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Capítulo XII: Os ameríndios e o seu processo de aprendizagem

Capítulo 1 : Políticas de promoção da língua no Brasil até ao séc X

1.4. Educação moral e ensino de primeiras letras

Contrariamente ao que se possa imaginar, a aliança, nos primeiros anos de ensino, entre cidadania e aprendizagem de línguas – mesmo em termos de ensino de línguas estrangeiras – constituiu objecto de experiências de projectos interdisciplinares. Semelhantes esforços tiveram como finalidade o encorajamento de atitudes positivas nas crianças, com vista ao respeito pela diferença linguística e cultural. Alguns autores reconhecem no campo do ensino de línguas estrangeiras uma área estratégica e ideal para o desabrochar dessa consciência68.

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Além de se defender que os professores de ensino primário/1º ciclo do ensino básico estarão mais aptos a estabelecer estas conexões, por geralmente se tratar de um currículo mais generalista, em que o professor, dispondo de maior autonomia, abarca todas as áreas, destaca-se ainda a preponderância das crianças estarem mais dispostas e inquisitivas a essa descoberta do que noutras faixas etárias no percurso do ensino obrigatório. Com efeito, já Lambert e Klineberg (1967), assim como Schumann (1978) haviam sugerido que a idade em que existe maior receptividade e curiosidade pela diferença é aos 10 anos. Cf. Ann Gregory, Sally Hicks et Therese Comfort, “Citizenship and modern foreign languages in the primary school”, in BROWN, Kim et BROWN, Margot [eds.], Reflections on citizenship in a multilingual world, London, Centre for Information on Language Teaching and Research, 2003, pp. 66-73.

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Como entender a educação moral? Ao longo do tempo, esta disciplina tem vindo a conhecer diferentes cambiantes. Ora pensada com a finalidade de adaptação social, pela transmissão das normas sociais imperantes, ora no partir à descoberta de crenças e valores (próprios e da sociedade), ora esforçando-se por gerar comportamentos social e civicamente correctos, nela se foi reconhecendo um campo fértil na promoção de ideais conformes aos vigentes. Pretendemos clarificar em que termos a educação moral cristã e cívica foi perspectivada nas povoações indígenas.

Considerando, pois, existir uma idade ideal para a prática da educação para a diferença em meio escolar, entre os 9 e os 10 anos de idade, oferecendo-se a entrada na puberdade como momento a partir do qual as atitudes se tornam mais inflexíveis69 – logo, tendendo mais à resistência perante a diferença – não será de estranhar o interesse de se introduzir textos moralizantes e de carácter edificante no ensino de primeiras letras aquando das reformas de Sebastião de Carvalho e Melo. Por outro lado, a preferência dos missionários em catequizar as crianças indígenas até cerca dos 12 anos foi também no sentido de ser a fase em que estes se encontram mais receptivos à diferença – neste caso, perante um novo credo, novos códigos de conduta, uma nova língua, mesmo que não fosse o português mas uma língua geral para a sua doutrinação. Senão, vejamos:

“By introducing fundamental concepts of citizenship in primary school, pupils can, from an early age, learn to accept and celebrate „differences‟ encountered in both linguistic and cultural situations. Positive attitudes to foreign languages and to different ways of life can both be developed through an early start.”70

Longe de se encontrar desactualizada ou conotada com um modelo de ensino tradicional ou fora de moda, a educação cívica parte, hoje, à conquista da formação do cidadão consciente dos seus papéis sociais e do contexto que o rodeia. Encontraremos, talvez, no século XVIII, o seu ténue início como matéria curricular.

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Cf. HAWKINS, E., Modern languages in the curriculum, Cambridge, Cambridge University Press, 1981.

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Ann Gregory, Sally Hicks et Therese Comfort, “Citizenship and modern foreign languages in the primary school”, in BROWN, Kim et BROWN, Margot [eds.], Reflections on citizenship in a multilingual world, London, Centre for Information on Language Teaching and Research, 2003, p. 73.

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Até ao século XIX, o ensino permanecia alheado face aos ritmos de aprendizagem dos alunos, muito embora não os deixasse de distinguir de acordo com a sua proficiência nas suas aprendizagens. As próprias turmas reuniam dezenas de alunos, independentemente das suas idades e capacidades, o que deixaria os alunos com maiores dificuldades em situação de grande desvantagem. Contudo, já a Companhia de Jesus salientara a necessidade de serem admitidos somente alunos em idade até cerca dos 12, período considerado ideal e em que mais facilmente seriam doutrinados. No caso dos «gentios» do Brasil, após o século XVI, rapidamente os missionários perceberam como, ao caminhar para a idade adulta, os seus pupilos mais rapidamente esqueciam ou rejeitavam o que se lhes ensinava, sobretudo no plano catequético e civilizacional.

Essa mesma preferência, mantida no século XVIII, traduz-se, na prática, pela procura de um nivelamento dos alunos no grupo-turma, pela busca de alguma homogeneidade etária, assim como “une relative similitude des niveaux de développement physique, sócio-affectif et intellectuel”71. Ainda assim, a inauguração de um novo sistema de ensino com as reformas de Sebastião de Carvalho e Melo, assente no modelo das aulas régias e onde se assiste ao arranque, embora ténue, do ensino elementar dirigido – pressupostamente - a várias franjas da sociedade, não preconizaria ainda a diferenciação de conteúdos e de níveis de exigência dentro desse ciclo de aprendizagens, mas de um outro modo. Subliminarmente, a diferenciação era feita pelo acesso aos ciclos seguintes através de um condicionamento que subjazia às próprias capacidades e competências do indivíduo. Por outro lado, e com a necessidade premente de os próprios beneficiados contribuírem para o financiamento do sistema de ensino, a imposição do Subsídio Literário viria revelar-se um sério impedimento mesmo à escolarização mais rudimentar. O que observamos no caso das escolas de primeiras letras em funcionamento nas sete vilas indígenas em estudo não parece fugir à regra, excepto ali se encontrarem reunidos alunos indígenas, se bem que potencialmente oriundos de grupos étnicos diversos. Mas estamos num tempo em que o professor concentra em si tanto a responsabilidade como o sucesso do(s) método(s) empregue(s).

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Apesar das correntes vigentes na época, existia uma incontornável realidade sociopedagógica no quotidiano daquelas escolas em meio indígena: a diversidade linguística e cultural do grupo-turma72. A heterogeneidade dos alunos poderia, ainda, ser entendida a partir de outros elementos. Imaginando o cenário com que o professor primário se depararia no início do ano lectivo, Perrenoud recorda como factores de diferenciação: as capacidades de atenção, de trabalho e de criatividade; a habilidade ou destreza perceptiva, manual e gestual; a personalidade, as atitudes, as imagens de si, o sentimento de pertença a um grupo, a confiança em si próprio; modos e capacidades de relação e de comunicação; os saberes e as experiências extraescolares; a aparência física, a postura, o vestuário; entre outros73. O projecto civilizacional do Directório pretendia anular a diferença indígena nos seus traços culturais, na comunicação, na vivência quotidiana, até na identidade pessoal. A variedade seria antes entendida como uma Babilónia, uma situação que carecia de uma ordem, e não passível de ser valorizada e mantida, causa a que tantos missionários dedicaram as suas vidas, nem sempre com o sucesso ambicionado. Apesar da franca autoridade concedida à figura do mestre, tal não significava que os menos prevenidos não enfrentassem obstáculos difíceis de transpor. Afinal,

“La diversité pose problème dès lors qu‟on ne dispose pas – ou pas encore – des schèmes différenciés correspondants. Car alors l‟action est inefficace, voire dangereuse. Ce qui, lorsque c‟est possible, conduit à ne pas agir, à ne pas engager d‟interactions avec des personnes trop différentes de celles que l‟on pratique habituellement. »74

Do lado do aprendente, por seu turno, a coexistência forçada, durante várias horas por dia, num espaço exíguo poderia revelava-se problemática, no confronto entre grupos étnicos e linguísticos não aparentados. No espaço de algumas vilas indígenas,

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Observe-se, a título de curiosidade, as directivas do Conselho Europeu no sentido de se promover a diversidade linguística e a interculturalidade nas escolas, inclusivamente através da aprendizagem de línguas em idades precoces. Semelhantes ambições pretendem conseguir, a médio e longo prazo, uma melhor compreensão da cultura do outro, assim como de facilitar a mobilidade profissional. Reconhece-se actualmente a vantagem desse ensino na infância – envolvendo a leitura e a escrita e não apenas as competências do oral - o impacto dessa motivação precoce e a importância de se atender às línguas faladas no meio que rodeia a criança. EDELENBOS, Peter et al., Les grands principes pédagogiques sur lesquels se fonde l'enseignement des langues aux très jeunes apprenants, [Bruxelles], Commission Européenne, Octobre 2006.

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PERRENOUD, Philippe, op. cit. , pp. 65-66.

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sentiu-se a necessidade de preservar o distanciamento entre alguns povos, cuja integração num só povoado não conseguira traduzir-se numa pacífica convivência entre todos, facto que se consubstanciou na projecção da própria malha urbana. Fica em aberto como o mestre, no espaço escolar, geria esta diversidade.

Perrenoud não deixa de evidenciar que, mesmo que por vezes pareça sobressair o controlo do Estado, servindo a escola como um seu aparelho ideológico ao serviço de uma classe dominante, ainda assim subsiste uma certa autonomia relativa, se atendermos a uma análise mais fina e atenta de uma realidade mais concreta, centrada nas práticas e transacções estabelecidas no microfuncionamento do sistema de ensino75. Ao se ensaiar, no presente estudo, uma leitura historiográfica no tempo tão remoto, carecemos de alguns testemunhos e provas documentais que, com maior precisão e rigor, dêem conta das práticas ensaiadas, concretizadas e melhor ou pior sucedidas. O insucesso escolar era encarado como uma condição que excluía, de forma natural, o sujeito de um caminho que se entendia não lhe estar destinado, não originando, por isso, particular mudança nas técnicas de ensino ensaiadas pelo próprio mestre, ou sequer a adequação dos conteúdos.

No espaço das vilas indígenas, a educação das primeiras letras e da doutrina junto dos índios surgiu integrada na preparação de futuros militares das ordenanças. Os textos produzidos nas vilas em análise cerca de 1760 evidenciam bem, pela sua temática, o aproveitamento de princípios edificantes que pretendiam proporcionar a socialização dos índios, respondendo activamente às imposições do Directório dos Índios.

A própria coexistência de diferentes modelos de vida numa sociedade plural como a luso-brasileira na época das reformas pombalinas justifica e reforça, por si só, a extrema relevância da implementação, por via da educação escolar, de critérios de convivência que, por sua vez, reforçariam valores partilhados pelos bons princípios do ser-se cristão, como a integridade, a honestidade, o respeito, a disciplina, o despojamento, a bondade76. Retomemos a questão do ensino das primeiras letras dos

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Idem, ibidem, p. 62.

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Para uma definição do papel da educação moral nas sociedades actuais, Cf. BUXARRAIS, Maria et al., La Educación Moral en Primaria y en Secundaria, Madrid, Ministerio de Educación y Ciencia/ Edelvives, [1995], p. 15 e ss.

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meninos índios das escolas do governo de Pernambuco e vejamos em que medida tais assumpções poderão, efectivamente, fazer algum sentido.

A política indigenista, de forte pendor administrativo, procurara gerir o social de modo a garantir a plena integração do ameríndio na sociedade colonial, numa clara rendição da maioria a uma minoria. O projecto civilizatório patente no Directório e edições adaptadas, suas sucedâneas, enfatizara a importância da edificação cristã dos índios, a europeização dos costumes, o aportuguesamento de hábitos e rotinas. Que factores terão levado à necessidade, se não mesmo urgência de se implementar semelhante modelo? Além das razões históricas, sobejamente exploradas, como a vacância deixada nas aldeias e missões com a expulsão dos jesuítas, a criação das Companhias de Comércio, a demanda de bens e recursos com o florescimento das Minas, a sul, é possível perceber ainda a interferência de outras dinâmicas e/ou tensões:

“Las relaciones del hombre consigo mismo y com los demás pueblos, razas o confesiones; del hombre com su entorno natural y urbano; o del hombre com su próprio sustrato biológico, se convierten en problemas de orientación y de valor, que exigen que la escuela les conceda una temprana atención en la educación de sus alumnos.”77

Consideramos lícito entrever este sentido político na implementação da instrução escolar nas vilas indígenas, na medida em que, articulada com as restantes medidas, serviria, em teoria, de uma sólida base a este projecto de «civilização» e uniformização da diversidade indígena. Semelhante entendimento acentua, novamente, a estreita relação entre escola-sociedade e escola-Estado, além de o campo da doutrina cristã se oferecer como lugar privilegiado para a formação do «Homem novo» e «civilizado», construção utópica de uma alma indígena que se converte em absoluto à imagem idealizada do vassalo d‟el rei. A educação moral e cristã procura, assim, uma imposição heterónoma de valores e normas de conduta, pela adopção plena e incondicional de princípios e práticas como, de resto, era o comum entendimento na época. Estamos, ainda, longe da orientação e preparação do aluno na resolução de situações de conflito de valores, contrária a uma mera prática reprodutora ou inculcadora de valores; tão

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BUXARRAIS, Maria et al.., La Educación Moral en Primaria y en Secundaria, Madrid, Ministerio de Educación y Ciencia/ Edelvives, [1995], p. 16.

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pouco ocupa lugar central o reforço de valores como a justiça, a solidariedade, a cooperação ou o cuidado com os outros78.

Assinala-se, em todo o caso, uma clara conformidade destes princípios com a ideologia da época. Também o mestre e autor da Nova Escola para Aprender a ler e Escrever havia salientado a importância de os mestres funcionarem como modelos de virtude, honra, dignidade e bom exemplo/ bons costumes, instruindo os alunos no verdadeiro princípio da sabedoria, que se entendia estar no temor a Deus79. Deveriam, portanto, os discípulos assimilar naturalmente ou quase automaticamente estes princípios a partir do próprio mestre – de forma directa, pelas explicações que daria, ou indirecta, pelo convívio e observação da sua conduta - seu formador assim na instrução em primeiras letras, como na doutrina católica, seguindo-o em tudo de forma benevolente, passiva e conforme. A partir dos materiais concebidos nas vilas indígenas do governo de Pernambuco, constata-se, precisamente, a preferência pela cópia de textos de carácter edificante. Recordem-se alguns exemplos:

Vila de Mercejana

“A galantaria he esmalte da descrição o discreto que affecto jubilar de sezudo sem dar juizo [?]/ ao serio no descrucar o sentenciozo no dizer he./ discreto em cujo cartorio se não acha A gala/ntaria he esmalte da descrição o discreto que [sic] / Feita hoje Terca Fr.ª de menhã e aos 7 br.º de 1760 à [sic] / de Thomé de Souza Rebeiro”

“Para combater a fortaleza do homem não há inistro/mentos mais valentes que pessas de prata e ballas de ouro já se a pena faz pontaria a cubiça todo o tiro se/ logra e toda a muralha serrompe e se a cubiça tem/ algum mando na Fortaleza aos primeiros combates/ prometem renderce a/ qualquer partido. Para/ combater a fortaleza do homem não há inistromen;/ Feita hoje Sesta Fr.ª de menhã e aos 12 de 7br.º de 1760 a/ Descipullo de um/ de Jacinto Barboza de Jesus”

Vila de Arez:

“Quem na gloria quer entrar que aos bons hé prometida deve logo/ começar vida nova nova vida na celestial cidade disse o Anjo/ a Sam Joao não entrará fealdade nem nodoa de curução/ Feita hoje Sesta Fr.ª aos 22 de Agosto de 1760 annos/ Antonio Fructuozo”

Vila de Montemor-o-Novo:

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Idem, ibídem, pp. 15-17.

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FIGUEIREDO, Manuel de Andrade de, Nova Escola para Aprender a Ler, Escrever e Contar, Lisboa, Off. Bernardo da Costa de Carvalho, 1722, pp.2-5.

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“Quão bem profetizando o grão profet/a, e Rey david, dizia: assim teiras, trocan/do, qual hé a companhia do bom ou/ mao amigo, que te guia. a fferas estra/nhas, vivendo entre Monte Mor o No/vo da America 12 de Julho de 1760/ Antonio Lopes”

Mesmo nos primórdios da educação pública se sentira como objectivo e finalidade última de formação a moldagem do carácter e a potencialização de uma boa conduta moral do aluno – daí o destaque conferido à virtude. Entendeu-se, posterior e surpreendentemente, graças aos estudos de Hugh Harsthorne e Mary May, que a dita «instrução formal do carácter», mais evidente nas aulas de catequese, não confirmava, afinal um efeito prático e positivo, tanto no entendimento que faziam da moralidade, como do que realmente era a sua conduta, ou sequer da correlação entre a formação recebida e os comportamentos actuais80.

Parece-nos ser ainda mais útil como modelo de interpretação da aprendizagem dos ameríndios a teoria de Kohlberg, segundo a qual o carácter moral do Homem se desenvolve em seis estádios – um elemento, portanto, intrínseco à natureza humana, independentemente da cultura, raça, posição social ou proveniência. Semelhante teoria, correlacionada com os estádios de desenvolvimento de Jean Piaget e os estádios de desenvolvimento pessoal de Erik Erikson, permite-nos fazer uma leitura mais objectiva do ponto de vista da adequação dos conteúdos, das capacidades, motivações e necessidades do aluno, como tivemos ocasião de explorar em capítulo anterior, centrado na aprendizagem.

A moral deverá ser, então, entendida através de duas perspectivas: de um lado, enquanto conjunto de conteúdos veiculados através da educação escolar formal, sob a forma de princípios, regras e valores cuja escolha – nunca feita ao acaso - e exercício obedecem a um projecto de instrução propriamente dita, de uma política educativa, de convivência social, ou até de manutenção de um credo religioso. Por outro lado, encontra-se em causa o desenvolvimento moral do sujeito aprendente, na medida em que, de forma mais impressionista ou mais consciente, se promoverá a apreensão de um quadro de valores de acordo com as capacidades do público-alvo, sendo mais evidente a gestão da sua complexidade em articulação com a faixa etária e até o sexo. Jean Piaget

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“Desenvolvimento moral”, in SPRINTHALL, Norman et SPRINTHALL, Richard, Psicologia Educacional: Uma Abordagem Desenvolvimentista, Lisboa, McGraw-Hill, 1993, pp. 167-168.

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evidenciara o relevo deste último aspecto, na medida em que está intimamente relacionado com a capacidade do indivíduo para estabelecer certo tipo de operações mentais. Destaca, por isso :

“l‟évolution de la morale et l‟évolution de la logique sont parallèles : la morale est une logique de l‟action comme la logique est une morale de la pensée. Comprendre le développement moral de l‟enfant c‟est donc comprendre du même coup son développement logique. »81

O exercício e assimilação de semelhantes competências no contexto da educação escolar formal acabavam por se definir como uma realidade premente e necessária nos alvores da Modernidade, ainda que sujeita a uma formação catequética de matriz cristã. O facto de a consciência da obrigação moral não ser inata, de a génese das regras morais se encontrar condicionada pela qualidade das relações que o indivíduo estabelece, logo na infância, com a família, e paulatinamente com a comunidade, justificam porque, até muito recentemente, se tomava a educação moral e cívica como elemento indispensável à formação de qualquer indivíduo. Até porque a noção de regra não é individual, mas social82, decorre da convivência e do relacionamento em comunidade. Entendemos, por isso, que o ensino de primeiras letras e doutrinação cristã em português se tornaria central no domínio da «civilização» dos índios pois, além de sujeitar os índios ao uso circunscrito da língua do Rei, ofereciam um conjunto de códigos de conduta e um disciplinamento que se acreditavam necessários e facilitadores de uma bem-sucedida integração social.

81

« La règle morale chez l‟enfant » (1928), in PIAGET, Jean, L’Éducation Morale à l’École : de l’éducation du citoyen à l’éducation internationale, [colectânea de estudos], Paris, Anthropos, 1997, p. 9.

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