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Os alimentos podem ser veículo de transmissão de diversos microrganismos e metabolitos microbianos algumas vezes patogénicos para o Homem, que de acordo com a sua procedência mais usual podem agrupar-se quanto à sua origem, em endógenos ou exógenos, se já existiam no alimento antes da sua obtenção ou se chegam ao alimento durante o seu processamento, conservação e utilização (Mossel & Garcia, 1985; Nicholas, 1995; Beales & Smith, 2004).

De entre os agentes endógenos destacam-se, nos alimentos de origem animal os microrganismos responsáveis por zoonoses, e em segundo plano os microrganismos causadores de doenças animais não transmissíveis ao Homem, enquanto que nos alimentos de origem vegetal os agentes endógenos não se revestem de importância por não serem patogénicos para o ser humano (Mossel & Garcia, 1985; Hubbert et al., 1996; Zeuthen & Mead, 1996).

Os microrganismos exógenos não existem no alimento no momento da sua obtenção, vão surgindo posteriormente fruto de contaminações que ocorrem ao longo do percurso até ao consumidor final, sendo este tipo de flora maioritariamente constituída por microrganismos saprófitas, mas também eventualmente por microrganismos agentes de toxinfecções alimentares (Mossel et al., 1995; Nicholas, 1995; Notermans & Barendsz, 2002).

Os agentes causadores de toxinfecções alimentares são, na sua grande maioria, de origem exógena, se bem que algumas vezes os alimentos já os podem conter originalmente, podendo o mesmo microrganismo ter em alguns casos origem exógena e noutras endógena como acontece com Salmonella spp. (Mossel & Garcia, 1985; Cox, 2000a; Notermans & Barendsz, 2002).

As doenças causadas por microrganismos transmitidos pelos alimentos, podem dividir-se em dois grupos, infecções alimentares quando o agente patogénico é um microrganismo veiculado pelo alimento que depois se multiplica no interior do tubo digestivo invadindo o hospedeiro ou produzindo toxinas, e intoxicações alimentares quando a doença é causada por toxinas pré-formadas já presentes no alimento no momento em que é ingerido (Mossel & Garcia, 1985; Mossel et al., 1995; Nicholas, 1995; Hubbert et al., 1996; Notermans, 2000; Soares, 2003).

Temos assim doenças causadas por bactérias que contaminam os alimentos e que são capazes de se multiplicar no tracto gastrointestinal produzindo enterotoxinas, de que são exemplo Campylobacter jejuni, Salmonella spp. excepto S. Typhi, Listeria

monocytogenes, Escherichia coli, Clostridium perfrigens e as causadas por bactérias

que se multiplicam no alimento produzindo exotoxinas, de que são exemplo o

Clostridium botulinum e Staphylococcus aureus (Batt, 2000c,d; Blaschek, 2000b; Rowe

& Madden, 2000; Cox, 2000a; Harvey & Gilmour, 2000).

Estas doenças, toxinfecções alimentares, resultam geralmente de dois factores, primeiro a contaminação dos alimentos com os agentes patogénicos responsáveis pela doença, segundo a deficiente conservação desses alimentos a temperaturas abusivas, que permitiram a multiplicação e o desenvolvimento dos microrganismos (Mossel & Garcia, 1985; Notermans, 2000; Notermans & Barendsz, 2002).

Analisando globalmente os surtos de toxinfecções alimentares ocorridas, verifica-se que a sua grande maioria fica a dever-se ao consumo de alimentos de origem animal, sendo as causas ou factores que determinaram a presença do microrganismo responsável no alimento, por ordem decrescente de importância, o arrefecimento inadequado de alimentos cozinhados; alimentos com algum tempo de conservação; processamento térmico insuficiente; contaminação por manipuladores infectados; regeneração não eficiente de alimentos já preparados; conservação a temperaturas permissivas; contaminação cruzada entre produtos frescos e produtos já cozinhados (Mossel et al., 1995; Nicholas, 1995; Hubbert et al., 1996; Notermans, 2000).

As doenças mais comuns transmitidas pelos alimentos são causadas por agentes biológicos, especialmente as toxinfecções alimentares devidas a bactérias patogénicas ou suas toxinas, que têm geralmente curtos períodos de incubação e se manifestam por gastrenterite aguda, estado patológico quase sempre benigno para o adulto saudável.

Porém, podem verificar-se situações complicadas, principalmente em indivíduos idosos, muito jovens ou debilitados, à semelhança do que acontece com a listeriose e o botulismo, cuja acção neurotóxica que acompanha o desenvolvimento clínico da enfermidade é, não raro, fatal (Nicholas, 1995; Hubbert et al., 1996; Notermans & Barendsz, 2002; Soares, 2003).

As contaminações fecais e as rupturas da cadeia de frio, são causas frequentes de intoxicação alimentar, porém, a adopção de medidas de higiene simples e o tratamento térmico adequado dos alimentos reduz drasticamente grande número de perigos de origem bacteriana. Importa acrescentar que a contaminação de alimentos com vírus é também causa frequente de gastrenterites e outras doenças (Nicholas, 1995; Notermans, 2000; Soares, 2003).

Durante muitos anos julgou-se que os alimentos convenientemente conservados pelo frio permaneciam seguros por se acreditar que não era possível o desenvolvimento de bactérias patogénicas, quer em número quer em quantidade de toxinas produzidas (Tauxe, 1997; Marth, 1998; Notermans, 2000).

Actualmente é do conhecimento geral que vários são os microrganismos patogénicos que se desenvolvem a temperaturas de refrigeração, sendo disso exemplos

Aeromonas hydrophila, Listeria spp., Yersinia enterocolitica, Vibrio parahaemolyticus,

estirpes não proteolíticas de Clostridium botulinum, algumas estirpes de Bacillus cereus e Escherichia coli enteropatogénica (Batt, 2000a,c,d; Bhaduri, 2000; Blair et al., 2000; Desmarchelier, 2000; Johnson, 2000).

Hoje também se sabe que alguns agentes patogénicos têm a capacidade de causar doença mesmo quando ingeridos em pequenas quantidades, como é o caso de E.

coli O157:H7, em que a ingestão de apenas dez células pode provocar uma colite

hemorrágica (Tauxe, 1997; Marth, 1998; Batt, 2000d).

Relativamente a Portugal, embora não se encontrem referências a surtos de toxi- infecções alimentares atribuídas ao consumo de produtos de salsicharia tradicional, tal não significa que estes sejam destituídos de perigo, principalmente produtos cujo processamento não inclui nenhum passo efectivo com acção bacteriostática ou bactericida e/ou a adição de conservantes, apresentando estes produtos muitas vezes características intrínsecas susceptíveis de suportar a multiplicação microbiana de agentes patogénicos (Esteves, 2005; Almeida et al., 2006; Ferreira et al., 2007).