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Budd em 1874 foi o primeiro a inferir que a febre tifóide era transmitida pelo consumo de água e de alimentos. Mais tarde, em 1880 Eberth apontou Salmonella Typhi como o agente etiológico da doença que foi posteriormente isolado por Graffky em 1884, tendo o nome do género sido atribuído por Ligniéres em 1900 em homenagem aos trabalhos de Dr. Salmon, desde então o género Salmonella spp. (ICMSF, 1996; Cox, 2000a; Almeida, 2008).

Existem milhares de serótipos de Salmonella spp., quase todos com capacidade de provocar doença nos seres humanos, sendo actualmente reconhecida como principal causa de febres entéricas e gastrenterites provocadas por alimentos em todo o mundo (Young, 1991; Bezirtzouglou et al, 2000; Thong et al., 2002; Almeida, 2008).

O género Salmonella spp. pertence à família das Enterobacteriaceae, que se caracteriza por ser constituída por bactérias Gram-negativas, anaeróbias facultativas, sem capacidade de esporulação, em forma de bastonete, cujas formas móveis estão providas de flagelos perítricos, capazes de degradar a glicose e de reduzir nitratos a nitritos, geralmente catalase positivas e oxidase negativas, que existem normalmente no tracto intestinal do Homem e de animais como microrganismos comensais ou patogénicos (ICMSF, 1996; Cox, 2000a; Almeida, 2008).

As bactérias do género Salmonella spp. são geralmente bastonetes móveis, excepção feita aos serótipos S. Pullorum e S. Gallinarum, sendo algumas das suas

característica utilizadas em processos de isolamento selectivo deste microrganismo. Porém, apesar da grande diversidade de marcadores fenotípicos e genotípicos, a serotipificação continua a ser a forma mais utilizada para discriminar os isolados de

Salmonella spp. (ICMSF, 1996; Soares, 2003; Esteves, 2005).

É sugerido que o género Salmonella spp. corresponde a uma só espécie, que de acordo com o código internacional de nomenclatura bacteriana deveria denominar-se por Salmonella enterica, por exemplo, Salmonella typhimurium deveria denominar-se

Salmonella enterica subsp. enterica sorotipo Typhimurium, ou de maneira abreviada Salmonella Typhimurium (Soares, 2003).

Mas também é reconhecida a possibilidade de existirem duas espécies (Cox, 2000a; Esteves, 2005), Salmonella enterica e Salmonella bongori, e seis subespécies classificadas de acordo com a homologia de ADN e os hospedeiros, Salmonella

enterica: I (enterica); II (salamae); IIIa (arizonae); IIIb (diarizona); IV (houtonae) e V

(indica).

Estão já actualmente identificados cerca de 2300 serótipos de Salmonella spp., mas, de acordo com o número de combinações possíveis entre os factores tidos em consideração na serotipificação, existe a possibilidade de ser 20.000 o número potencial de serótipos de acordo com o esquema de Kauffmann-White (ICMSF, 1996; Almeida, 2008).

O género Salmonella spp. pode causar diferentes síndromas clínicos que vão de ligeiras gastrenterites a complicadas doenças sistémicas como a febre tifóide, dependendo a evolução da doença do serótipo envolvido, se está ou não adaptado ao hospedeiro, da sua virulência e das defesas do hospedeiro, factores que influenciam a capacidade invasiva do microrganismo, como acontece nos humanos com a S. Typhi e a

S. Paratyphi A e B (Mossel & Garcia, 1985; Cox, 2000b; Bezirtzouglou et al, 2000).

Os sintomas da salmonelose do tipo não tifóide, gastrenterites na maioria das vezes causadas pelos serótipos S. Enteritidis, S. Typhimurium e S. Virchow, vão de náuseas e dores abdominais a febre, dores de cabeça, mal-estar geral, diarreia forte e algumas vezes vómito, sintomas que ocorrem geralmente 12-36 horas após a ingestão do alimento contaminado, e normalmente se resolvem em 2-3 dias, ainda que por vezes pode durar semanas, podendo o indivíduo tornar-se portador são do microrganismo (Mossel & Garcia, 1985; Hubbert et al., 1996; Bezirtzouglou et al, 2000; Soares, 2003).

Em indivíduos susceptíveis, algumas biovariedades não adaptadas ao ser humano podem adoptar carácter invasivo podendo desencadear processos mais complicados de febre entérica, septicemia e infecções localizadas, como por exemplo acontece com S. Belgdam, S. Bredeny, S. Cholerae-suis, S. Dublin, S. Panama, S. Enteritidis, S. Typhimurium e S. Virchow (Cox, 2000a; Bezirtzouglou et al, 2000).

A salmonelose é uma infecção zoonótica com disseminação global, pois a maioria dos contágios em seres humanos é proveniente de animais infectados, sendo os roedores, insectos, animais domésticos e o próprio Homem os principais reservatórios de bactérias do género Salmonella spp.. A transmissão ocorre pela via fecal-oral quase sempre através de água ou alimentos contaminados (Bezirtzouglou et al, 2000; Soares, 2003; Almeida, 2008).

Além dos reservatórios animais Salmonella spp. pode ainda estabelecer-se e multiplicar-se no ambiente sempre que se verifiquem condições que lhes são favoráveis, à semelhança do que pode acontecer com os vários equipamentos utilizados pela indústria no processamento de alimentos (ICMSF, 1996; Vieira-Pinto, 2008).

Embora exista uma larga variedade de alimentos frequentemente relacionados com a salmonelose, a maioria das vezes esta resulta do consumo de carne, produtos cárneos, aves, ovos, leite e produtos lácteos, mas também se tem verificado um aumento de surtos relacionados com o consumo de frutos e vegetais frescos muitas vezes contaminados pelo ambiente e água de rega (Young, 1991, Thong et al., 2002; Almeida, 2008).

Para os alimentos refrigerados são especialmente importante conhecer a temperatura mínima de crescimento de Salmonella spp.. A temperaturas inferiores a 15ºC o crescimento torna-se muito lento, cessando na maioria dos serótipos abaixo dos 7ºC, porém, já foi reportado o crescimento deste microrganismo a temperaturas inferiores a 5ºC, facto que pode ser preocupante em alimentos armazenados por longos períodos de tempo (ICMSF, 1996; Cox, 2000a; Hammack & Andrews, 2000).

As baixas temperaturas favorecem a morte de Salmonella spp. principalmente durante o processo de congelação, comparativamente ao que acontece posteriormente durante o tempo de armazenamento. A taxa de mortalidade é maior a temperaturas entre 0 e -10ºC do que entre -17 e os -20ºC, porém, apesar do efeito adverso e impeditivo do seu desenvolvimento, as baixas temperaturas não garantem a completa destruição da

Salmonella spp. no alimento, que em alguns casos, devido ao seu efeito protector, pode

viabilizar a sua permanência ao longo de vários anos em congelação (ICMSF, 1996; Cox, 2000a,b).

Acima da temperatura máxima de crescimento de Salmonella spp. ocorre a morte destas bactérias (49,5 ºC), com uma taxa que será tanto maior quanto mais elevada for a temperatura, sendo a temperatura máxima de crescimento especialmente importante nos produtos alimentares conservados pelo calor. Quando se pretende impedir o desenvolvimento destes microrganismos, e embora a temperatura de 55 ºC seja suficiente, é geralmente aconselhado a utilização de uma temperatura, no mínimo, de 63ºC (Nicholas, 1995; ICMSF, 1996; Cox, 2000; Hammack & Andrews, 2000).

São raras as biovariedades de Salmonella spp. resistentes às elevadas temperaturas, como por exemplo a estirpe 775W de S. Seftenberg que é considerada a mais resistente ao calor. Este tipo de resistência depende do aw, natureza dos solutos e

pH do meio, aumentando de forma inversa ao aw e diminuindo de forma directa com os

valores de pH, e em condições de aw idênticas verifica-se uma maior resistência quando

na presença de sacarose do que em presença de cloreto de sódio (ICMSF, 1996; Cox, 2000a).

Relativamente ao aw como factor limitante do seu desenvolvimento, Salmonella

spp. têm por limite mínimo de crescimento o valor de 0,940, porém, são capazes de sobreviver por um ou mais anos em alimento com baixo aw como por exemplo o

chocolate, gelatina, manteiga de amendoim e a pimenta preta (ICMSF, 1996; Cox, 2000a).

Já o valor de pH 3,8 é considerado o limite mínimo de crescimento de

Salmonella spp., diminuindo a sua taxa de crescimento a valores superiores ou

inferiores ao valor de pH óptimo (6,5-7,5), podendo morrer a valores extremos, sendo o valor de pH mínimo a partir do qual as Salmonella spp. se desenvolvem função da natureza dos ácidos orgânicos envolvidos (ICMSF, 1996; Cox, 2000; Theron & Lues, 2007).

A tolerância das Salmonella spp. à irradiação dos alimentos depende muito das características do substrato em que se encontram as células, da presença de oxigénio, que aumenta o efeito letal do tratamento, e a morte é mais rápida a temperaturas altas subletais compreendidas no intervalo de 45-55ºC; a baixas temperaturas as bactérias

tornam-se menos sensíveis aos efeitos da radiação sendo dificilmente eliminadas em alimentos congelados (Ingram & Roberts, 1980; ICMSF, 1996).

Como bactérias tipicamente Gram-negativas, as Salmonella spp. mostram-se frequentemente resistentes aos conservantes vulgarmente utilizados nos alimentos, sendo a sua inibição conseguida muitas vezes com o recurso a combinações de vários conservantes em simultâneo com baixos valores de pH e baixas temperaturas de conservação (ICMSF, 1996; Leistner & Gould, 2002).

As Salmonella spp. também sobrevivem bem em superfícies cerâmicas, vidro, aço inoxidável e na pele humana, podendo estabelecer-se e multiplicar-se, tornando-se um foco de contaminação. Porém, são rapidamente eliminadas pela maioria dos desinfectantes disponíveis comercialmente, sendo conveniente estabelecer e aplicar com eficiência um plano adequado de limpeza e higienização das instalações, superfícies de equipamentos e pessoal em contacto com os alimentos (ICMSF, 1996; Wirtanen & Salo, 2005; Vieira-Pinto, 2008).

Como a Salmonella spp. pode causar doença com um número reduzido de células, é importante garantir a sua ausência em alimentos prontos a comer, passando o seu controlo pela aplicação de um processo que elimine o microrganismo, e pela prevenção de contaminações posteriores, associada à conservação do alimento a temperaturas superiores ou inferiores às que permitem o normal desenvolvimento da

Salmonella spp. (Nicholas, 1995; Hubbert et al., 1996; Dennis et al., 2002).