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Capítulo II: Acção da Direcção dos Estudos Menores e da Real Mesa Censória

2.2. A Direcção Geral dos Estudos Menores no Reino e no Ultramar

2.2.3. A difícil gestão além-mar

Existiu um longo hiato desde a extinção do sistema escolar jesuíta – cujas aulas foram encerradas com o decreto de 3 de Setembro de 1759 - e a implementação das aulas régias. Para mais, os Padres da Companhia foram deportados em datas distintas: os do Rio de Janeiro a 15 de Março do mesmo ano, os da Bahia a 19 de Abril, os do Recife a 1 de Maio, os do Pará a 12 de Setembro147.

Os métodos e os programas referentes à educação no Brasil não contaram, apesar de tudo, com nenhum tipo de diferenciação se compararmos com os aplicados no Reino. Se se considerar a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa junto dos ameríndios, não existiu um empenho particular da Direcção dos Estudos ou da Real Mesa Censória na observação deste ponto em concreto do Directório dos Índios. Como o ensino de primeiras letras junto das comunidades indígenas se encontrava directamente implicado pela própria erecção de vilas no lugar onde anteriormente existiam índios aldeados pelos jesuítas, tratava-se de “pelouro direto e exclusivo dos Governadores e Ouvidores, enquanto o restante caía na alçada da reforma.”148

Nos primeiros tempos desta viragem educativa, o ensino elementar, no que respeita ao ler, escrever e contar, estava longe de se apresentar devidamente estruturado. Na informação remetida a 18 de Novembro de 1760 pelo comissário de estudos da Madeira, achamos testemunho do estado da educação no período imediatamente após a expulsão dos jesuítas. Graças a este documento, poderemos ter uma percepção de como se procedia ao pagamento dos mestres – facto que aí surge com grande pormenor – assim como se procedia à eleição dos examinadores. Ganha particular relevo por ali se

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Relação de datas proposta por Banha de Andrade, sustentando-se em Serafim Leite, no vol. 7 da História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 344. ANDRADE, A. A. Banha de, A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários no Brasil, p. 5.

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mencionar uma série de dificuldades, nomeadamente a inexistência de professores e a constituição de turmas com centenas de alunos:

“Os Estudantes, que nesta Ilha se applicão a Grammatica Latina seram com pouca diferença outo centos, quatro centos nesta Cid.e, e os mais pelas villas, lugares e freguesias da mesma Ilha, e se no tempo de El Rey o Senhor D. Sebastiam eram super abundantes duas classes para os Estudantes daquelle tempo, hoje, q. sam muitos mais sem comparação, me parece muito necessario serem tres, para poderem commodamente estudar nas aulas, e se poderem ajudar huns aos outros por impedimento, ou infirmid.e de algum delles [...]”149

Este comissário sublinha por diversas vezes a necessidade de se obrigar os professores de gramática latina a ensinar, cumulativamente, primeiras letras:

“Asĩ nam há quem ensine, nem a ler, nem a escrever; pela qual razam muito necessita de hum Mestre de Grammatica Latina, que ensine juntamente a ler, e escrever, a esses poucos, q. se quiserem applicar, e crear p.ª o serviço daquella Igr.ª, para que seja menos penozo aos Senhores Bispos o serviço della. E ali os que se aplicarám ao estudo, havendo M. e, não passarám de des [sic], athé doze, e a ler, e escrever seram obrados.”150

De modo análogo, é natural que se tenha optado por esta estratégia noutros quadrantes do império, de forma a minorar as carências sentidas no provimento de mestres de primeiras letras.

Se atendermos ao espólio remanescente no Arquivo da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, deparamo-nos com uma série de documentos relativos à Directoria dos Estudos Menores, de ordem financeira, nomeadamente dando conta de despesas de venda de livros e seu carregamento nas naus, compra de material diverso a ser expedido. Tal fundo permite-nos, além do registo contabilístico, identificar com pormenor o tipo de obras expedidas. No que se refere ao ensino das primeiras letras, não consta qualquer título de obra impressa. A juntar este facto à ausência de uma tipografia no Brasil até à centúria seguinte, torna-se inteiramente óbvio o recurso frequente a cópias manuscritas, um pouco ao jeito da Breve instrucçam para ensignar a Doutrina Christãa, Ler e escrever aos Meninos e ao mesmo tempo os principios da Lingoa Portugueza e sua Orthografia, datada de cerca de 1760151. De resto, foi este o modelo de gramática-

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Carta do Cónego Pedro Pereira da Silva para o Director dos Estudos, D. Tomás de Almeida. Funchal, 18.11.1760. AGAL, n.º 175, documento 17, 2v-3f.

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Carta do Cónego Pedro Pereira da Silva para o Director dos Estudos, D. Tomás de Almeida. Funchal, 18.11.1760. AGAL, n.º 175, documento 17, 2f-2v.

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Anexado a um ofício do governador da capitania de Pernambuco, Luís Diogo Lobo da Silva, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre a erecção de vilas nas antigas aldeias dos índios. Datado de 6 de Março de 1759, Recife. AHU_ACL_CU_015, Cx. 89, D. 7202.

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catecismo implementado pelo governador de Pernambuco aquando da criação das vilas indígenas e que foi usado nas escolas para meninos e meninas indígenas (tendo estas um currículo diferenciado, como se aprofunda na Quarta Parte).

Constata-se ainda que existe um notório investimento na difusão das Instruções, achando-se aqui notícia da sua expedição para o Brasil logo desde 1759, como no-lo comprova um “Extracto, e rezumo de tres carregaçoens de Livros pertencentes à Directoria g.al dos Estudos”, enviados para o Rio de Janeiro152

. Para além das alusões à venda dos livros, surgem por vezes referências curiosas ao funcionamento dos estudos entretanto reformados. Numa carta datada de 1762, por exemplo, dá-se conta de um fraco escoamento das obras vindas do Reino para o Rio de Janeiro, uma vez que os mestres, embora já designados, ainda não estavam colocados. Por outro lado, sublinha- se que aqueles livros se destinavam apenas a quem estivesse ligado aos estudos, menção que só se torna necessária perante a suspeição de contrabando ou de uma sua canalização para bibliotecas de particulares153. Existia, por isso, grande cuidado no

encaminhamento dos livros, estando envolvidos vários funcionários atestando a sua recepção, aparecendo como secretário da Directoria na Bahia um juiz de fora154.

Anexado a uma outra carta155, apresenta-se um inventário dando conta das obras expedidas e entretanto já vendidas em Março de 1763, destacando-se publicações associadas ao ensino do Latim.

Um outro problema que concorria com a falta de mestres era os mestres não se encontrarem a leccionar por falta de pagamento dos seus salários, além da falta de estudantes, uma vez que, na sua maioria, se encontravam a servir enquanto soldados, como se informa em Outubro de 1765 a partir do Rio de Janeiro:

“ devendo dizer a vm q a rezão porq se não tem vendido mais Livros não procede do presso [sic] porq se tem vendido [...], mas sim por não estarem extabalecidos mestres

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Conta dos livros enviada por João da Rocha dos Santos, presente no AHIN/ AINCM, Directoria-Geral dos Estudos, cx. 4, Brasil, Rio de Janeiro. Contém informação relativa aos anos 1759, 1760, 1761, 1763 e 1765.

153

Documentação identificada como se tratando de carta e conta, de João da Rocha dos Santos para Bernardo Agostinho de Mesquita, Tesoureiro da Direcção dos Estudos – correspondência recebida – entradas, n.º 3, presente no AHIN/ AINCM, Directoria-Geral dos Estudos, cx. 4, Brasil, Rio de Janeiro.

154

Carta, lista de livros e recibo de José António de Morais para Bernardo Agostinho de Mesquita, Tesoureiro da Directoria Geral dos Estudos, correspondência recebida, entradas – nº 2, presente no AHIN/ AINCM, Directoria-Geral dos Estudos, cx. 4, Brasil, Bahia.

155

Documentação identificada como se tratando de carta e conta, de João da Rocha dos Santos para Bernardo Agostinho de Mesquita, Tesoureiro da Dir. G. dos Estudos – correspondência recebida – entradas, n.º 3, presente no AHIN/ AINCM, Directoria-Geral dos Estudos, cx. 4, Brasil, Rio de Janeiro.

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com ordenados certos p.ª poderem emsinar [sic], e alem disso por não haverem estudantes, pois a mayor parte delles estão Soldados.”156

Quanto ao ensino de primeiras letras junto dos ameríndios, o Directório estabelecera que, com a erecção de vilas, se instituísse igualmente não uma, mas duas escolas públicas de ler, escrever e contar, existindo assim uma separação dos alunos por sexos. Assim, nas escolas de meninas haveria uma mestra, ao passo que nas dos meninos um mestre. Na ausência de mestra, as meninas até aos 10 anos de idade poderiam, ainda assim, frequentar as escolas de meninos157.

Os objectivos da política educativa em comunidades indígenas josefinas eram particularmente diferenciados, na medida em que se impunha a comunicação em língua portuguesa como elemento fundamental à integração do índio na sociedade colonial brasileira. Assim, as primeiras reformas de Carvalho e Melo acabariam por reforçar o disposto no Directório dos Índios, perante uma conjunção de factores em prol do desenvolvimento da instrução em primeiras letras e da obrigação do uso exclusivo da língua portuguesa, em detrimento dos idiomas nativos.

Foi ainda no período de vigência da Direcção dos Estudos Menores que se estabeleceu o ensino da língua portuguesa, até um máximo de seis meses, na aula de Latim, conforme o disposto no Alvará de 30 de Setembro de 1770. Estabeleceu-se igualmente, como obra didáctica obrigatória para tal fim a Arte de Grammatica da Lingua Portugueza de António José dos Reis Lobato. Neste mesmo diploma destaca-se uma curiosa questão de ordem didáctica: a proibição do recurso a textos de carácter judicial, como processos e sentenças,

“quer de carácter civil, quer religioso, prescrevendo em sua substituição o catecismo pequeno de Montpellier, condenado por Roma, que o arcebispo de Évora mandara traduzir para a diocese (1770)”158.

Destaque-se que, desde há vários séculos, tal prática vinha sendo condenada inclusivamente por parte das entidades eclesiásticas e civis, sobretudo junto de mestres que leccionavam primeiras letras a título particular.

156

Carta de João Alberto de Castelo Branco para José António de Costa Araújo, presente no AHIN/ AINCM, Directoria Geral dos Estudos, cx. 4, Brasil, Rio de Janeiro.

157

ANDRADE, A. A. Banha de, Contributos [...], p. 597.

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Merece-nos ainda particular atenção o facto de se achar necessário aprender o idioma materno antes de se entrar propriamente nos conteúdos linguísticos do Latim. Tal vem precisamente ao encontro do «novo método», pela simplificação das matérias e redução do número de regras que os alunos deveriam conhecer. Entendia-se igualmente que, para se perceber verdadeiramente o funcionamento da língua latina, o aluno devia antes de mais conhecer profundamente a gramática da sua própria língua.

No limiar da existência desta instituição, assistira-se, como vimos, à incorporação de novos conteúdos metodológicos e curriculares, abrindo portas para uma nova percepção do idioma materno na formação académica, sendo colocado cada vez mais em destaque. Dali por diante, enfatizar-se-iam cada vez mais os conteúdos a leccionar, a competência linguística do indivíduo no seu idioma materno – facto não imputável aos idiomas dos «gentios» das partes ultramarinas – os recursos materiais pedagógicos e o próprio perfil do professor de primeiras letras.

A criação e actividade daquela instituição que, afinal, compreendia o esforço de toda uma hierarquia, significaram um passo determinante para a gestão estatal da educação não só em Portugal, como para a Europa, onde igualmente se vinham ensaiando modelos públicos de educação.

Extinta em 1771, a Directoria-Geral dos Estudos veio a ser substituída pela Real Mesa Censória159. O seu ocaso, o ignorar constante do Rei e do seu Ministro face aos rogos de D. Tomás de Almeida, o apagamento subsequente do vigor daquela instituição fazem-nos suspeitar que o seu término significa muito mais do que um pressuposto reconhecimento da sua ineficácia operacional. Reformada a reforma, havia que encaminhar toda a documentação útil para o sucedâneo do Director Geral. Uma vez mais Pombal interveio de modo activo em mais um momento de revolução no plano educativo, desta vez procurando apostar na concentração dos poderes numa só instituição.

“A 1 de Julho de 1771, poucos dias depois da criação do novo cargo, foram remetidos ao Secretário da Real Mesa Censória «todos os livros e papéis pertencentes à Directoria Geral dos Estudos, para que a Mesa pudesse desempenhar a administração que lhe fora cometida pelo decreto de 4 de Junho».”160

159

É com o Alvará de 4 de Junho de 1771 que se atribui à Real Mesa Censória a incumbência de administrar as escolas de Estudos Menores do Reino e seus Domínios, incluindo o Colégio dos Nobres.

160

RIBEIRO, J. Silvestre, História dos Estabelecimentos Científicos, Literários e Artísticos de Portugal, tomo I, Lisboa, 1871, p. 219; apud MARQUES, Maria Adelaide, A Real Mesa [...], p. 53.

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Acreditamos que a extinção da Direcção Geral dos Estudos Menores mascarou a vergonha do Estado Absolutista por não ter conseguido equacionar devidamente os custos e exigência que imediatamente se colocaram perante a ambição de substituir a rede de colégios da Companhia de Jesus por todo o Império. Foi, por isso, mais fácil remeter todas as culpas para aquela instituição, quando deveria ter atendido, em tempo útil, às demandas feitas e procurar colmatar as carências sentidas. O reforço de medidas e legislação específica adequada, nomeadamente no concernente à nomeação de comissários e demais colaboradores com dedicação exclusiva àquela instituição, bem como uma transição menos agressiva dos métodos pedagógicos anteriores – com valorização da experiência e formação dos professores jesuítas – e um investimento claro na formação de mestres e professores teriam sido, sem sombra de dúvida, determinantes.