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Capítulo XII: Os ameríndios e o seu processo de aprendizagem

Capítulo 1 : Políticas de promoção da língua no Brasil até ao séc X

1.3. Directórios dos Índios, um projecto de monolinguismo

São bem evidentes as consequências para as populações ameríndias pelo facto de serem falantes de línguas com estatuto não oficial, sendo claramente marginalizadas. Com efeito, operara-se uma diferenciação no seu poder de actuação linguístico e social, vivendo dependentes da obrigação de falarem uma língua adicional ou do recurso a intermediários bilingues, condição análoga a línguas minoritárias ou ameaçadas de extinção36.

A sociedade de Antigo Regime patente nos diversos territórios do império ultramarino português pautara-se, até então, pela heterogeneidade: eram diversas as situações de multilinguismo e multiculturalismo, particularmente pronunciadas em

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Carta de D. Sebastião (Lx, 03.03.1568) ao Papa Pio V. apud LINS, Eugênio de Ávila, op. cit., p. 269.

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Nancy Dorian, “Minority and endangered languages” in BATHIA, Tej et RITCHIE, William [ed.], The Handbook of Bilingualism, Oxford, Blackwell, 2007, p. 437.

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zonas de fronteira ou fora dos centros urbanos, onde, por força da interacção com as instituições político-administrativas, se impusera o uso da língua do Rei. Tal correspondia, em certa medida, a uma política de miscigenação étnica e cultural e de adaptação do colonizador a novos contextos. A preocupação pela imposição do monolinguismo, consequência da afirmação dos Estados-nação do período oitocentista37, encontrara os seus alvores na centúria anterior, a que não fora alheia a política Josefina para o Brasil colonial. A convivência dos colonos com as comunidades ameríndias não cristianizadas tornava-se, nos sertões nordestinos, uma questão de cada vez mais difícil resolução, e até mesmo o poder dos missionários sobre os seus aldeamentos rivalizava com o dos governadores, capitães e as pretensões dos fazendeiros e curraleiros. Nem a política de casamentos entre portugueses e ameríndios, tal como fora delineada por D. Pedro II em salvaguarda dos direitos destes últimos, vinha surtindo qualquer efeito.

Elaborado pelo então governador do Estado do Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Sebastião de Carvalho e Melo, o Directório que se deve observar nas Povoaçoens dos Indios38 fora concebido, inicialmente, para regular a administração no norte do Brasil. Com data de impressão de 1758, rapidamente serviria de modelo para as várias capitanias do Estado do Brasil. Relativamente às capitanias adstritas a Pernambuco, ocupou-se o seu governador, Luís Diogo Lobo da Silva da adaptação daquele documento, de que conhecemos cópias enviadas ao Conselho Ultramarino. Trata-se da Direcção com que interinamente se devem regular os Indios das novas Villas, e Lugares, que S. Magestade Fidelissima manda eregir das Aldeas39. Com a imposição do Directório (e seus homólogos),

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Cf. Nancy Dorian, op. cit., pp. 438 e ss.

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Com edição facsimilada do original impresso de 1758 em ALMEIDA, Rita Heloísa de, O Diretório dos Índios: um projeto de “civilização” no Brasil do século XVIII, Brasília, Editora UNB, 1997, [apêndice final].

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Direcção com que interinamente se devem regular os Indios das novas Villas, e Lugares, que S. Magestade Fidelissima manda eregir das Aldeas pelo que pertence as q estão cituadas nesta Cappitania de Pernambuco, e suas annexas emquanto o mesmo Snr. não determina o contrario, dando nova e melhor forma para o seu regimen. Anexada ao ofício do governador, de 6 de Março de 1759. AHU_ACL_CU_015, Cx. 89, D. 7202, rolo 120.

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vincava-se a afirmação política de coesão da colónia, numa clara aspiração a um ideal de sociedade monolingue, mono-étnica, mono-religiosa e mono-ideológica40.

Para lá da ideologia subjacente à reformas pombalinas, em termos práticos assistiu-se a um maior comprometimento do Estado na educação: criaram-se aulas régias; surgiu a contratação de professores, dali por diante nomeados e remunerados directamente pelo governo português; seleccionaram-se manuais; instituiu-se a inspecção das práticas pedagógicas dos professores (muito embora até então a Igreja e as próprias autoridades civis vigiassem de perto a acção dos mestres, sobretudo no que respeitava à integração da ideologia cristã no currículo) e até o pagamento de uma «propina», o subsídio literário, fundamental para o pagamento dos professores, mas que “nunca foi cobrado regularmente, prejudicando os docentes que ficavam meses sem receber os seus honorários”41

.

É precisamente no Directório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão (datado de 3 de Maio de 1757) que nos deparamos com a primeira de várias medidas levadas a cabo por Sebastião de Carvalho e Melo em prol da reforma do ensino das primeiras letras. Neste documento, confirmado por Alvará Régio de 17 de Agosto de 1758, e assinado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, ordenava-se a criação de duas escolas públicas em todas as povoações de índios, constituindo uma prerrogativa a separação dos sexos:

“ […] haverá em todas as povoações duas escolas públicas, uma para meninos, na qual se lhes ensine a doutrina cristã, a ler, escrever e contar, na forma que se pratica em todas as escolas das nações civilizadas; e outra para meninas, na qual, além de serem instruídas na doutrina cristã, se lhes ensinará a ler, escrever, fiar, fazer renda, costura e todos demais ministérios próprios daquele sexo.“42

Conforme se acha assinalado no Directório do Pará e Maranhão, assim como na Direcção dos índios das vilas e lugares de Pernambuco, a erecção dos novos povoados deveria prever o ensino de primeiras letras junto dos ameríndios, pela instituição de

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Inspirámo-nos, uma vez mais, na perspectiva de Nancy Dorian, op. cit., pp. 441-442.

41António Carlos do Amaral Azevedo, “A Educação no Brasil Colonial (1500-1808)”, In ABE –

Associação Brasileira de Educação, 500 Anos de Ensino no Brasil: Educação no Brasil, n.º 6, Rio de Janeiro, ABE, 2000, p. 9.

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duas escolas públicas de ler, escrever e contar, um número justificado pela considerada necessária separação dos alunos por sexos. Assim, nas escolas de meninas haveria uma mestra, ao passo que nas dos meninos um mestre. Na ausência de mestra, as meninas poderiam, até à idade de 10 anos, frequentar as escolas de meninos – isto para o caso do Estado do Pará e Maranhão. Já a realidade das capitanias do governo de Pernambuco parecem exigir, assim o entende o seu governador, um limite até aos 9 anos de idade. Nestes dois tipos de escolas, à partida, os conteúdos ministrados seriam um pouco distintos: considerava-se pertinente introduzir as meninas na doutrina cristã, a par do aprender a fiar, a tecer e a bordar. Já os meninos, esses, gozariam de uma formação no ler, escrever, contar e na arte de algum ofício. Atenda-se, a este nível, à demonstração das qualidades dos alunos indígenas através do conjunto de "Materiais, amostras de rendas, fiado por donde se faz evidente o adiantamento que tem tido os rapazes Indios da Villa de [x], da Eschola de Ler, Escrever que se lhes estabeleceo” de diversas vilas indígenas, antigas missões jesuítas do governo de Pernambuco43.

Aspirando a uma difusão de valores modernos, a educação projectada por Sebastião de Carvalho e Melo não descartara, contudo, a importância dos valores cristãos. Se considerarmos as gramáticas da língua portuguesa oitocentistas, nomeadamente a de Manuel Álvares que conheceu uma estrondosa difusão já com os jesuítas, que a copiaram e adaptaram, os grandes lemas de civilidade e moral cristãos continuavam presentes. Existiu, apesar de tudo, uma manifesta diferença face às gramáticas e cartilhas quinhentistas: o facto de os exercícios de escrita e leitura não serem feitos a partir de textos bíblicos ou orações.

Saliente-se, contudo, o papel da evolução das gramáticas do português e tratados ortográficos nos métodos de ensino da leitura, bem como, naturalmente, do ensino da ortografia. Para o caso português, recordamos o contributo de humanistas como João de Barros, Fernão de Oliveira e Duarte Nunes Leão ainda no século XVI, no esforço de regulação da língua portuguesa para uma sua difusão mais concertada pelos territórios ultramarinos recém-contactados. No século XVIII, a afirmação das línguas vernáculas no panorama educativo e os novos sentidos da educação iluminista conduziriam, irremediavelmente, a novas práticas no ensino das línguas, na busca de regras mais

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objectivas e de uma visão mais prática e utilitária do código linguístico. Durante este largo período, contudo, a ortografia portuguesa conhecia registos flutuantes, sobretudo na escolha das letras para representação de sons e palavras, como se pode observar na documentação da época, variando consoante a idade do utilizador (pela tradição escolar de que seria herdeiro e tendência caligráfica em que fora formado), período, contexto e tipologia textual (nomeadamente se se tratasse de registos oficiais e pelo cargo exercido). Ainda assim, a transição do século XVII para o século XVIII pautou-se por uma caligrafia progressiva e notoriamente mais legível, em que as formas de escrita antiga tenderam a ser cada vez menos frequentes, sobretudo a partir da segunda metade de setecentos.

A questão central que se impusera tanto nos currículos como nos métodos e práticas pedagógicos empreendidos, o problema a que o ensino de primeiras letras se propusera resolver não era o da aprendizagem da ortografia mas simplesmente “apprendre à copier des mots correctement orthographiés, ce qui est différent”44

. O desenvolvimento da mera reprodução de textos e frases-modelo, a par de capacidades elementares de leitura respondia às necessidades do indivíduo na sua esfera familiar e social, por vezes bastando saber pouco mais do que assinar o seu nome. A instrução recebida pelos indígenas em primeiras letras não favorecia a sua autonomia, o domínio de regras de gramática do português, nem tão pouco a memorização da ortografia das palavras, ainda que favorecendo o contacto com léxico português, em inteira substituição e erradicação dos topónimos e antropónimos de matriz indígena.

Não passava, concordamos com Chervel, pela assimilação mental de regras e formas gráficas, mas fazia certamente uso das excepcionais qualidades dos ameríndios na reprodução exacta do material visual que se lhes apresentava. Coménio não fora alheio a esta metodologia na defesa da instauração de uma escola de língua vernácula onde as crianças seriam alfabetizadas na sua língua materna, antes de enveredarem pelo latim:

“I. Ler correntemente tudo aquilo que, em letras tipográficas ou à mão, está escrito na língua nacional.

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CHERVEL, André, Histoire de l’enseignement du français du XVIIe au XXe siècle, Paris, Retz, 2006, p. 165.

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II. Escrever, primeiro caligraficamente, depois rapidamente, e, por último, em conformidade com as regras gramaticais da língua nacional, as quais devem ser expostas do modo mais familiar, e devidamente aplicadas por meio de exercícios.”45 É bastante evidente a importância atribuída à fluência na leitura, ao passo que o sucesso da aprendizagem da escrita recaía sobre um processo que começava pelo treino da caligrafia ou correcto desenho das letras, seguindo-se a automatização motora e só por último a correcção gramatical. Acérrimo defensor da cópia, Coménio via este exercício como potenciador de uma memorização mais profunda de conteúdos e “hábito muito necessário para os estudos ulteriores e para os negócios da vida”46

.

Curiosamente, a primeira legislação reformadora do ensino das primeiras letras e, ao mesmo tempo, criadora do ensino primário oficial, surgiu, como constatamos, no âmbito do ensino da língua portuguesa em contexto ultramarino, mas não junto dos filhos dos colonos: o público aqui visado não tinha a língua portuguesa como sua língua materna.

“Entre as inovações, a secularização do ensino posta em prática visava o preparo de uma elite intelectual habilitada a atender e executar os objectivos econômicos e sociais do Estado. Um dos instrumentos para isso utilizados consubstanciou-se na criação do Diretório dos Índios, com vistas à administração dos aldeamentos indígenas. Os missionários foram substituídos por diretores leigos aos quais caberia avivar a agricultura e desenvolver uma política de matrimônios entre mestiços. Também o idioma português foi estimulado no meio indígena, associado à divulgação e à prática de costumes lusitanos. Esse projecto, no entanto, redundou num fracasso total, não tardando que os nativos fossem explorados no trabalho diário e que pouca atenção viesse a ser dada ao desenvolvimento social. Em 1798, o Diretório dos Índios foi abolido.”47

O ensino primário propriamente dito veio a ser implantado em Portugal pela Carta de Lei de 6 de Novembro de 1772. Começando por se criar uma rede de escolas públicas um pouco por todo o país – sobretudo nas povoações mais significativas, quer demograficamente, quer economicamente – a novidade não reside no facto de se ministrarem primeiras letras – o que há muito já acontecia – mas antes em o Estado assumir as rédeas da educação, um controlo que se encontrava, na sua esmagadora

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COMÉNIO, Didáctica Magna: Tratado da Arte Universal de ensinar Tudo a Todos, Lisboa, Gulbenkian, 4.ª ed., 1996, p. 428.

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Idem, ibidem, pp. 434-435.

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maioria, nas mãos da Igreja. Não seria ainda a ambição de um «ensino para todos», como tão bem destaca Joaquim Ferreira Gomes, mas antes a “convicção de que competia ao Estado a ilustração dos seus súbditos”48, muito embora algumas vozes como Coménio, no século XVII, e Verney, contemporâneo de Pombal, o reivindicassem49.

“Embora admitindo que todos os cidadãos de uma nação «concorrem na unidade da causa do interesse público e geral», o Preâmbulo da Carta de Lei de 6 de Novembro de 1772 considera que «é conforme a toda a boa razão que o interesse daqueles particulares que se acharem menos favorecidos haja de ceder ao bem comum e universal». E isso porque era convicção generalizada que a instrução não era necessária para todos os cidadãos, muito concretamente para «os que são necessariamente empregados nos serviços rústicos e nas artes fabris, que ministram o sustento dos povos e constituem os braços e mãos do corpo político», pois, para as «pessoas destes grémios» bastariam as «instruções dos párocos», ou seja, o Catecismo.”50

Como explicar, então, o interesse manifestado por Sebastião de Carvalho e Melo em instruir os ameríndios brasileiros? Pensemos, antes de mais, nas suas implicações e proveitos para a sociedade colonial de então. A erradicação definitiva das línguas indígenas – matriciais ou gerais, qualquer que fosse o seu estatuto ou natureza – colocou-se como uma medida estratégica que exigia urgente observância, de modo a superar o obstáculo da comunicação, para que tais povos não permanecessem à margem da sociedade colonial. A verdadeira ambição residia em formar as elites ameríndias, isto é, «os filhos dos principaes», para que eles pudessem contribuir para administração local, ficando directamente dependentes do Estado. Sebastião de Carvalho e Melo buscava, em seus propósitos, a imposição de uma língua e de uma cultura no Império. A idealização de uma sociedade monolingue e monocultural para o Brasil servia, acima de tudo, princípios acima de tudo de afirmação política e económica. Foi, em grande medida, bem-sucedido, conseguindo reduzir substancialmente os falantes dos idiomas

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GOMES, Joaquim Ferreira, O Marquês de Pombal e as Reformas do Ensino, 2.ª ed., Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989, p. 15.

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Contrariamente a Voltaire, La Chalotais, Martinho de Mendonça de Pina e Proença, bem como Ribeiro Sanches, os quais defendiam a educação das elites.

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indígenas, de que é viva consequência muitas terem perdido os seus falantes, condenadas ao estatuto de línguas mortas51.

Analisemos com mais detalhe as medidas propostas por este conjunto legislativo do período Josefino.

No Directório, que se deve observar nas Povoaçoens dos Índios do Pará, e Maranhaõ em quanto Sua Magestade naõ mandar o contrario (1758), demonstra-se, acima de tudo, a necessidade de se civilizar os índios, de modo a que não permaneçam bárbaros, “como se vivessem nos incultos Sertoens, em que nascerão, praticando os péssimos, e abomináveis costumes do Paganismo”52

. Sublinha-se, de forma notória, que a educação veiculada pelos Jesuítas conduzia à rusticidade e à ignorância, pelo facto de tolerar a língua e cultura indígenas, o que obstava a uma política colonial repressiva. Que método usar para contrariar a barbárie dos «brasis»?

“Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as Naçoens, que conquistarão novos Dominios, introduzir logo nos Povos conquistados o seu próprio idioma, por ser indisputável, que este he hum dos meios mais efficazes para desterrar dos Povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes; […] ao mesmo passo, que se inroduz nelles o uso da Lingua do Príncipe, que os conquistou, se lhes radica também o affecto, a veneração, e a obediência ao mesmo Príncipe.”53

Atendamos à definição de língua aqui expressa: tomando o exemplo de outras nações e impérios, a imposição da língua pelo povo dominante afigurava-se como um poderoso instrumento de vassalagem, de uma submissão linguística e cultural aparentemente pacífica.

Após teorizar em torno da solução, Francisco Xavier apresenta a sua adaptação ao contexto dos referidos Estados:

“Para desterrar este pernicioso abuso, será hum dos principáes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoaçoens o uso da Língua Portugueza, naõ consentindo por modo algum, que os Meninos, e Meninas, que pertencerem ás Escolas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucção nesta materia, usem da Lingua

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Comunidades que actualmente se auto-identificam como tendo essa matriz cultural, e tendo o português por língua materna, procuram recuperar essas mesmas línguas através de uma educação escolarizada, tutelada pelo Ministério da Educação Brasileiro /Secretaria da Educação, com currículo desenhado para o efeito.

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Directório dos Índios, p. 2.

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própria das suas Naçoens, ou da chamada geral; mas unicamente da Portugueza, na forma, que Sua Magestade tem recomendado em repetidas ordens, que até agora se naõ observáraõ com total ruína Espiritual, e Temporal do Estado.”54

Como se pode verificar, o âmbito desta lei não se cingira apenas aos ameríndios, mas a «Meninos e Meninas» de origens diversas, abrangendo deste modo filhos de colonos e escravos, proibindo-se o uso de outra língua (o que incluía a língua geral e línguas nativas, fossem elas indígenas ou africanas) que não a portuguesa. Tornava-se também clara a ineficácia de decretos e alvarás de D. José I que antecederam este Directório, onde apenas se recomendava o estudo exclusivo da língua portuguesa, sem que tal se tivesse concretizado de modo significativo. Defendendo que “esta determinação he a base fundamental da Civilidade, que se pertende”, Pombal apostara na renovação do sistema educativo, fundando escolas públicas onde Mestres dotados de “bons costumes, prudência, e capacidade”55

instruiriam as crianças na “Doutrina Christãa, a ler, e escrever, para que juntamente com as infalliveis verdades da nossa Sagrada Religiaõ adquiraõ com maior facilidade o uso da Língua Portugueza.” 56

Com o intuito de erradicar qualquer marca ou lembrança indígena, ordenou-se, então, a transformação das antigas aldeias indígenas em vilas com nomes de localidades portuguesas, para além de os índios passarem a ter um sobrenome (que até então não tinham, ou tinham nomes iguais, daí advindo grande confusão ao nível de uma sua precisa identificação e diferenciação), “havendo grande cuidado nos Directores em lhes introduzir os mesmos Appellidos, que os das Famílias de Portugal”57.

Para além do especial destaque concedido aos nativos do Brasil, não descurou aquele governador a organização das comunidades de escravos. Assim, para que o uso da língua portuguesa se efectivasse com maior profundidade, houve o cuidado de separar os escravos, de modo que indivíduos de diversas tribos e etnias não falassem o seu dialecto, antes existindo uma verdadeira babel de dialectos e falares

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Directório dos Índios, p. 4.

55 Idem, ibidem. 56 Idem, ibidem. 57 Idem, p. 6.

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dissemelhantes58. Na realidade, para comunicarem, estes escravos criaram uma espécie de “português crioulo, que uniu entre si os negros das mais diversas proveniências”59

. Num tempo em que filósofos e intelectuais em geral demandavam novas perspectivas para a educação, seria esperável que, de alguma maneira, através das reformas educacionais operadas no mundo ultramarino português, pudéssemos entrever uma presença activa do racionalismo e do empirismo na pedagogia setecentista. Junto dos índios, contudo, o que se observa não é tanto uma mudança em termos pedagógicos, se não apenas o reforço do Estado na formação e controlo dos «vassalos». Assistimos, é