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Dentro do grupo de bactérias Gram-positivas que participam na deterioração da carne e dos produtos cárneos, encontra-se o Brocothrix thermosphacta, que geralmente está presente na carne fresca, e que com a crescente utilização de embalagens a vácuo ou em atmosfera modificada, se torna por vezes o microrganismo saprófita dominante nestes produtos (Holley, 2000; Guerrero & Chabela, 2000).

O facto das bactérias do género Micrococcus spp. conseguirem desenvolver-se na presença de sal, torna-as algumas vezes responsáveis pela deterioração de produtos cárneos curados como o bacon, produzindo visco, exsudado e alterações de cor. Algumas estirpes, por serem termodúricas, têm capacidade de sobreviver a processamentos térmicos e, posteriormente, na ausência de competição com outros microrganismos podem tornar-se o principal agente microbiológico de deterioração destes alimentos (Huis in’t Veld, 1996; García-López et al., 2000).

2.1.3.1.5 - Fungos

A facilidade com que os bolores e as leveduras utilizam como substratos as pectinas e outros hidratos de carbono, ácidos orgânicos, proteínas e lípidos, é em parte justificação para a frequência com que são encontrados em diversos tipos de ambiente, desde as plantas aos produtos de origem animal, solo, água e insectos (Mossel & Garcia, 1985; Mossel et al., 1995; Marth, 1998; Moss, 2000; Silva et al., 2000).

A este facto acresce-se ainda a sua tolerância a valores baixos de pH e de aw,

temperaturas baixas e presença de conservantes. Não deixa de ser notável a capacidade das leveduras na utilização de aditivos alimentares como os ácidos láctico, acético e cítrico geralmente reconhecidos como inibidores do crescimento de muitos outros microrganismos, e de algumas espécies conseguirem mesmo metabolizar alguns conservantes como o benzoato, o propionato e o sorbato (Miller, 1979; Huis in’t Veld, 1996; Statford, 2000; Thomas, 2000).

São pois muito frequentes os estragos causados em produtos alimentares por acção dos fungos, bolores e leveduras, afectando a aparência do produto mediante a

formação de visco frequentemente pigmentado, ou produzindo ácidos, álcool ou gás resultantes da fermentação de açúcares que provocam alterações de sabor e odor, diminuindo a qualidade sensorial do produto (Huis in’t Veld, 1996; Khachatourians & Arora, 2000; Moss, 2000; Sarbhoy & Kulshrestha, 2000).

2.1.3.1.5.1 - Bolores

Os bolores têm capacidade para se desenvolver em todos os tipos de alimentos, podendo ser responsáveis por alterações de sabor, produção de toxinas, descolorações, apodrecimento e formação de propágulos patogénicos ou alergénios (Mossel et al., 1995; Filtenborg et al., 1996; Moss, 2000; Silva et al., 2000).

A deterioração das características organolépticas dos alimentos resulta da acção das exoenzimas que são produzidas pelos bolores durante o seu desenvolvimento, os quais conseguem produzir uma grande diversidade de enzimas capazes de actuar sobre os lípidos, prótidos e hidratos de carbono e cuja actividade prevalece mesmo após a remoção ou destruição do micélio (Moss, 2000; Silva et al., 2000; Labadie, 2007).

Da actividade destas enzimas resultam muitos compostos responsáveis por defeitos de sabor nos alimentos, alguns deles com limiares de detecção extremamente baixos como é o caso do tricloroanisol (TCA) cuja presença no café se faz notar a partir das 8 ng/l, mas também resulta um importante contributo para a desintegração da estrutura dos alimentos (Mossel et al., 1995; Filtenborg et al., 1996; Silva et al., 2000).

Para além da deterioração visível dos alimentos, outro aspecto muito importante da actividade saprófita dos bolores é a produção de micotoxinas, sendo já conhecidas e com tendência a aumentar mais de 400, metabolitos secundários de toxicidade variável para os animais vertebrados, que variam muito quanto à sua toxicidade. Nos humanos as micotoxicoses crónicas são as mais preocupantes, sendo a acção das aflatoxinas a melhor estudada em termos toxicológicos (Filtenborg et al., 1996; Marth, 1998; Khachatourians & Arora, 2000; Soares, 2003).

Algumas micotoxinas têm acentuada actividade antibiótica, o que poderá levar ao desenvolvimento de fenómenos de resistência cruzada em bactérias, possibilitando-

lhes sobreviver à acção de muitos antibióticos usados actualmente, além de que muitas das micotoxinas actuam de forma sinérgica (Filtenborg et al., 1996; Soares, 2003).

Se bem que algumas micotoxinas estejam apenas presentes no micélio, a maioria é excretada para os alimentos onde se vai difundir mais ou menos rapidamente de acordo com as características do produto, contaminando-o total ou parcialmente. Em virtude da sua grande resistência aos tratamentos físicos e químicos a prevalência das micotoxinas nos alimentos é grande, acompanhando-os ao longo do seu processamento e armazenamento, pelo que, a utilização de qualquer matéria-prima contaminada na elaboração de alimentos vai certamente contribuir para a presença de micotoxinas no produto final (Filtenborg et al., 1996; Moss, 2000; Soares, 2003).

Sendo metabolitos secundários, as micotoxinas são individualmente produzidas por um limitado número de espécies; por exemplo, as aflatoxinas são produzidas apenas por algumas espécies próximas como Aspergillus flavus, A. parasiticus e A. nomius , e outras micotoxinas como a ocratoxina-A é produzida só por algumas espécies como

Petromyces alliaceus, Aspergillus ochraceus e Penicillium verrucosum (Filtenborg et al., 1996; Moss, 2000).

Por outro lado, um elevado número de espécies de bolores tidas como tóxicas têm capacidade para produzir um considerável número de micotoxinas diferentes, por exemplo, Penicillium griseofulvum produz patulina, griseofulvina, ácido ciclopiazónico e roquefortina-C. Põe-se mesmo a questão se haverá alguma espécie que exista naturalmente que não produza micotoxinas, sendo porém certo que o perfil e a quantidade de micotoxinas produzidas dependem sempre dos parâmetros ecológicos e de processamento característicos de cada alimento (Filtenborg et al., 1996; Soares, 2003).

Os parâmetros característicos de cada alimento, para além de restringirem as micotoxinas que poderão eventualmente ser produzidas, também determinam as espécies de bolor capazes de nele se desenvolverem. Para cada alimento geralmente não existe mais do que uma dezena de bolores com capacidade para o deteriorar, sendo frequentemente esse número reduzido para duas ou três espécies (Khachatourians & Arora, 2000; Silva et al., 2000).

Os bolores pertencentes aos géneros Aspergillus spp., Fusarium spp. e

aos géneros Fusarium spp. e Penicillium spp. o conseguem fazer a baixas temperaturas. Dentro dos bolores psicrófilos incluem-se a Botrytis cinerea, Geotrichium candidum,

Pullaria pullulans e algumas outras espécies dos géneros Alternaria spp., Monilia spp., Mucori spp., Penicillium spp., Sporotrichium spp. e Rhizopus spp. que não só se

manifestam através da sua visível presença, como também pela libertação de enzimas capazes de degradar hidratos de carbono, lipídios e proteínas com consequências negativas a nível de textura, sabor e aroma dos alimentos (Huis in’t Veld, 1996; Marth, 1998; Moss, 2000; Silva et al., 2000).

As novas metodologias com recurso ao estudo de perfis combinados de metabolitos secundários, perfis de isoenzimas, características fisiológicas e ecológicas, padrões de DNA e morfológicos, têm possibilitado discernir entre as espécies de bolores que estão presentes como propágulos e as que efectivamente têm capacidade para deteriorar o alimento (Filtenborg et al., 1996; Khachatourians & Arora, 2000; Sarbhoy & Kulshrestha, 2000).

Os propágulos constituídos por conídeos, ascósporos e fragmentos de micélio podem estar presentes pelas mais variadas razões, podendo mesmo constituir parte da microflora considerada normal no alimento, que não o deteriora e que por interacção pode mesmo impedir o desenvolvimento de outras espécies potencialmente capazes de o deteriorar (Mossel et al., 1995; Moss, 2000; Silva et al., 2000).

Nas primeiras fases dos processos fermentativos dos produtos de salsicharia fermentados são as leveduras que dominam a flora fúngica, mas após algumas semanas passam a ser os bolores a dominar. Algumas vezes, espécies como Penicillium

nalgiovense são intencionalmente adicionadas aos produtos como cultura “starter”

sendo depois responsáveis pela produção de micotoxinas e antibióticos (Filtenborg et

al., 1996; Spotti & Berni, 2007).

Cada espécie de bolor raramente aparece associada ao processo de deterioração de mais do que um tipo de alimento, o que será devido à selecção exercida pelas complicadas combinações de factores intrínsecos, extrínsecos e de processamento dos produtos alimentares, sendo apenas possível indicar a causa exacta da selecção em situação de acção extrema desse factor (Filtenborg et al., 1996; Moss, 2000; Labadie, 2007).

Assim, alimentos que sejam submetidos a formas de processamento e conservação diferentes das que habitualmente lhe são aplicadas, podem ver dramaticamente, ainda que de forma limitada, alteradas as espécies de fungos responsáveis pela sua deterioração, à semelhança do que acontece com alimentos em que intencionalmente se utilizam os conservantes ácidos sórbico, benzóico e propiónico que possibilitam que Penicillium roqueforti passe a ser o fungo mais importante na deterioração desses alimentos (Filtenborg et al., 1996; Statford, 2000; Thomas, 2000).

Deste modo, o limitado número de espécies de bolores que efectivamente são importantes para a qualidade dos alimentos simplifica as acções preventivas e de controlo que podem exercer-se, e conhecendo as espécies responsáveis pela deterioração é possível também optimizar o perfil de conservação dos géneros alimentícios, optimizar a sua produção, tomar medidas de higiene e desenvolver métodos simples de controlo analítico de pontos críticos de contaminação por bolores (Filtenborg et al., 1996; Khachatourians & Arora, 2000; Sarbhoy & Kulshrestha, 2000). A identificação dos bolores que estão associados a cada tipo de alimento é algo extremamente útil para a indústria agro-alimentar, permitindo estabelecer critérios de qualidade microbiológica, e o efectivo controlo e prevenção da deterioração dos alimentos por acção dos bolores com a consequente contaminação por micotoxinas (Moss, 2000; Silva et al., 2000; Soares, 2003; Labadie, 2007).

2.1.3.1.5.2 - Leveduras

São vários os géneros de leveduras que podem ser encontrados em produtos cárneos e à base de peixe, como por exemplo as pertencentes aos géneros Candida spp.,

Criptococcus spp., Deboramyces spp., Hansenula spp., Pichia spp., Rhodotorula spp., Saccharomyces spp., Sporobolomyces spp., Torula spp., Torulopsis spp. e Trichospora

spp., sendo o seu desenvolvimento geralmente acompanhado pela formação de dióxido de carbono, juntamente com o aparecimento de defeitos de sabor e aroma como o fermentado, o frutado e o alcoólico (Miller, 1979; Marth, 1998; Khachatourians & Arora, 2000).

É ainda de referir a capacidade de algumas leveduras do género Candida spp.,

Hanseniaspora spp., e Saccharomyces spp., conseguirem desenvolver-se a baixas

temperaturas da ordem dos -5 ºC e a -2 ºC, a valores ligeiramente acima do ponto de congelação de alguns produtos alimentares (Marth, 1998; Khachatourians & Arora, 2000).