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GIldÁSIO WeStIn COSenzA

guramente, o principal centro político do movimento secundarista, um enorme viveiro que produziu muitos quadros militantes, alguns dos quais até hoje atuando em diversos par-tidos, como a presidenta Dilma Rousseff. De lá, fui para a Universidade Federal de Viçosa.

A entrada na AP e o contexto estudantil

Havia muitas forças políticas – como a Organização de Combate Marxista-Leninista, Política Operária (Polop), o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista Brasi-leiro Revolucionário (PCBR), entre outros –, mas, em Minas, a hegemonia era da AP. Todo o movimento estudantil era da AP e minha irmã Gilse já era uma de suas lideranças. Comecei a atuar no movimento secundarista num momento de grande efervescência, quando, em meio aos debates ocorridos no colégio tive o primeiro contato com textos marxistas. Dis-cutíamos sobre filósofos, teóricos católicos, Sartre, Marx, participávamos de passeatas que seguiam pelos colégios e iam engrossando até chegar à avenida central de Belo Horizonte, a Afonso Pena.

O golpe militar, visto do Colégio estadual Central

Não me esqueço de que em 1963 foi lançado um jornal da esquerda católica, o Brasil Urgente, redigido pelo frei Josafá. E se não me engano em fevereiro estávamos nas ruas ven-dendo um de seus exemplares, cuja capa estampava em letras garrafais: “Gorilas preparam golpe”. E, então, chegaram notícias da revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro e, um belo dia, o comunicado de Mourão Filho e Magalhães Pinto, montando o secretariado de guerra, unindo toda a direita anti-João Goulart.

Na época, o PCdoB tinha acabado de se reorganizar e quase não havia notícias dele na área em que eu circulava – em Minas, era quase inexistente. Pouca gente questionava se po-deria acontecer, de fato, alguma coisa. A maioria acreditava que o governo João Goulart era imbatível, e seu esquema militar, nacionalista, com o general Jair Dantas Ribeiro à frente, impediria qualquer golpe. Mas algumas pessoas consideradas como “exóticas da esquerda católica” diziam que não era bem assim. Para o PCB, não existia nenhuma possibilidade de a direita tomar o poder. Entretanto, havia as “Marchas da Família, com Deus, pela Liberda-de” e aquela ofensiva violentíssima, e diziam que os comunistas iam ocupar tudo. E, para nós, se tratava apenas da direita esperneando e não haveria o menor perigo de golpe.

Naquele momento, também aconteciam muitas mobilizações populares envolvendo metalúrgicos, comerciários, estudantes, ou seja, existia uma efervescência social. Os estu-dantes participavam do Movimento de Educação de Base (MEB), indo para as favelas alfa-betizar o povo. Em meio a todo esse caldo, a juventude católica foi se radicalizando – dando lugar à Ação Popular –, e conseguiu assumir o controle da União Nacional dos Estudantes (UNE) e depois da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), passando a fazer parte do processo de luta pelas reformas de base.

O governo João Goulart era o que de mais avançado tinha acontecido na história do Brasil: propunha a reforma agrária ao lado de todas as rodovias federais; a estatização das

unidades de produção de gasolina; o fortalecimento da Petrobras, entre outras importan-tes bandeiras. Tínhamos também a ascensão da classe operária. A direita enlouqueceu.

Lembro-me que quando Jango lançou o Movimento de Educação de Base, o MEB, uma das lideranças do Movimento da Mulher Mineira criticou: “Agora estão com esse negócio de querer educar essas pretinhas todas. Daqui a uns dias, não teremos mais empregada doméstica”. Essa é a elite brasileira!

A ida para a universidade e a militância política

Em 1966, terminei o Colégio Estadual e fui para a Universidade Federal de Viçosa (UFV), onde cursei Agronomia. Lá, existia somente a AP, e eu participava da coordenação do interior, visitando as poucas universidades e faculdades existentes em Viçosa, Poços de Caldas, Itajubá, São João del Rey e Uberaba. Nessas cidades não havia disputa para o Cen-tro Acadêmico: quando indicávamos, estava eleito. Mas havia disputa em Belo Horizonte.

Polop, PCBR e outras forças estavam iniciando a sua participação e, no final da década de 1960, eles ganharam o DCE da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), derrotando a AP. E quando aconteceu a eleição da União Estadual dos Estudantes (UEE) nós vencemos.

Na capital, a AP era forte, mas no interior era absoluta. No Congresso da UNE em Va-linhos (SP), em 1967 – no qual fui delegado –, elegemos como presidente Luiz Travassos.

Nessa época, começavam a aparecer duas lideranças políticas muito importantes, que che-garam para disputar o congresso: Vladimir Palmeira, do Rio de Janeiro, e Zé Dirceu (José Dirceu de Oliveira e Silva), de São Paulo. Ganhamos com três votos de diferença, num acordo costurado por outra jovem liderança da AP: Renato Rabelo. Fui um dos últimos a sair do convento, onde acontecia o congresso, e oito horas depois de tirarmos todo mundo, chegava a polícia.

As prisões no Congresso da Une de 1968

Em 1968, fomos radicalmente contra a realização do congresso unificado porque não havia segurança, todo mundo poderia ser preso. A ideia era organizá-lo por etapas regionais e depois somar os votos, mas não conseguimos aprovar a proposta no conselho nacional. Na última reunião preparatória, o presidente da UEE/MG, Raimundo Mendes, disse que quem não tinha direito a voto ficaria para denunciar a prisão e lutar pela libertação. Tínhamos certeza de que seríamos presos, como de fato aconteceu.

Chegamos a São Paulo no dia da chamada “Batalha da Maria Antônia”, confronto ocorrido no dia 3 de outubro de 1968, na Rua Maria Antônia, entre estudantes da Faculda-de Faculda-de Filosofia da UniversidaFaculda-de Faculda-de São Paulo (USP) e do Mackenzie. O pessoal era pego nos pontos de ônibus, em locais de encontro espalhados pela cidade, e todo mundo era levado para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Foi a primeira vez que vi o pes-soal do PCdoB, que chegava com uma bancada expressiva, especialmente do Rio de Janeiro.

Quando os policiais invadiram o congresso, mal haviam acontecido os embates iniciais.

Fomos todos levados para a Casa de Detenção de São Paulo. Depois de dois dias chegaram

os policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Minas. Da delegação de quase 140 delegados, 30 – entre as principais lideranças – foram colocados em um ônibus e, em outros ônibus, o restante do pessoal, que depois foi solto ao chegar a Belo Horizonte.

Presos sob o AI-5

Isso aconteceu em outubro de 1968 e o nosso habeas corpus foi julgado em 11 de de-zembro. Seríamos soltos logo depois, mas no dia 13 foi decretado o Ato Institucional número 5 (AI-5). Então, o comandante do batalhão chegou dizendo: “Vocês acharam que iam ser soltos? Vocês estão fodidos porque agora acabou esse negócio de juiz babaca decidir alguma coisa, vocês vão mofar aqui dentro”.

Éramos em torno de 20 homens e 10 mulheres. Elas foram para o presídio feminino e nós para o Batalhão-Escola da Polícia Militar (PM), e depois para o Dops. Passamos apro-ximadamente um mês, depois do AI-5, sem visita, incomunicáveis. Até que começaram a liberar as visitas e a soltar devagar o pessoal. Nós – os últimos – fomos soltos perto do dia 25 de janeiro de 1969.

Depois que saí, fui para Viçosa e redigimos um boletim, que distribuímos na faculdade denunciando o AI-5. No dia seguinte, a universidade foi invadida por vários caminhões do Exército provenientes de Juiz de Fora. Um colega, Edmundo Magela Carneiro, e eu – as duas principais lideranças em Viçosa – saímos. Os professores nos protegeram para não ser-mos presos. Eles nos esconderam num cafezal experimental até a noite, quando um deles nos tirou da universidade e nos levou até uma mata perto dali, de onde seguimos a pé até o município próximo, Senador Firmino, terra da família de Edmundo.

De lá, fomos para Barbacena e, depois, para Belo Horizonte – quando passei a viver em semiclandestinidade. Nossa tarefa passou a ser reorganizar a UEE de Minas.

Outro companheiro, Fábio Marcial Andrade Cunha, também militante da AP, foi se encontrar conosco em Belo Horizonte. Edmundo resolveu procurar a família e depois conseguiu matrícula para concluir o curso de Agronomia em Goiânia. Fábio e eu fomos presos em junho de 1969, na capital mineira, e depois nos reencontramos em São Paulo.

Fui atuar em Goiânia e Fábio no Nordeste, onde passou a militar até a Anistia, quando retornou para sua terra natal, Uberlândia, onde faleceu pouco depois em um acidente rodoviário.

Unidade entre os movimentos sociais

Em 1968 houve uma grande greve em Contagem. Tínhamos muito contato com as principais lideranças operárias, principalmente com Ênio Seabra, Mário Bento, ambos da AP – inclusive, lançaram um documento pregando a unidade dos movimentos operário, estudantil e camponês. Naquele momento, a AP travava uma grande polêmica com os foquistas – defensores das propostas de Debray e Guevara sobre foco guerrilheiro. Depois, os foquistas acabaram se afastando do movimento. Foi quando o PCdoB enviou Ronald Rocha para Minas e a AP transferiu para lá Rogério Lustosa.

Fiquei preso de outubro de 1968 até janeiro de 1969. A invasão da Universidade de Vi-çosa aconteceu no início de fevereiro de 1969 e, em junho, houve prisão em massa do pes-soal da AP. Estávamos completando o processo de reorganização do agrupamento, e havia muitos militantes indo para o movimento operário e camponês. A AP abriu várias frentes de trabalho no campo. Muitas universitárias estavam se integrando à produção industrial na principal fábrica têxtil da época, a Renascença, em Belo Horizonte.

rockfeller no Brasil

Em junho de 1969 a missão Rockfeller começou a rodar pela América Latina. O governo norte-americano mandou Nelson Rockfeller fazer um tour por vários países e ele foi recebi-do com tomate podre na Venezuela, com pedra na Colômbia. A torecebi-do lugar que ele ia, havia manifestações contrárias. Mas ele chegou em meio a uma repressão violenta no Brasil e, por isso, houve protestos em pequena escala.

Em repúdio à sua passagem pelo país, em Belo Horizonte um estudante de engenharia, militante da AP, preparou uma pequena catapulta no edifício mais alto da cidade com uma estrutura de retardo que usava ácido. A substância ia corroendo as amarras, a mola se sol-tava e jogava os panfletos lá de cima, em pleno centro da cidade.

Sumiços e prisões na AP

Mas, às vésperas de Rockfeller chegar ao Brasil, fizemos uma reunião com Gildo Macedo Lacerda – membro da AP depois assassinado; Paulo Teles, do Diretório Acadêmico da Medi-cina; e Humberto Câmara Neto, de Pernambuco, também assassinado. Na reunião, tratamos do sumiço de várias pessoas da AP e concluímos que elas haviam caído. Decidimos nos divi-dir para alertar a todos que sumissem por causa da repressão. José Carlos Mata Machado já estava clandestino, mas tinha hepatite e retornou à casa dos pais para se tratar. Passei lá para avisá-lo e fui para a casa de retiro espiritual da igreja católica, o Graal, no bairro da Serra, um de nossos principais refúgios, onde estavam hospedadas umas cinco pessoas ligadas a nós, entre as quais, Luís Raul Machado, diretor da UNE. Mas quando cheguei, a repressão já tinha invadido o local. Tentei fugir pela varanda, que estava molhada, escorreguei, levei um tombo e, ainda deitado, comecei a ser chutado pelos policiais. Fui preso novamente – em 17 de junho de 1969 – e levado para a sede do Serviço Secreto da PM. Passei uma noite sendo espancado.

Depois, fui levado para a sede do Batalhão-Escola da PM em Belo Horizonte – onde já havia cerca de 90 pessoas, todas conhecidas, entre as quais, padres, freiras, o pessoal de apoio da igreja, militantes da AP – e não parava de chegar gente.

Medo na casa dos Cosenza

Naquela época, combinamos dizer que morávamos com nossos pais porque se a repres-são invadisse a casa, alguém ficaria sabendo da prirepres-são. Voltando a fevereiro de 1969, minha irmã Gilse, que já estava integrada ao movimento camponês, engravidou. Estava numa

reunião da direção da AP quando estourou a bolsa. Tiveram de, correndo, arrumar uma maternidade para fazer o parto clandestinamente. Ela já estava com a prisão preventiva decretada. Descobriram, então, que ela esperava gêmeas, que nasceram prematuras de sete meses. Uma morreu logo, a outra passou meses internada entre a vida e a morte. Mas no final de maio, início de junho, ela se recuperou, e foi criada pela minha irmã Gilda e por Henfil (Henrique de Sousa Filho) até que Gilse saísse da cadeia. Seu nome é Juliana. Mais tarde, ela se tornou militante estudantil, tendo participado da direção da União da Juven-tude Socialista (UJS).

Naquele 17 de junho, dia do aniversário de uma irmã mais nova, Gilvânia, Gilse foi à casa de nossos pais para dar-lhe parabéns e dizer que Juliana havia se salvado. E exatamen-te na hora em que ela estava lá, a polícia chegou, pois eu tinha dito que morava com meus pais. Minha mãe teve uma presença de espírito maravilhosa. Primeiro peitou os policiais e disse “sem mandado não entra”. Então, apresentou Gilse, que era muito parecida fisica-mente com a irmã menor, e disse: “esta é a Gilvânia”. Como éramos 11 irmãos, a casa era grande. Minha mãe levou os policiais para o quarto de meus irmãos, dizendo: “este aqui é o quarto dele, podem revistar, mas faz mais de um mês que ele não vem aqui”. Gilse aprovei-tou a brecha e saiu para avisar Loreta Valadares que eu havia sido preso e que tinha havido mais prisões. Quando ela chegou, o local já havia caído e Loreta tinha sido presa, e assim que Gilse entrou na casa foi pega também.

E então, quando vi Gilse entrar na prisão em que eu estava, foi aquele choque. Pensei:

“pronto, pegaram ela e a criança”. Mas ela sorriu para mim e disse que não, que estava tudo bem com a menina. Fomos levados para o Colégio Militar e separados do resto da turma, inclusive de Gilse. Lá, a tortura começou violenta.

lustosa, “o caipira”

Meses antes, às vésperas do 1º de Maio, tínhamos decidido fazer panfletagens e pi-chações. Rogério Lustosa, outro companheiro e eu fomos para os bairros operários entre Belo Horizonte e Contagem. Já estávamos acabando quando chegou a repressão e prendeu Rogério. Mas ele estava com um documento falso e deu uma de caipira, disse que tinha che-gado do interior para arrumar emprego. Ele foi muito espancado, mas manteve a história.

Depois, jogaram-no numa cela no Dops. Em 17 de junho, quando fui preso, fiquei dois ou três dias no Colégio Militar e de lá me transferiram para o Dops; quando cheguei e passei pela primeira cela, vi Rogério. Fiquei quieto.

Dias depois, nos deixaram tomar banho de sol e ele me contou essa história e disse que estava se passando por capiau, que não sabia nada e até errado falava. E mais gente continu-ava chegando ao Dops; as celas estcontinu-avam entupidas. Então, um tempo depois tiraram Rogério da cela dizendo: “Você está só ocupando lugar aqui, não sabe de nada mesmo. Vai embora!”. E Rogério, muito cara de pau, respondeu: “Vou não, doutor, não tenho dinheiro. Vocês tomaram o papelzinho em que eu tinha anotado e eu não sei achar mais a pessoa que eu ia procurar aqui”. Os policiais do Dops ficaram com pena dele, e fizeram uma vaquinha para ele voltar para o interior. E o filho da mãe pegou o dinheiro dos policiais do Dops e se mandou!

Isso aconteceu no final de junho. Ali pelo final de julho, os agentes estavam com uns papéis que tinham achado na casa de alguém e descobriram que o tal caipira era Rogério, e, então, tiveram um ataque histérico no Dops. Entraram na cela batendo nas pessoas só de raiva. “E a gente deu dinheiro para aquele filho da puta!”, diziam.

Freiras violentadas

Aquela foi a primeira vez, em Minas, que houve prisões nessa escala e com torturas indiscriminadas. Haviam prendido alguns padres e freiras, e uma ou duas delas foram violentadas. O bispo de Belo Horizonte, que era extremamente conservador, excomungou publicamente os torturadores e os que tinham violentado as freiras. Isso teve uma grande repercussão. Afinal, a igreja católica fora um dos centros da mobilização reacionária do golpe no Brasil.

Para diminuir a pressão da sociedade, todo mundo que não era “queimado” foi libe-rado para ficar em prisão domiciliar. Obrigaram minha mãe e eu a assinarmos um docu-mento no qual se afirmava que eu ficaria em prisão domiciliar e que se eu fugisse, ela iria presa no meu lugar. Naquele momento, eu já tinha sido transferido do Dops para o Pre-sídio de Neves e no dia que foram me levar para assinar esse documento, fui transferido para o 12º Regimento de Infantaria, a sede do comando do Exército em Minas.

Eu não queria assinar o tal documento, e meu pai e minha mãe queriam que eu as-sinasse. Meu pai era muito conservador, deu-me uma bronca por estar me metendo com

“esse negócio de subversão”. Mas, para minha surpresa, ele me disse para sumir, pois sabia que se eu fosse preso novamente seria morto. Era agosto de 1969 e não se conseguia sair de Belo Horizonte pela rodoviária porque cada pessoa que entrava nos ônibus tinha que mostrar os documentos. E eu temia ser pego dessa maneira.

Misturado à torcida do Galo

Como torcedor do Atlético, conhecia várias pessoas da diretoria do clube e sabia que ia acontecer uma partida contra o São Paulo. O Atlético estava invicto havia vários jogos e uma caravana de mais de 90 ônibus saiu de Belo Horizonte para assistir ao jogo. O diretor me orientou a entrarmos no meio da torcida. Espalhamos o pessoal pelos ônibus e com-binamos de ninguém ficar nos primeiros porque com aquela quantidade de ônibus, se eles revistassem, o fariam nos primeiros. Mas, como eu conhecia vários líderes de torcida, gente da diretoria, eles acabaram me fazendo ficar no primeiro deles.

Paramos no posto da Polícia Rodoviária Federal em Betim, e quase morri de susto: ha-via meia dúzia de tanques, três de cada lado da estrada, uma quantidade impressionante de tropa com fuzil, metralhadora, até metralhadora de tripé. O capitão já chegou xingando, dizendo que a torcida toda estava bêbada. Então, todos começaram a gritar “cruzeirense”,

“bicha” etc. E o policial rodava a metralhadora dizendo “Eu atiro! Eu atiro!”. E o pessoal retrucava: “Então, você vai matar todo mundo”. Até que o diretor do Atlético desceu e disse que ali só havia torcedores que tinham bebido um pouco, e eles nos liberaram.

Em cada entroncamento da rodovia Fernão Dias, havia tanques, tropas. E eu não es-tava entendendo o motivo. Cheguei a São Paulo preocupado, e morrendo de vontade de assistir ao jogo no Pacaembu, mas devido ao horário do contato com a direção não pude assisti-lo, fui recebido por um companheiro preocupado, que finalmente explicou que o presidente Costa e Silva havia tido um problema de saúde e uma junta militar havia assu-mido no seu lugar, destituindo o vice-presidente que era civil. Por isso, resolvemos sumir, passar realmente para a clandestinidade.

discutindo o caráter da AP

A AP montou uma estrutura – que caiu logo depois – com a família de José Luís Morei-ra Guedes, que tinha uma tMorei-ransportadoMorei-ra e despachava caixotes paMorei-ra todo o BMorei-rasil. Então, os documentos da AP, os livrinhos de Mao etc. eram enviados como carga comum. Naquele momento havia toda uma discussão no interior da AP sobre ela ser um partido de tipo inteiramente novo, um Partido Comunista Marxista-Leninista-Maoísta. O dirigente que mais intransigentemente defendia essa linha era Jair Ferreira de Sá, codinome Dorival. No debate, Paulo Wright tinha uma posição a que eu chamaria de “neotrotskista”. Eles eram como dois polos, e a maioria se afinava com o maoísmo de Jair. Na medida em que o debate começou a se afunilar, passou a se discutir a unificação com o PCdoB. Para surpresa geral, Jair passou para o outro polo e se uniu a Paulo Wright.

Nesse processo de luta, eu – já dirigente da AP – defendia a posição do Partido Co-munista Marxista-Leninista-Maoísta. Discutíamos, por exemplo, se o PCdoB fazia ou não parte dessa frente, se era ou não o polo mais avançado. Meu último contato em São Paulo foi com Aldo Arantes e Haroldo Lima, discutindo justamente essas questões, sobre as quais concordávamos.

Nesse processo de luta, eu – já dirigente da AP – defendia a posição do Partido Co-munista Marxista-Leninista-Maoísta. Discutíamos, por exemplo, se o PCdoB fazia ou não parte dessa frente, se era ou não o polo mais avançado. Meu último contato em São Paulo foi com Aldo Arantes e Haroldo Lima, discutindo justamente essas questões, sobre as quais concordávamos.