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A água é, em muitos produtos alimentares, o principal componente, tendo cada alimento um conteúdo característico (Le Meste et al., 2006).

Dependendo da quantidade, localização e orientação, a água é crucial nos processos vitais e influencia profundamente a estrutura, aspecto e sabor dos alimentos, interferindo inevitavelmente na respectiva susceptibilidade à alteração (Fennema, 1993).

Por si só a água não é apenas um meio onde ocorrem reacções químicas e bioquímicas, é também um reagente e participa nalgumas delas; já do ponto de vista microbiológico, a água é um dos factores mais críticos e influencia decisivamente a ocorrência ou não de desenvolvimento microbiano (Lenovich, 1987; Troller, 1987; Le Meste et al., 2006).

São muito diversos os alimentos sensíveis às variações de humidade e, dependendo do sentido de transferência da humidade ou vapor de água, são inúmeras as

situações que podem ocorrer, como sejam o emurchecimento de produtos vegetais frescos, o amolecimento de biscoitos e cereais, o endurecimento do pão e a “queimadura” pelo frio da carne congelada, resultante da sublimação do gelo (Bourne, 1987; Man, 2002).

Os fenómenos de transferência de humidade e vapor de água ocorrem sempre que se verifica um gradiente de potencial hídrico; nos produtos compostos, este processo ocorre entre as várias componentes adjacentes do produto e continua mesmo a temperaturas inferiores a 0 ºC até que se atinja um equilíbrio e se anule o gradiente inicial (Man, 2002; Le Meste et al., 2006).

A água nos alimentos encontra-se retida por acção de diferentes mecanismos físico-químicos. A água não ligada constitui frequentemente a principal fracção dum alimento; pode encontrar-se livre ou retida por matrizes de moléculas que evitam a sua exsudação, comportando-se de forma muito idêntica à da água pura no decorrer dos processos de transformação dos alimentos, influenciando decisivamente a mesma, permitindo velocidades rápidas para a maioria das reacções químicas e o crescimento microbiano (Fennema, 1993; Cybulska & Doe, 2002).

Por água ligada deve entender-se a água que existe na vizinhança dos solutos e outros constituintes não aquosos, que exibe reduzida mobilidade molecular e outras propriedades significativamente alteradas, comparativamente com as da água não ligada que existe no mesmo sistema e que não congela a -40 ºC (Fennema, 1993).

A água ligada pode, por sua vez, subdividir-se em três tipos, água de constituição, água vicinal e água de multicamada. A água de constituição encontra-se fortemente ligada aos constituintes não aquosos do alimento, está situada por exemplo nos interstícios das proteínas ou faz parte de hidratos, não se encontrando disponível para reagir. Em termos de tenacidade da ligação segue-se a água vicinal, que ocupa os sítios da primeira camada dos grupos mais hidrófilos dos constituintes não aquosos, iões e grupos iónicos. Segue-se a água de multicamada, que ocupa os restantes sítios da primeira camada formando várias capas por detrás da água vicinal e que, estando menos fortemente ligada, se encontra ainda suficientemente próxima dos constituintes não aquosos para que as suas propriedades se encontrem alteradas (Fennema, 1993; Cybulska & Doe, 2002).

A água ligada não está totalmente imobilizada, sendo que à medida que aumenta o grau de ligação, diminui a velocidade com que uma molécula de água muda de lugar, sem normalmente se atingir o zero. A eventual remoção da água de constituição permitiria a autoxidação dos constituintes não aquosos, e assim, a estabilidade global será óptima quando o valor de actividade da água é coincidente com a água vicinal. Para além desse valor, o aumento do conteúdo em água está invariavelmente associado ao aumento da velocidade de quase todas as reacções (Fennema, 1993).

Ainda que importante, a água ligada nos alimentos com elevado teor de humidade está presente em quantidades relativamente pequenas, estimando-se que a água ligada aderente às proteínas oscila entre 30 a 50% do seu peso seco, considerando- -se por isso mais vantajosa a utilização do conceito de actividade da água (Cheftel et al., 1993; Fennema, 1993).

Desde 1929 que se reconhece que a estabilidade química e microbiológica dos alimentos, e consequentemente o seu poder de conservação, não está directamente relacionado com o seu teor em água mas antes com uma sua propriedade designada por actividade da água (aW) (Cybulska & Doe, 2002; Le Meste et al., 2006).

O aw é um parâmetro que exprime a fracção da água do alimento que está

disponível para participar no metabolismo microbiano, actividade enzimática, e reacções físico-químicas. É definido como a razão entre a pressão parcial de vapor de água no alimento e a da água pura à mesma temperatura (Lenovich, 1987; Sablani et al., 2007).

Como a água presente nos alimentos tem diferentes disponibilidades, a principal forma de determinar o grau de imobilização da água no alimento é mediante a determinação do valor de aw relacionando-o depois com o teor de humidade. O aw,

baseado no conceito termodinâmico de potencial químico da água em soluções, serve assim de referência para o controlo do comportamento da água no sistema constituído pelo alimento (Le Maguer, 1987, Sablani et al., 2007).

A relação entre a quantidade de água e o aw não é linear, só podendo ser obtida

analiticamente determinando o aw correspondente a diferentes teores em água a

temperatura constante. O resultado é, para a maioria dos alimentos, uma curva sigmóide denominada isoterma de sorção, que pode ser calculada para diferentes temperaturas

através da equação de Clausius-Clapeyron da termodinâmica clássica (Cybulska & Doe, 2002; Le Meste et al., 2006; Sablani et al., 2007).

Em soluções ideais, o aw pode ser relacionado com a fracção molar da água,

dependo da concentração das substâncias dissolvidas, mas, os solutos raramente apresentam propriedades ideais, havendo possibilidade de dissociação ou interacção entre moléculas. Na matriz de um alimento, todo este fenómeno se torna ainda mais complexo (Le Maguer, 1987).

O aw desempenha um importante papel no que diz respeito ao desenvolvimento

dos microrganismos, porém a influência que este factor tem sobre a sua morte e sobrevivência é complexa, existindo múltiplos factores extrínsecos e intrínsecos que influenciam esta relação, que difere para os diferentes tipos de alimento, processamento e microflora envolvida (Lenovich, 1987).

Mesmo, a valores baixos de aw, capazes de impedir o desenvolvimento

microbiano, várias reacções químicas continuam a ocorrer, podendo mesmo acelerar como as reacções de Maillard, que conduzem a perdas de lisina e ao escurecimento não enzimático e apresentam um pico de actividade para valores compreendidos entre 0,5 e 0,8, e a oxidação lipídica não enzimática que aumenta rapidamente a valores de aw

inferiores a 0,4 (Cybulska & Doe, 2002; Sablani et al., 2007).

Muitos dos processos unitários utilizados para a estabilização dos alimentos têm como objectivo, remover ou tornar inactiva a água contida nos alimentos, como acontece respectivamente, na secagem, evaporação, congelação e imobilização em géis (Le Maguer, 1987; Le Meste et al., 2006).

Na carne, o conteúdo aquoso é proveniente principalmente do tecido muscular, composto por cerca de 75% de água, cuja retenção é feita por mecanismos ainda não completamente esclarecidos. Estima-se que 5% pode estar quimicamente ligada às proteínas, 25% estará retida por capilaridade e pode ser esgotada sob pressão e 45% está firmemente retida por mecanismos ainda desconhecidos. O tecido adiposo contém apenas 10% de água, que se encontra retida nas membranas celulares dos adipócitos (Ranken, 2000).

É possível distinguir três diferentes graus de disponibilidade da água na carne. Água sem actividade, correspondendo a um aw inferior a 0,2 e que não pode ser

ocorrência de deterioração enzimática e físico-química, com um aw entre 0,2 e 0,8; e

água com uma actividade superior a 0,8 que permite o crescimento microbiano e outras reacções de deterioração, mas que é susceptível de manipulação tecnológica (Correia & Correia, 1985).

A água dos produtos de salsicharia bem como a sua disponibilidade é, pois, decorrente das matérias-primas utilizadas e dos procedimentos tecnológicos a que os produtos são submetidos no decorrer do seu processamento, passando o seu controlo pela remoção da água por desidratação ou indisponibilizando-a no seio do produto, principalmente pela adição de humectantes (Patarata, 1995a; Leistner & Gould, 2002).