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Já na Grécia antiga Homero queimava enxofre para desinfectar a sua casa. Desde então, ou talvez ainda antes disso, o dióxido de enxofre (SO2), tem sido pelas suas

propriedades anti-sépticas usado como conservante em diferentes géneros alimentícios, podendo ser aplicado na sua forma gasosa pura ou por intermédio dos seus diferentes sais após dissolução em água (Wedzicha, 1984; Taylor et al., 1986; Machado et al., 2006).

O enxofre é um elemento não metálico que ocorre naturalmente no seu estado livre na forma de rocha em algumas regiões do globo terrestre, sendo o seu dióxido uma

presença constante nas zonas de actividade vulcânica, mas também os sulfitos e os sulfatos podem ocorrer naturalmente (Ough, 1993).

A obtenção de dióxido de enxofre pode conseguir-se entre outras formas através da queima de enxofre elementar, aquecimento de pirites ou redução de gesso, originando um gás incolor de odor sulfuroso e sufocante (Wedzicha, 1984; Ough, 1993).

Devido ao intenso odor que pode ser aparente em alimentos, os sulfitos são em geral empregues como conservantes temporários sendo adicionados primeiramente aos produtos crus ou semi-prontos e removidos durante o processamento pela acção do calor ou do vácuo (Machado et al., 2006).

Por serem mais fáceis de armazenar e de utilizar do que o dióxido de enxofre na sua forma gasosa ou líquida, é preferível trabalhar com os seus sais anidros de sódio ou de potássio, que são extremamente higroscópios, muito hidrossolúveis e que apresentam uma estabilidade crescente quando expostos ao ar na ordem: sulfito> bissulfito> metabissulfito (Ough, 1993).

Entendem-se por agentes sulfitantes ou sulfitos, o SO2 molecular, os iões sulfito

e os sais de sódio, de potássio e de cálcio do sulfito de hidrogénio ou do dissulfito, respectivamente bissulfito e metabissulfito (Knodel, 1997; Machado et al., 2006).

Os agentes sulfitantes são usados como conservantes em géneros alimentícios ácidos, mas também agem como agentes branqueadores inibindo as reacções de escurecimento enzimático e não enzimático e também actuam como agentes antioxidantes e redutores, facto que os torna interessantes para a indústria alimentar comparativamente a outros aditivos (Taylor et al., 1986; Leclercq et al., 2000; Ribera et

al., 2001).

Após a incorporação no alimento os agentes sulfitantes são quimicamente equivalentes, por serem todos convertidos às mesmas espécies iónicas ou não iónicas a determinados valores de pH, de força iónica, de concentração não-electrolítica e de temperatura (Wedzicha, 1992; Machado et al. 2006).

A química dos sulfitos depende dos múltiplos tipos de equilíbrio entre as várias formas de sulfito e das propriedades nucleofílicas do ião bissulfito, como se pode observar (Figura 6).

O pH do alimento é extremamente importante para a eficiência da utilização do dióxido de enxofre, como acontece, por exemplo, no vinho em que se verifica um aumento de 10 vezes na quantidade de dióxido de enxofre livre quando o valor de pH diminui de 4 para 3 (Ough, 1993).

Em alimentos com pH compreendido entre 3 e 7existe um predomínio do ião bissulfito (HSO3-), mas para valores de pH inferiores a 3 e superiores a 7 o equilíbrio é

desviado no sentido de formação de SO2 molecular e ião sulfito (SO32-) (Warner et al.,

2000).

SO2 + H2O ' H2SO3

H2SO3 ' H+ + H2SO3- pK=1,86

H2SO3- ' H+ + SO32- pK=7,18

2 HSO3- ' S2O52- + H2O pK=0,076

Figura 6 – Diferentes tipos de equilíbrio entre sulfitos (Barnett & Hie-Joon, 1998).

Parte dos sulfitos adicionados a um alimento pode ligar-se de forma reversível ou irreversível a outros compostos presentes na sua matriz, como os aldeídos, cetonas, açúcares, taninos e proteínas, e originam diferentes formas combinadas de sulfitos (Wedzicha, 1984; Machado et al. 2006)

A fracção de sulfitos que não se liga a outros compostos do alimento é definida como sulfito livre, e é constituída por um equilíbrio químico dinâmico entre as formas moleculares de SO2 e os iões SO32- e HSO3-, constatando-se que a formação de SO2 é

favorecida quando o alimento sulfitado é também acidificado (Fazio & Warner, 1990; Wedzicha, 1992; Machado et al., 2006).

Os compostos hidroxisulfonados resultantes da combinação dos sulfitos com os diferentes componentes dos alimentos, não têm acção antimicrobiana relevante; a inibição do crescimento ou os efeitos letais do ácido sulfuroso sobre os microrganismos são mais intensos quando este se encontra na sua forma não ionizada, apresentando na sua forma livre uma actividade cerca de 30 vezes superior ao verificado na sua forma ligada (Ough, 1993).

O SO2 é a única forma capaz de atravessar as paredes celulares dos

microrganismos, e este facto condiciona a actividade antimicrobiana dos sulfitos que é dependente da forma química em que estes se encontram, e justifica os melhores resultados conseguidos a valores baixos de pH (Taylor et al., 1986; Usseglio-Tomasset, 1992; Wedzicha, 1992).

Como conservantes os sulfitos são usados em vários géneros alimentícios e também na indústria farmacêutica, mas é na conservação de bebidas e frutas que tem a sua principal aplicação, principalmente no controlo de bactérias acéticas, bactérias ácido lácticas, leveduras e bolores prejudiciais cuja presenças não é desejável (Ough, 1993; Knodel, 1997; Machado et al. 2006).

As bactérias são as mais sensíveis aos sulfitoscontrariamente ao que se verifica com os fungos, sendo a eficiência do SO2 maior no controlo do desenvolvimento de

bastonetes Gram-negativos, como E. coli e Pseudomonas do que na inibição de bastonetes Gram-positivos como os Lactobacillus (Wedzicha, 1984; Ough, 1993).

São vários os processos pelos quais o dióxido de enxofre exerce a sua actividade como agente antimicrobiano, por exemplo, através do bloqueio do transporte transmembranar citoplasmático, da inibição da glicólise, da destruição de nutrientes ou da inibição generalizada do metabolismo celular (Ough, 1993).

Na carne existem naturalmente muitos compostos com os quais os sulfitos se podem ligar e que influenciam a sua actividade antimicrobiana, acrescendo o facto de alguns tipos de leveduras contribuírem também para neutralizar indirectamente a acção conservante por serem capazes de produzir determinados compostos ligantes (Visier, 1984; Ough, 1993).

Mesmo assim, a utilização de sulfitos na conservação de produtos cárneos picados permite contrariar o desenvolvimento dos principais microrganismos que costumam desenvolver-se neste tipo de produtos, Pseudomonas sp., Brochothrix

termosphacta, Enterococcus sp., Enterobacteriaceae, Lactobacilus e leveduras

oxidativas, inibição esta ainda mais pronunciada no caso da Salmonella e da

Escherichia coli (Ough, 1993).

Em carne de cabra picada consegue-se dilatar o prazo de validade de 11 a 13 dias a 7 ºC, mediante a adição de 450 ppm de dióxido de enxofre, sem que se alterem as características organolépticas do produto. De igual modo, em carne de vaca picada,

conservada a 0 ºC em embalagem permeável ao ar, com a adição de 250 ppm de dióxido de enxofre (Ough, 1993).

No caso de embalagem a vácuo utilizando película impermeável ao oxigénio, consegue diminuir-se a deterioração em salsichas frescas sulfitadas, pois a ausência de oxigénio atrasa o desenvolvimento de leveduras e a consequente produção de substância capazes de se ligar ao enxofre livre, que inibe o crescimento microbiano por maior período de tempo (Adams et al., 1987).

Também adicionando 100 ppm de dióxido de enxofre na forma de metabissulfito a carne de porco enlatada e inoculada com esporos de Clostridium botulinum, consegui- se atrasar o desenvolvimento das formas vegetativas proporcionalmente à concentração de metabissulfito adicionado (Tompkin et al., 1980).

A preservação da cor e do odor na carne é muito favorecida pela aplicação de sulfitos, que diminuem significativamente ou impedem o desenvolvimento bacteriano à superfície, porém, a principal vantagem da sua aplicação reside no seu poderoso efeito antioxidante (Ough, 1993).

O efeito antioxidante dos sulfitos é parcialmente responsável pela inibição do escurecimento não enzimático e enzimático dos alimentos. Esta capacidade baseia-se na facilidade que os sulfitos têm em sequestrar agentes oxidantes que se formam quando o oxigénio entra em contacto com os alimentos, e de reagir com os compostos intermediários da reacção de Maillard bloqueando assim a produção de pigmentos acastanhados (Wedzicha, 1984; Taylor et al. 1986; Swales & Wedzicha, 1992; Machado et al., 2006).

Os sulfitos também podem agir como inibidores de inúmeras enzimas, incluindo polifenoloxidase, ascorbato oxidase, lipoxigenase, peroxidase e enzimas dependentes da tiamina, inibindo directamente as enzimas ou interagindo com compostos intermediários impedindo a sua participação nas reacções enzimáticas (Taylor et al. 1986; Iyengar & McEvily, 1992; Warner et al., 2000).

Uma das principais desvantagens da utilização dos agentes sulfitantes em alimentos é a perda da actividade da vitamina B1 (tiamina). A destruição da tiamina ocorre devido a um ataque nucleofílico irreversível do ião bissulfito ao azoto quaternário do anel de tiazol. Além disso os sulfitos também podem agir como

catalisadores de outros nucleófilos que na sua ausência não reagiriam com a tiamina (Wedzicha, 1992; Barnett & Hie-Joon, 1998).

Até há relativamente pouco tempo, o dióxido de enxofre foi reconhecido como um aditivo alimentar cuja utilização era na generalidade reconhecida como segura, porém, relatos acerca do desencadeamento de crises de asma em indivíduos sensíveis a partir de quantidades ínfimas presentes em alimentos levou a que a este respeito se tenha mudado de opinião (Ough, 1993).

São inúmeros os efeitos indesejáveis para a saúde humana que têm sido relacionados com a ingestão de sulfitos, principalmente, anafilaxia, urticária, angiodema, hipotensão, náuseas, irritação gástrica local, diarreia e crises asmáticas em indivíduos sensíveis a sulfitos, sendo variável a quantidade necessária para desencadear reacções adversas em seres humanos (Taylor et al., 1986; Fazio & Warner, 1990; Oliveira & Guimarães, 1991; Añíbarro et al., 1992; Knodel, 1997; Warner et al., 2000).

Os sulfitos livres ou ligados actuam no organismo de forma idêntica, ocorrendo diferenças somente na intensidade e a velocidade com que as reacções de sensibilidade se iniciam ( Taylor et al., 1986; Wedzicha, 1992).

Embora os mecanismos envolvidos na manifestação de sensibilidade aos sulfitos ainda estejam pouco esclarecidos, registos clínicos permitiram verificar que certas condições médicas, como a asma severa e dependência de esteróis, estavam associadas a uma predisposição à hipersensibilidade a sulfitos e que o SO2 era o agente responsável

pelas respostas fisiológicas adversas (Knodel, 1997; Warner et al., 2000; Machado et

al., 2006).

De qualquer modo, em avaliação realizada pela “International Agency for

Research in Cancer” os sulfitos foram classificados como pertencentes ao grupo III, isto

é, não oferecem risco de carcinogenicidade para humanos (IARC, 1997).

As restrições na utilização dos sulfitos em carne poderão considerar-se excessiva se tivermos em consideração a sua utilização noutros géneros alimentícios, mas a tal facto não será alheia a capacidade que estes têm de actuar sobre a hemoglobina e a mioglobina, formando um complexo S-heme que proporciona a mesma cor vermelho vivo que a oximioglobina, que permite à carne tratada com sulfitos ter sempre a mesma cor independentemente do tempo de armazenamento, podendo assim a carne ser adulterada de modo a parecer sempre fresca (Visier, 1984; Barnett & Hie-Joon, 1998).