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A dimensão cultural

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 55-58)

CAPÍTULO 1 A GLOBALIZAÇAO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR

1.2 A educação superior e suas imbricações no contexto das dimensões da globalização

1.2.4 A dimensão cultural

Seguindo-se a leitura da figura 3, ainda no mesmo sentido, isto é, de Leste a Oeste (L ĺ O), mas com observância da dimensão cultural da globalização e de suas imbricações no campo educacional, toma-se por base o seguinte questionamento: à luz da dimensão cultural da globalização neoliberal, que projeto ficou reservado à educação, em especial a superior, nos países da periferia? Que projeto é possível como reação a esse movimento neoliberal? Salienta-se que a segunda pergunta não poderá ser respondida aqui, mas uma aproximação a sua resposta será fornecida adiante, no terceiro capítulo.

Sob a ótica do consenso neoliberal, os fenômenos culturais que interessam são os passíveis de transformação em mercadoria, dado o efeito imantador que a globalização econômica impinge no sentido de transformar tudo em termos monetários. Assim, torna-se necessário que o ente jurídico referente à produção e circulação de mercadorias no globo seja eficiente a ponto de garantir a propriedade intelectual dessas produções culturais.

Esse cenário de transnacionalização da cultura, dentre outras dimensões da globalização, atualmente, pode ser considerada a dimensão mais visível, em especial, na relação dos países da América Latina, no eixo Norte – Sul, ou melhor, do eixo Norte para o eixo Sul. Indo frontalmente à questão, o fato visível (e palpável) aos povos latinoamericanos é que os Estados Unidos impõe aos povos do Sul toda a sua cultura na tentativa de promover uma homogeneização dos seus costumes e crenças que levem ao consumo. Em grande escala, o que os povos latinoamericanos recebem dos Estados Unidos é bem de consumo e, se não for, consiste em instrumento de dominação. Esse instrumento de dominação reflete- se, principalmente, na imposição da sua língua – o inglês.

Acerca dessas duas formas de dependência, pode-se dizer que o bem de consumo vindo dos Estados Unidos (e também de outros países europeus) catalisa-se, com mais efetividade, pela rede mundial de computadores – a Internet. É sabido que o Brasil é um país

semiperiférico que ocupa os primeiros lugares no acesso à rede mundial e, por conseqüência, ao consumo em massa. Quase tudo o que se pode imaginar é vendido na rede mundial. Uma outra forma de acesso, ou melhor, de pressão para o consumo em massa – também efetivado por pressão dos Estados Unidos é a televisão. As camadas mais pobres, em especial àquelas que não têm acesso à Internet, têm acesso à televisão. A televisão exerce um papel muito importante nesse consumo em massa porque, a partir de suas programações e publicidades levam os povos latinoamericanos à imaginação. Essa imaginação pode assumir múltiplas formas, mas é certo que mexe com a vontade de:ser como a atriz de um filme, magra, com padrões de estética inatingíveis; a vontade de possuir um carro de marca estrangeira – financiado também por um banco estrangeiro; a vontade de vestir um jeans – com nome estrangeiro; a vontade de ser norteamericano – de poder comprar um alimento no Mc’Donalds, a vontade de ser e estar norteamericano. Nunca se viu tamanha repercussão: a Internet e a televisão mexeram como nunca com a imaginação dos povos do Sul.

Essa nova época global distingue-se “[...] pelo trabalho da imaginação; pelo facto de a imaginação se ter transformado num facto social, colectivo, o ter deixado de estar confinada no indivíduo romântico e no espaço expressivo da arte da vida quotidiana dos cidadãos comuns.” (APPADURAI apud SANTOS, 2005, p. 45).

A segunda forma de imposição de cultura – aqui considerada como um exemplo clássico de dominação dos Estados Unidos aos países do Sul – é a língua. Aí ocorre, também como exemplo – uma das imbricações da dimensão cultural da globalização no campo educativo.

Toma-se, como exemplo, o Brasil: a Língua Portuguesa é o idioma oficial do Brasil – como prevê o artigo 13 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998. Nesse aspecto jurídico, é relevante destacar que o artigo 216 da Constituição de 1988 expressa que:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV –as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, art 216).

Nesse aspecto jurídico, mas não somente nele, pode-se dizer que a Língua Portuguesa pertence ao patrimônio cultural brasileiro. É um bem imaterial portador de referência, de passagem da memória de gerações a gerações, de expressão, enfim, de identidade. A língua é o elemento mais legítimo de identidade de um povo. É ela que o identifica, é ela que se constitui em meio para que a cultura de um povo se manifeste, se expresse.

Nesse caso, observa-se que a língua praticada nos Estados Unidos – o inglês - tem sido imposta no campo educacional brasileiro (escolar e não escolar) de forma intensa. Nesse caso, a pergunta que se faz é: por que o inglês?

Não se pretende aqui responder a essa questão de forma a dar uma resposta completa, mas apenas situar que a mesma provoca outros questionamentos e certamente deveria ser objeto de pesquisa profunda. O que se pretende, sim, é apenas pontuar que essa pergunta dá margem a duas hipóteses, que não podem deixar de ser elencadas em uma pesquisa sobre o tema: 1. o inglês está presente na educação escolar e não-escolar, nos currículos dos cursos da educação básica e superior, nas normas jurídicas afetas à educação, nas diretrizes educacionais e nos Projetos Pedagógicos das instituições e dos cursos porque tem sido introduzido nos povos latinos ao longo da história e constitui-se como elemento direto de dominação porque pretende, ao uniformizar e homogeneizar, dominar. 2. Com isso, no Brasil, “abrem-se” as portas do mundo para o indivíduo que domina o inglês; ele se torna mais competitivo e produtivo (uma das propostas do Consenso neoliberal – a meritocracia, a competitividade) e tem mais chances de vencer no mercado de trabalho.

Observa-se que outras tantas hipóteses poderiam ser levantadas, umas com proposições a favor e, certamente, outras, com proposições contrárias. No entanto, a posição assumida aqui é que a língua é a representação máxima da cultura de um povo, é a sua identidade, a sua essência. As normas legais que dizem respeito à introdução da língua inglesa nos currículos são, sim, formas de dominação, de imposição e uma tentativa, que tem tido várias vitórias, de sobreposição de culturas – no caso a dos povos do Norte sobre os povos do Sul (e mesmo do Norte para o Norte, como exemplo, a influência da cultura norte- americana sobre a cultura alemã). A língua inglesa é global, por meio dela o mercado se prolifera e a acumulação de riquezas se efetiva. Nesse caso, pode-se dizer que a dimensão econômica se vale dessa língua central para impor seus produtos aos povos do Sul. Assim, melhor para o mercado se o mundo todo pudesse entender a sua língua porque certamente as vendas seriam maiores, os lucros seriam ainda mais altos. Essa é, com certeza, uma estratégia da globalização econômica sobre a globalização cultural. E, assim sendo, quanto

mais homogêneos forem os povos, mais e mais dominados eles o serão porque perdendo sua essência – que se manifesta na cultura, na língua – mais alienados e dependentes estarão.

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 55-58)