer e proceder uma analítica do poder, cujo exercício agenciou a institucionalização do direito e de seus mecanismos de fabricação e de operação da verdade, ramificando, extensiva e silenciosamente, seus efeitos de dominação na sociedade. Foucault (1999) se refere a constituição de múltiplas formas de dominação a permear o tecido social, não do “[...] rei em sua posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas; não a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas sujeições que ocorreram e funcionam no interior do corpo social.” (FOUCAULT, 1999, p. 32).

O sistema do direito e o campo judiciário são o veículo permanente de relações de dominação, de técnicas de sujeição polimorfas. O direito, é preciso examiná-lo, creio eu, não sob o aspecto de uma legitimidade a ser fixada, mas sob o aspecto dos procedimentos de sujeição que ele põe em prática. Logo, a questão, para mim, é curto- circuitar ou evitar esse problema, central para o direito, da soberania e da obediência dos indivíduos submetidos a essa soberania, e fazer que apareça, no lugar da soberania e da obediência, o problema da dominação e da sujeição. (FOUCAULT, 1999, p. 32, grifos meus).

Em relação a outra face da tradição filosófica, a “tríplice preliminar”, que envolve as concepções de sujeito, de unidade e de lei, também, perpassada pela crítica ao modelo jurídico da soberania, Gadelha (2009, p. 35) aponta que o incômodo de Foucault reside em três ideias questionáveis e incompatíveis com sua genealogia do poder.

Em primeiro lugar, a ideia de um ciclo que parte do sujeito - tomado aqui, em termos apriorísticos, como indivíduo naturalmente dotado de direitos, capacidades etc. - e que a ele não só pode como deve retornar, mas, então, entendendo-o como sujeito sujeitado

numa relação de poder (através, por exemplo, de uma relação contratual, que lhe conferiria o estatuto de cidadão). Em segundo lugar, a ideia de que haveria uma unidade fundamental, fundadora de poder (o monarca, o Estado), em torno da qual gravitariam

outras “capacidades, possibilidades, potências”, passíveis de serem qualificadas como

poderes - politicamente falando -, desde que submetidas a essa unidade ou dela derivadas. Em terceiro lugar, a ideia de que um poder político tem sua constituição assegurada, mais do que pela lei, por uma espécie de “legitimidade fundamental, mais fundamental do que todas as leis, e que é um tipo de lei geral de todas as leis” (aspas com referência à Foucault, 1999, p. 50). Nesses termos, diz Foucault, tudo se passa como se, para que seja possível entender e pensar o poder, fosse necessário partir de um

“tríplice primitivismo”: de um sujeito que deve ser sujeitado, de uma unidade do poder

que deve ser fundamentada e de uma legitimidade do poder que deve ser respeitada (citando Foucault, 1999, p. 50).

Assim, ao invés de destacar os elementos da “tríplice preliminar” em fortalecimento da soberania, Foucault (1999) concentra a análise do poder nas relações e nos mecanismos de dominação, operados pelo esquema “guerra-repressão”. Para isso, o autor aponta três questões, que traçam sua genealogia de poder. Questões, estas, correlacionadas às três ideias incompatíveis e interrogáveis postas anteriormente por Gadelha (2009), em diálogo com Foucault (1999).

A primeira, reporta-se à ideia de uma teoria da dominação, ou dominações, em substituição a da soberania. “Em vez de fazer os poderes derivarem da soberania, se trataria muito mais de extrair, histórica e empiricamente, das relações de poder, os operadores de dominação”. (FOUCAULT, 1999, p. 51). Assim, não se perguntaria mais aos sujeitos “[...] como, por que, em nome de que direito eles podem aceitar deixar-se sujeitar, mas mostrar como são as relações de sujeição efetivas que fabricam sujeitos”. (FOUCAULT, 1999, p. 51, grifos meus).

A segunda questão, refere-se ao fato de ver-dizer às relações de dominação em sua multiplicidade, diferença, especificidade ou em sua reversibilidade. Isto é, não olhar a soberania como o eixo originador de poderes, mas perceber as relações de derivação e de apoio que os operadores de poder mantêm entre si, remetendo-se uns aos outros. Não há uma unidade global – soberana - a emitir ondas de poderes, mas, sim, uma multiplicidade de sujeições que atravessam os sujeitos, em relações de dominação, socialmente, produzidas, portanto, perpassando às instituições. (FOUCAULT, 1999; GADELHA, 2009).

Por último, é preciso procurar, descrever e analisar os “instrumentos técnicos” por meio dos quais são operadas e garantidas as relações de dominação, e não mais, buscar na fonte do poder soberano aquilo que lhe confere legitimidade. (FOUCAULT, 1999; GADELHA, 2009). Dessa forma, o que Foucault (1999) põe em engrenagem é a maquínica do poder para a produção de dominação e de sujeição, refutando a as lentes e o olhar utilizados pela filosofia política tradicional, operados pela tríplice preliminar” e pelo “triângulo poder, verdade,

“A fabricação dos sujeitos muito mais do que a gênese do soberano: aí está o tema geral”, [que ele, Foucault, estaria se dedicando]. (FOUCAULT, 1999, p. 52, grifos meus). A fabricação dos sujeitos, no entre das relações de poder, que acontece perpassada pela formação e institucionalização de verdades, onde

[...] somos forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e que necessita dela para funcionar; temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos condenados a confessar a verdade ou a encontrá-la. O poder não para de questionar, de nos questionar; não para de inquirir, de registrar; ele institucionaliza a busca da verdade, ele a profissionaliza, ele a recompensa. Temos de produzir a verdade como, afinal de contas, temos de produzir riquezas, e temos de produzir a verdade para poder produzir riquezas. E, de outro lado, somos igualmente submetidos a verdade, no sentido de que a

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