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Ela era capaz de projetar uma personagem e todas as camadas da psicologia e das emoções com a voz.

Nº 8. Dido e Enéias

As oficinas cênico-teatrais eram realizadas sempre com vistas a uma apresentação em pauta e em 2002, o grupo montou a primeira ópera: Dido e Enéias (1688) de Henry Purcell (1659-1695), que teve patrocínio da COSERN59 e um público estimado de 2000 pessoas, no Teatro Alberto Maranhão. Ela foi reapresentada em 2005, também no TAM e esteve sob a regência do maestro Oswaldo D’Amore, sob a direção cênica de Márcio Rodrigues60 e contou

com legendas simultâneas, em português, que eram exibidas por um projetor. Essas apresentações divulgaram algumas das atividades da EMUFRN no que diz respeito à música clássica.

58 Léo Delibes é aluno do curso Técnico em Música com Habilitação em Canto.

59 COSERN - Companhia Energética do Rio Grande do Norte.

60 Márcio Rodrigues é graduado no curso de Licenciatura em Teatro pela UFRN, foi professor substituto do CEFET/RN e tem muita experiência dirigindo várias peças de teatro, musicais e ópera pelo Brasil, sendo o Grupo de Ópera Canto Dell’Arte a sua primeira experiência com ópera e “Dido e Eneias” foi a obra que o consagrou como diretor cênico de ópera no Brasil.

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Figura 14: Belinda tenta alegrar Dido

Fonte: acervo de imagens da autora

Essa ópera foi baseada no livro IV da Eneida, escrito pelo poeta romano Virgílio, com libreto de Nahum Tate e conta a história de amor entre a rainha cartaginense Dido e o herói troiano Eneias. Eles se casam, graças ao encorajamento de Belinda (irmã da rainha) e da Segunda Dama à Dido. No segundo ato, uma Feiticeira invoca bruxas e um elfo, para ajuda-la a destruir a rainha e seu reino e para isso, junto com as bruxas, elas lançam uma tempestade sobre Cartago e envia o elfo, que se disfarça do Deus Mercúrio, para pedir a Eneias que deixe Cartago e sua amada Dido para criar um novo reino de Tróia em outras terras. No terceiro ato, os marinheiros troianos preparam seus navios para deixarem o reino, as bruxas comemoram o sucesso de seu plano e Eneias discute com Dido, que se sente traída e desesperada por ele ter que partir e se mata, assim que ele sai do palácio.

O breve resumo acima nos mostra a presença da mitologia greco-romana, temática muito recorrente nas óperas e a música denota a forte influência dos elementos contrastantes do “claro” e “escuro”, característica predominante no período Barroco (1600-1750), época em que essa ópera foi escrita.

Na ópera, a personagem da Belinda61 seria o equivalente ao claro – uma soprano de

voz leve, com boa parte da melodia mais ágil, com maior presença de notas rápidas e melodias

61 “Shake the clouds from off your brows” (dissipas as nuvens de tua fronte), ária da Belinda, cantada logo após a abertura da ópera. A personagem está sendo interpretada pela soprano italiana Maria Grazia Schiavo e essa montagem é de 2010.

70 mais alegres – e a Dido62, equivalente ao escuro, por ser uma soprano de voz mais pesada ou uma mezzo-soprano, que tem melodias mais tristes e lentas, com maior presença de legato. Ao mesmo tempo, Dido é a parte clara (por ser uma soprano ou mezzo) em relação a Feiticeira63, que é uma mezzo ou contralto.

Na montagem que o Dell’Arte fez, a Belinda foi interpretada pela soprano Léia CrisSil64; a Dido contou com duas récitas e dois elencos – um deles com a Profa. Maria de Agosto e o outro com a Profa. Ângela Nascimento, ambas sopranos; e a Feiticeira teve a interpretação da Profa. Elke Riedel, também soprano, que foi convidada a interpretar o papel, devido à sua habilidade cênica. Para ela interpretar o papel, foi construída uma plataforma, que permitia que a professora se deslocasse com mais facilidade pelo palco, uma vez que a mesma é cadeirante.

Figura 15: Dido 1º elenco – Profa. Ângela

Fonte: acervo da autora

Figura 16: Dido 2º elenco – Profa. Agosto

Fonte: acervo da autora

62 “Thy hand, Belinda” (Tua mão, Belinda), recitativo da Dido, seguido da ária “When I’m laid in Earth” (quando eu me deitar sobre a terra), última ária da personagem, também conhecida como “O Lamento da Dido”, interpretada pela mezzo-soprano inglesa Janet Baker. A montagem é de 1966.

63 “Wayward sisters” (irmãs rebeldes) é a ária da Feiticeira, que nesse vídeos, está sendo interpretada pela contralto francesa Nathalie Stutzmann. Montagem de 1988.

64 Léia CrisSil é Licenciada em Arte com Habilitação em Música, possui Pós-Graduação em Música para a Educação Básica e é professora da Escola Municipal Professor Antônio Pinto de Medeiros, em Parnamirim/RN.

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Figura 17: A Feiticeira65

Fonte: acervo da autora

O período Barroco é onde os cantores líricos/de ópera começam a ganhar destaque pelas suas habilidades vocais e isso já muda a relação texto-musical, pois os compositores começam a inserir mais notas dentro de uma sílaba, também conhecidas melismas e/ou coloraturas, que são essas notas executadas de forma mais rápida, a fim de que os cantores pudessem exibir sua agilidade vocal. Na ópera “Dido e Eneias”, as coloraturas estão presentes na maioria das peças que Belinda canta e em alguns momentos específicos, como risadas ou para enfatizar algumas palavras como “storm” (tempestade) e “shake” (sacudir).

Naquela época, era comum a castração dos homens, para cantar numa região aguda, que é mais comum às mulheres a esses homens, dava-se o nome de castratti – essa castração ocorria quando eles ainda eram pequenos, para manter o registro infantil, que se assemelha ao registro vocal feminino. O castratto mais famoso da história foi o italiano Carlo Broschi (1705- 1782), mais conhecido como Farinelli.

Na busca pelas vozes perfeitas, o século XVII criou suas contradições: viu a ascensão e prestígio da figura dos castrati ou cantanti evirati - homens castrados na infância que aliariam o timbre agudo (apreciado quase como um fetiche na forma musical operística) com a potência muscular do homem para atingir uma vocalidade considerada única (BISCARO, 2014, p. 20).

A castração de meninos foi extinta apenas em 1878, por um decreto do Papa Leão XIII e o último castratto dos registros históricos foi o Alessandro Moreschi (1858-1922), tendo

65 Vídeo da apresentação de 2002, do Grupo de Ópera Canto Dell’Arte, com a soprano Profa. Elke Riedel,

72 deixado registro fonográfico, o único que se tem notícia. A castração chegou ao fim como uma consequência natural de preocupações estéticas e sociais, já observadas no século XIX (SIMAS, 2011, p. 15).

Como o par romântico da época era composto por vozes agudas, com o fim da popularidade dos castrati, na segunda metade do século XVIII, os compositores passaram a usar contratenores ou mulheres de vozes graves para fazer os papéis atribuídos a eles (FARAH, 2012, p. 19) e, atualmente, o personagem do elfo da ópera “Dido e Enéias” pode tanto ser interpretado por uma soprano, quanto por um contratenor. No caso do Dell’Arte, optou-se que o contratenor Rodrigo Tavares66 fizesse o papel.

Entretanto, não existe um consenso quanto à data de composição e da estreia da ópera, mas, muitas vezes, a primeira apresentação é atribuída a um colégio de meninas, dirigido pelo coreógrafo do Teatro Real, Josias Priest, o que explicaria a simplicidade das músicas escritas por Purcell, logo, é possível que o elfo tenha sido interpretado por uma menina. Não existem registros de quem teria interpretado o Eneias.

Eu entrei no grupo algum tempo após eles apresentarem essa ópera (por volta de novembro de 2005) no qual, infelizmente, não tive a chance de assistir ou de participar.

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66 Rodrigo Ozório Tavares possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UnP, tem experiência na área de

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