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dIlerMAndO nOGUeIrA tOnI

600 candidatos. Na Faculdade de Ciências Econômicas convivi com pessoas que hoje são mui-to conhecidas na sociedade brasileira, entre elas a presidenta da República Dilma Rousseff.

Havia um ambiente de esquerda na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Mas comecei a abrir minha mente já no Colégio de Aplicação e a participar das manifestações contra a ditadura no segundo semestre de 1966, quando eu era estudante do Colégio Univer-sitário. Vendo as manifestações de hoje não se pode imaginar como era naquela época. Ia-se para a rua para apanhar e ser preso. E gritar e reagir como fosse possível. Não tinha refresco.

Aderindo à Ação Popular

Entrei para a Ação Popular (AP), em janeiro de 1967. Na minha época, em Belo Ho-rizonte, as organizações tradicionais como o PCB e o PCdoB, eram mais frágeis. Havia o pessoal da dissidência do PCB. Mas, as principais forças em disputa no movimento estu-dantil eram basicamente a AP e a Polop. A AP tinha uma presença grande. Foram meus colegas de faculdade Abel Rodrigues Avelar, Petrônio Gabriel Frade, Chiquinho Maquieira.

Esses são do PCdoB até hoje. Mas também havia o Aluísio Marques, que foi secretário da prefeitura de Belo Horizonte, a sua ex-esposa Dirlene, Marcos Gomes, que era da diretoria da UNE. O ex-ministro Nilmário Miranda, a ex-ministra Dorothea Werneck, o economista da Pontífica Universidade Católica (PUC-Rio) Rogério Werneck e o deputado José Anibal (PSDB-SP) que naquela ocasião era de esquerda. Também Alberto Duarte que foi vereador em Belo Horizonte. Quero lembrar especialmente Gildo Macedo de Lacerda que morreu assassinado pela ditadura.

Em 1967 eu havia me transformado numa liderança na Faculdade de Ciências Econô-micas da UFMG. Por isso o meu nome chegou a ser cogitado para ser da diretoria da UNE em 1968, mas eu tive de assumir outras tarefas.

Influência chinesa

Em 1967-68 a Ação Popular começou a sofrer uma influência chinesa maior. Vários camaradas – como Renato Rabelo e Ronald Freitas – foram para a China e passaram lá bas-tante tempo estudando e conhecendo o país. Mas também foi Jair Ferreira de Sá que era o principal dirigente da AP. Formulou-se então o que seriam os seis pontos estruturantes do que deveria ser uma organização revolucionária marxista-leninista.

A liderança da AP procurava compreender e definir o que era a nossa sociedade, o cará-ter da revolução brasileira, o caminho da guerra popular, a questão do partido de vanguarda etc. Por essa época a Ação Popular começava a se definir como uma organização marxista--leninista, muito simpática ao pensamento de Mao Tsé-tung. E então foi feito um realinha-mento de todo mundo que estava na AP. Nestes seis pontos residia, grosso modo, a base da unidade com o Partido Comunista do Brasil.

Um desses pontos era qual deveria ser o perfil de seus militantes. A AP tinha uma gran-de base na pequena burguesia, entre os estudantes, intelectuais e tal. E se colocava o pro-blema da guerra popular, no campo, naturalmente. Então um grande número de militantes

da Ação Popular foi para o campo com esse objetivo e também buscando uma transforma-ção ideológica a partir da integratransforma-ção na produtransforma-ção. Não era uma transformatransforma-ção ideológica a partir de um conhecimento melhor do militante das bases da teoria revolucionária prole-tária, mas sim a partir de ele se integrar na produção. Precisava ser operário ou camponês.

Era uma visão incorreta, mas foi o que prevaleceu naquela época.

Com o objetivo de me transferir para o campo, comecei a ficar cada vez mais longe dos meus estudos e da militância na minha escola. Não fui nem ao Congresso de Ibiúna em 1968 porque já estava me preparando para ser deslocado. Então foram feitas bateladas de reuniões para a escolha de áreas aonde devíamos ir. E assim foi feito.

Perseguição e clandestinidade

Já em meados de 1968 entrei para a clandestinidade. Eu já havia sido preso em Belo Horizonte em manifestação e era perseguido porque me destacava muito nos conflitos de rua. Eu era ágil e forte, pois praticava esporte. Num desses confrontos um policial ficou muito ferido. A partir desse dia passei a ser procurado pela repressão. Fazíamos muitos comícios-relâmpago pelas ruas, pontos de ônibus, na marquise da Escola de Economia etc.

Tem gente que se lembra disso até hoje. Dilma outro dia encontrou com Renato Rabelo, presidente do PCdoB, e falou: “Ah, o Diler vivia em cima de um banquinho, fazendo discur-so”. Em todo lugar nós parávamos e começávamos: “Companheiros, abaixo a ditadura, fora o imperialismo”. Além disso, fazíamos panfletagens, discursos, ações sempre muito rápidas porque a polícia logo chegava. E assim a situação foi se radicalizando.

Nessa época eu estava sendo perseguido e, por isso, sempre tinha cuidado com o lugar onde dormia, por onde andava, e procurava não dar muita bobeira, não passar por certos lugares, não andar tarde. Era sempre preciso tomar certas precauções. Nesse período cum-pri também algumas tarefas da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Estadual dos Estudantes (UEE). Lembro que a UNE me delegou, como uma de minhas tarefas, ir a Curitiba no começo de 1968, ainda como estudante, para ajudar nas mobilizações.

A luta por Saluzinho

A partir do segundo semestre de 1968, fui viver em uma área rural conhecida como Serra Azul, na Mata da Jaíba, município de Varzelândia, Minas Gerais. O objetivo era me integrar na produção e preparar uma área de guerrilha. Na viagem, passei por Montes Cla-ros e fui até Varzelândia de ônibus. De lá segui para a Serra Azul a pé por 60 quilômetCla-ros carregando uma mochila nas costas e um rádio, para saber as notícias, algum dinheiro e umas armas. Fui juntamente com um grupo bom de companheiros e por lá ficamos nove meses. Pelo rádio ficamos sabendo da edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), em de-zembro de 1968. A situação radicalizava-se ainda mais.

Trabalhávamos na roça de feijão e de mamona. Mas lá nossa grande luta foi pela liber-tação de Saluzinho – Salustiano Gomes –, líder camponês que estava preso porque havia resistido de armas na mão a uma ação de grilagem. Latifundiários tinham tentado expulsar

uns camponeses e Saluzinho resistiu dentro de uma gruta e acabou preso depois de vários dias. Esse episódio teve muita repercussão na imprensa de Minas Gerais à época.

A luta por sua libertação foi conduzida com muito cuidado. Escrevíamos panfletos à mão, com lamparina, pois não tinha energia elétrica em canto nenhum. Essa luta mobi-lizou os camponeses porque Saluzinho era muito conhecido, muito querido. E ele estava preso em condições precaríssimas numa cidade chamada São João da Ponte, que era próxima a Varzelândia.

Fizemos algumas reuniões, sempre muito bem recebidas, e fomos fazer uma visita a ele na cadeia. Imagine a ousadia, eu perseguido indo visitar um preso. Mas lá eu não era conhecido e minha história de vida era outra. Fui montado numa mula e o sobrinho dele a cavalo. Nós andamos 36 léguas, que são mais de 200 quilômetros. Saluzinho se emocionou profundamente quando nos viu e nós nos identificamos como parentes dele.

Em meados de 1969 a repressão identificou o trabalho na Serra Azul. Antes que ela che-gasse, nós saímos de lá. Saluzinho foi recambiado para Belo Horizonte, onde ficou preso um bom tempo. Só vim a ter notícias dele em 1988 quando voltei a morar em Belo Horizonte, vindo do Maranhão. Eu queria visitá-lo depois da redemocratização. Ia constantemente a Montes Claros fazer trabalho partidário e lá peguei o rastro dele e fui encontrá-lo no muni-cípio de Itacarambi. E me lembro como se fosse hoje: nós estávamos de carro, numa estra-dinha de terra assim pelo interior, e ele vinha vindo numa carroça, puxada por um jumento.

Tinha ido buscar água no rio. Quando Saluzinho me viu, ficou numa alegria só, me abraçou, chorou. Foi uma cena muito emocionante.

Ele nos convidou para jantar e durante a refeição ele disse: “olha, eu sou comunista até morrer, sou comunista roxo”. Foi a expressão que ele usou. Morreu pouco tempo depois. Foi um lutador, é uma referência do movimento camponês em Minas Gerais que não pode ser esquecida. Para mim foi extremamente importante tê-lo conhecido. Sua decidida posição de classe me marcou profundamente.

de volta a BH

Em meados de 1969, saindo da Serra Azul e indo para Belo Horizonte, um dos com-panheiros que estava comigo foi preso na chegada à capital. A informação de que dispú-nhamos era a de que vários companheiros e aparelhos haviam caído em Belo Horizonte.

Todo cuidado seria necessário para não sermos presos.

Mas esse companheiro, contra a minha vontade, resolveu se deslocar até a casa onde morava Loreta Valadares para fazer contato. Acontece que sua casa já era muito visada e estava sob a vigilância do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). O contato que tínhamos era outro, em outro lugar. Ele “furou” a regra e pagou por isso.

Ainda na Serra Azul, consegui convencer Oldack Miranda, irmão de Nilmário Miran-da, que estava com a gente na época, a não fazer a mesma coisa. Ele e sua companheira queriam chegar à casa onde morava Loreta. E eu pedi encarecidamente para ele fazer o ponto de chegada numa outra casa, que era a de Petrônio Gabriel Frade. Foi assim que Oldack escapou de ser preso. Depois, ele foi deslocado para o Maranhão, para o trabalho

no Vale do Pindaré. Lá pegou uma malária desgraçada.

Em 1970, eu já estava em São Paulo e o pessoal da direção me mandou levar uns ma-teriais e fazer discussões políticas na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão. Lá fui eu, de ônibus. Quando fui fazer o ponto de chegada em São Luís, Oldack estava lá. Mas, ele estava tão abalado da malária que não aguentava ficar em pé. Então sentou-se na guia da rua e disse: “Você não sabe o que aconteceu comigo: passou um rapaz aqui agora há pouco e me deu uma esmola. Pensou que eu fosse um mendigo”.

A vida em São Paulo

Saindo da Serra Azul, fiquei pouco tempo em Belo Horizonte e fui para São Paulo por-que a polícia havia estado na casa de meus pais por-querendo me pegar. Fipor-quei uns meses mo-rando no bairro da Mooca e conheci João Batista Drummond, que era de Belo Horizonte também e tinha sido colega de meus primos no colégio Loyola.

Depois fui para Mauá. Cheguei a participar de assembleias no Sindicato dos Metalúr-gicos de Santo André. Tive muito contato com o pessoal de Mauá, com José Carlos e Gilda e com várias pessoas do Jardim Zaíra, entre os quais Raimundo Eduardo, que era filho de um pedreiro. Esse rapaz morreu torturado na Operação Bandeirantes (Oban). Eu coloquei o nome do meu primeiro filho de Raimundo Eduardo, em homenagem a ele. Meu segundo filho ganhou o nome de Carlos Daniel, em homenagem ao Carlos Danielli, dirigente do PCdoB que morreu sob tortura.

Nessa época a Ação Popular formou o Grupo de Trabalho Militar para executar algu-mas tarefas mais radicais e passei a integrá-lo. Em 1971 morei num barracão de fundos em Mauá com minha companheira à época, Maria Nelma Gomes Coelho. Eu me lembro que naquela época fazia muito frio e lá não tinha chuveiro quente. O banheiro era fora da casa.

A água você tirava de um poço e botava num balde e ele servia como um chuveiro.

Eu já tinha sido condenado a seis meses de prisão em Minas e os meus direitos po-líticos já tinham sido cassados. Em São Paulo fui condenado a três anos de prisão num processo junto com Herbert José de Sousa, mais conhecido como Betinho, que morava no Jardim Zaíra e com quem tive uma convivência intensa durante alguns meses. Era uma pessoa muito generosa; tinha hemofilia, então vivia cheio de ataduras para evitar sangramentos. Ele trabalhava numa fábrica de porcelana em Mauá. E foi exatamente por causa da hemofilia que tanto ele quanto os irmãos Henfil (Henrique de Sousa Filho) e Chico Mário, nas transfusões de sangue, pegaram o vírus do HIV, e acabaram morrendo por falta de recursos na época.

Não me lembro exatamente de quando fui embora de São Paulo. Quem ficou morando no barraco foi José Carlos da Mata Machado. Ele era estudante de direito em Minas, filho do professor Edgar da Mata Machado, um jurista renomado, e esse rapaz morreu tempos depois, assassinado pela ditadura na queda dos remanescentes da AP. Depois da Anistia procurei o professor Edgar e falei para ele: “Sinto muito. Eu fui colega do Zé”. Acho que é uma obrigação daqueles que escaparam com vida dar um pouco de conforto para os pais dos que morreram.

Mudança para Salvador

De São Paulo, segui para Salvador onde eu fazia parte do Comando Municipal. Vários camaradas do Comitê Regional da Bahia foram presos; por isso, formamos um Comando Regional Provisório formado por Dalva Estela Rodrigues, que é de Minas, eu e mais al-guns camaradas.

Na capital baiana, também comecei a ser perseguido. Primeiro houve o episódio da minha prisão na Ribeira, ocorrida na mesma ocasião que a de Emiliano José, atualmente deputado federal pelo PT da Bahia. Mas, consegui escapar da delegacia do Largo do Pa-pagaio, para onde me levaram. E então fizemos muitas manifestações e pichações pela liberdade de Emiliano.

Depois teve o caso de Theodomiro dos Santos, condenado à morte em Salvador. Fize-mos três manifestações contra sua sentença. Apesar de rápidas e convocadas clandesti-namente, conseguimos juntar mais de cem pessoas. Isso ocorreu no governo do general Médici.

Por meio de alguns amigos meus, passei a ter informações que chegavam à minha família. Um desses recados foi “manda seu filho tomar cuidado, porque se for pego, não será apenas para ficar preso”. Quando vinha um recado desses já imaginávamos o que nos esperava. A repressão da ditadura pegou meu irmão em Brasília, onde ele servia ao Exército. Quase o mataram de tanto torturar. Atualmente ele tem 63 anos e até hoje não consegue tratar dos dentes de tanto choque que levou na língua. A tortura deixa sequelas agudas. Naquela ocasião, minha mãe disse, a quem quisesse ouvir, que preferia me ver morto a me ver traidor. Isso me dá forças até hoje.

Aproximação com o PCdoB

Na Bahia, tive um contato rápido com Ronald Freitas. Fui avisá-lo, em Feira de San-tana, da prisão do pessoal do Comando Regional da Ação Popular. De tempos em tempos, eu me encontrava com Haroldo Lima.

Também lá fiz os primeiros contatos com o PCdoB. Nós discutimos na direção provisó-ria e chegamos à conclusão de que, embora a AP ainda não tivesse se decidido, queríamos nos colocar sob a direção do PCdoB. Como não tínhamos muito contato com a direção da AP, havia aqueles que se precipitavam e os que preferiam fazer um movimento mais coleti-vo, levando os outros companheiros a adquirir essa mesma consciência. Eu fui um dos que se precipitaram.

De Salvador me mudei para Maceió. Lá, meu contato era Rui Frazão. Morei um ano em Maceió, vendendo confecções pelas ruas da cidade. À noite, pescava na lagoa do Mun-daú, arrastando rede. Sobrevivia comendo ovo de pata e os pescados que eu pegava. Foi uma vida muito dura; eu pesava 51 quilos. Meu primeiro filho nasceu nessa época. Desde que cheguei a Alagoas, em 1972 até a Anistia, em 1979, eu me chamava João Francisco Pereira, mais conhecido como João Alagoano. Até hoje no Nordeste tem gente que me chama por este nome.

rui Frazão

Mensalmente, minha mulher e eu tínhamos contato com Rui Frazão. Nossos encontros eram muito intensos. Rui defendia firmemente a ideia de que da fusão da AP com o PCdoB iria surgir um partido de tipo inteiramente novo, um partido marxista-leninista-maoísta, um partido da terceira etapa. Quando os outros camaradas da AP e ele próprio decidiram que deveriam entrar para o PCdoB, ele foi à minha casa para me comunicar. Lembro-me que chegaram ele e José Luís Guedes. Fizemos uma festa, pois nós tínhamos tomado essa decisão havia muito tempo. Depois ele foi assassinado pela ditadura militar. Senti muitís-simo a sua morte.

Rui Frazão era uma figura simples, muito educada. Uma pessoa muito afetiva e com-preensiva, falava baixo, tinha formação em ciências econômicas e, por isso, eu tinha faci-lidade em conversar com ele, porque também sou dessa área. Lembro-me que discutimos quando houve a ruptura do padrão ouro, em 1971, com o fim do tratado de Bretton Woo-ds e chegamos a trocar algumas opiniões sobre a crise.

deslocado para o Ceará e para o Maranhão

De Maceió, o partido me mandou para o Ceará, e fui morar em Juazeiro do Norte. Lá passei todo o ano de 1973, trabalhando como marceneiro. Ficamos sob a direção de Wla-dimir Pomar que era do Comitê Central do PCdoB. WlaWla-dimir disse, outro dia, que o PCdoB resolveu mandar militantes do Nordeste para o Ceará, e depois do Ceará para o Maranhão, a fim de tentar constituir um apoio à Guerrilha do Araguaia. Portanto, eu fiz parte desse movimento.

Do Ceará fui para o Maranhão, para uma cidadezinha chamada Santa Luzia, incrustada na mata do rio Pindaré-Mirim. Fiquei no estado de 1974 a 1982. Lá nós demos continui-dade ao trabalho político camponês que a Ação Popular havia desenvolvido pouco tempo antes na região do Pindaré. Estava desarticulado, mas foi um trabalho admirável, com am-pla participação da massa camponesa radicalizada. Por lá passaram Ronald Freitas, Rogério Lustosa, Rui Frazão e vários outros camaradas, dirigentes e militantes. Manuel da Concei-ção era a principal liderança.

Para começar recrutamos Nonatinho, Raimundo Nonato da Silva, que era o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Luzia e havia tido contato com a luta anterior.

A questão básica que nos mobilizava era a da posse e legalização da terra e a grilagem, seu contraponto. Aquela era uma região de expansão da fronteira agrícola, então o campo-nês se mudava para lá e ocupava, desbravava, derrubava, plantava e colhia. Logo chegava o latifundiário com documento falso e, através do uso da violência e dos assassinatos, tomava posse, fazendo a chamada acumulação primitiva.

Entre os companheiros que foram para o Pindaré estava um operário que mora atual-mente no ABC paulista, Dentinho. Lá ele foi trabalhar na roça, no meio da mata, na região do Buriticupu. Quase morreu de malária. Chegou a Santa Luzia carregado em uma rede, não falava mais. Só não morreu por causa da solidariedade de um acadêmico de Medicina

à época que apareceu por lá e que o levou para São Luís, onde havia mais recursos. Ele se comoveu com a situação porque o único médico da cidade havia se negado a atendê-lo.

Eu trabalhei como marceneiro, depois como soldador e mecânico de máquinas de serraria. Morei anos em casa de taipa coberta de palha de babaçu, sem ter uma geladeira, e durante anos só calçava uma chinela de dedo. Logo eu, que vinha de uma família abas-tada, da classe média alta. A luta impõe todas essas coisas.

tensão no campo

Em Santa Luzia a violência era muito grande. Violência da polícia e dos pistoleiros contra a população pobre. E como estávamos firmemente empenhados na luta camponesa pela terra, éramos muito visados. Todo mundo era obrigado a andar armado 24 horas por dia. Eu não usava cabo em revólver para não fazer volume. Para me defender, dormia com a arma debaixo do travesseiro todo santo dia, nunca me separava dela em ocasião nenhuma.

Lembro que uma vez nós estávamos fazendo uma manifestação contra a grilagem, pelo direito dos trabalhadores à terra e de repente chegou um grupo de três pistoleiros e foram sacando as armas para atirar. Estava presente Luiz Pedro, que era deputado esta-dual do PCdoB. Ele era o alvo dos pistoleiros. Mas quando eles pensaram em botar a mão nas armas já estavam sob a mira dos companheiros havia muito tempo. Aí eles saíram correndo.

Havia muita tensão e pressão, as ameaças de morte eram cotidianas. Nestas

Havia muita tensão e pressão, as ameaças de morte eram cotidianas. Nestas