• Nenhum resultado encontrado

A dimensão social

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 45-50)

CAPÍTULO 1 A GLOBALIZAÇAO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR

1.2 A educação superior e suas imbricações no contexto das dimensões da globalização

1.2.2 A dimensão social

Seguindo-se a leitura da figura 3 no mesmo sentido, isto é, Leste a Oeste (L ĺO), mas com observância da dimensão social da globalização e de sua imbricação no campo educacional, refaz-se o questionamento inicial: à luz da dimensão social da globalização neoliberal, que projeto ficou reservado à educação superior nos países da periferia e semi- periferia? Que projeto é possível como reação a esse movimento neoliberal? Também aqui, certamente, a segunda pergunta não poderá ser respondida, mas uma tentativa a sua resposta será fornecida adiante, no terceiro e quarto capítulos, quando será tratada a questão do compromisso social (responsabilidade social) da educação superior e desenvolvimento regional.

Uma resposta concreta à primeira pergunta não parece ser tarefa fácil dada a complexidade que a envolve. No entanto, na tentativa de respondê-la, mesmo que de forma breve e provisória, tratar-se-á, preliminarmente, da delimitação do que se pretende aqui com o termo “dimensão social”.

Ao se dissertar sobre a dimensão social da globalização não se pode esquecer, primeiramente, que aliada a essa questão encontra-se o acirramento das desigualdades sociais, dadas as injustiças promovidas pelo capital e pela exploração do trabalho humano. Sendo assim, chega-se a uma dicotomia, mais complexa ainda de ser explicada:

globalização social e desigualdade. Desigualdade, por sua vez, é fruto da injustiça social e esta deriva de uma democracia de baixa intensidade. Denota-se daí a complexidade do que esta temática envolve: a dimensão social da globalização está intimamente ligada à desigualdade, à injustiça social e, por conseguinte, à democracia de baixa intensidade.

Daqui em diante tratar-se-á desses pontos (desigualdade, injustiça social e democracia de baixa intensidade) para, posteriormente, analisar-se o imbricamento disso tudo com a educação em geral mas, em especial, com a educação superior.

Acerca da desigualdade social é correto afirmar que a mesma é decorrente, em essência, da acumulação de capital nas mãos da classe burguesa, bem como da inoperância de um Estado fraco, corroído pelo poderio econômico transnacional. Esse Estado fraco e

inoperante pouco consegue fazer pelas massas e, seguindo a “cartilha” (consenso) dos órgãos financiadores internacionais, investe pouco em políticas públicas que visem à diminuição da desigualdade. O que lhe cabe, sob a ótica neoliberal, é constituir-se como Estado mínimo, absenteísta e não interventivo. Nessa nova ótica, cabe-lhe defender o sistema financeiro agasalhador do capital transnacional, volátil10 e especulativo.

Nesse plano, o capital proporciona um cenário paradoxal em que a superacumulação contrasta com a miséria. No caso do Brasil, por exemplo, basta um rápido olhar para as grandes cidades (mas não apenas nelas), a exemplo do Rio de Janeiro onde favelas intermináveis se mesclam com condomínios de alto padrão ou bairros residenciais de primeira linha. Há outros tantos exemplos infindáveis, que denotam a opressão das massas, conceito este que será tratado adiante.

Uma pergunta vem à tona nesse contexto: se o capital é promotor da desigualdade, como isso se desenvolve em nível global? Em síntese, como se apresenta a dimensão global da desigualdade no âmbito social?

Nesse aspecto, pode-se dizer que “[...] uma classe capitalista transnacional está hoje a emergir cujo campo de reprodução social é o globo enquanto tal e que facilmente ultrapassa as organizações nacionais de trabalhadores, bem como os Estados externamente fracos da periferia e da semiperiferia do sistema mundial.” (SANTOS, 2005, p. 32).

Essa classe capitalista transnacional tem origem a partir da atuação das empresas multinacionais que geram, também, a desigualdade a nível mundial. Evans (apud Santos, 2005) destaca que há uma teoria da dependência, uma aliança tríplice efetivada entre empresas multinacionais, a seleta elite capitalista local e a burguesia estatal. Essa cúpula, na visão de Evans (apud Santos, 2005, p.32) está na “base da dinâmica de industrialização e do crescimento econômico de um país semiperiférico como o Brasil.”

Esse modelo de industrialização baseado nessa cúpula é altamente injusto e promove apenas um tipo de redistribuição

[...] da massa da população para a burguesia estatal, as multinacionais e o capital local. A manutenção de um equilíbrio delicado entre os três parceiros milita contra qualquer possibilidade de um tratamento sério às questões da redistribuição de rendimentos, mesmo que membros da elite expressem um apoio ao princípio teórico da redistribuição de rendimentos (EVANS apud SANTOS, 2005, p.33)

No que se refere à distribuição da riqueza mundial, Boaventura de Sousa Santos ilustra bem o cenário das duas últimas décadas “[...] 54 dos 84 países menos desenvolvidos

viram o seu PNB per capita decrescer nos anos 80; em 14 deles a diminuição rondou os 35%; segundo as estimativas das Nações Unidas, cerca de 1 bilhão e meio de pessoas (1/4 da população mundial) vivem na pobreza absoluta, ou seja, com um rendimento inferior a um dólar por dia e outros 2 bilhões vivem apenas com o dobro desse rendimento.” (SANTOS, 2005, p.34). Nos últimos trinta anos a desigualdade na distribuição dos rendimentos entre os países aumentou muito. A diferença de rendimento entre o quinto mais rico e o quinto mais pobre era, “[...] em 1960, de 30 para 1, em 1990, de 60 para 1 e, em 1997, de 74 para 1. As 200 pessoas mais ricas do mundo aumentaram para mais do dobro a sua riqueza entre 1994 e 1998. Os valores dos três mais ricos bilionários do mundo excedem a soma do produto interno bruto de todos os países menos desenvolvidos do mundo onde vivem 600 milhões de pessoas.” (SANTOS, 2005, p. 34).

Já, no caso do Brasil, Giolo (2006, p. 31) informa que a realidade econômica brasileira apresenta uma grande concentração de renda:

As políticas sociais do governo, apesar de seus méritos inequívocos, estão longe de compensar a lógica concentradora do capital. O Brasil segue mantendo uma elite, constituída por 1% da população, que obtém rendimentos equivalentes ao que percebem os 50% de brasileiros situados na faixa inferior da pirâmide social. Trata- se de uma lógica estrutural de natureza, antes de tudo, econômica, mas também cultural, capaz de encurralar qualquer plano de governo e, no limite, fazê-lo seguir o tranco ditado por ela. (GIOLO, 2006, p. 31).

Diante desse cenário, pode-se dizer que o ideal de concentração de riquezas nas mãos da elite burguesa capitalista retrata as marcas da opressão e da exploração, que podem ser consideradas as faces da dominação do capital. A opressão e a exploração são conseqüências do capital, que domina e engessa, na sua dimensão mais perversa, as possibilidades de justiça social. Essas duas faces tiveram origem no âmbito dos países centrais e, com o advento dos processos de globalização, suas lógicas assumiram dimensões globais. No entanto, há diferenças entre essas duas faces da dominação: a primeira – a exploração – baseia-se na relação direta e desigual entre dominador (explorador) e dominado (explorado). No que diz respeito à opressão, esta relação direta não existe, mas ocorre em função das práticas excludentes dos dominadores. No caso da exploração

[...] há uma relação directa e desigual entre o explorador e o explorado, e de tal modo que o explorador não existe sem o explorado. [...] No caso da opressão, a relação desigual não é directa e sim estrutural, e por isso nem o opressor precisa do oprimido, nem o oprimido sabe muitas vezes quem é o opressor. Um desempregado, um deficiente, um camponês autónomo, uma mulher, um membro de uma minoria étnica ou religiosa podem ser oprimidos sem serem explorados. Os

explorados foram o motor do sistema, enquanto os oprimidos foram um resíduo descartável. (SANTOS, 2007, p?).

A nefasta dualidade global causada pela junção de explorados e oprimidos é a marca desta época, isto é, explorados e oprimidos servem ao capital principalmente porque são recursos humanos que, por meio do trabalho, contribuem para que dominantes (exploradores e opressores) acumulem ainda mais riquezas.

Nesse contexto, salienta-se que o consenso neoliberal atua no sentido de exigir, como dissemos inicialmente, um Estado fraco, fraco principalmente porque sua tarefa nesse consenso deve ocorrer no sentido de liberalizar o mercado de trabalho, achatando os direitos dos trabalhadores, os direitos salariais e eliminando quaisquer perspectivas de que o trabalho seja concebido enquanto componente de valores sociais que promovam a dignidade do trabalhador e de suas famílias.

É importante salientar que, mesmo diante da banalização da opressão e da exploração, o capital globalizado necessita, e muito, da mão-de-obra barata e em massa do trabalhador. Trata-se da “super-exploração da força do trabalho” (IANNI, 1997, p. 156). No atual momento, mesmo com as novas tecnologias que impulsionaram todo o processo produtivo, o trabalhador é peça essencial para que a elite dominante continue a acumular riquezas. O capital global, portanto, não se desenvolve sem a camada dominada. Assim, a questão problemática nesse contexto é o quanto um trabalhador custa para uma empresa em termos salariais e legais. Isso significa dizer que as empresas transnacionais buscam, nos diferentes Estados Nacionais, aqueles em que o custo de mão-de-obra seja mais baixo, bem como os direitos trabalhistas mais frouxos. Entre outros fatores, essas empresas levam em consideração, também, os custos das matérias-primas e impostos. Em suma, o mundo está diante de uma polarização em que, de um lado, estão, sedentos, os dominadores, ávidos por encontrar Estados fracos que lhes proporcionem condições de produção e exploração. De outro lado, está a massa de explorados e oprimidos, esta que, na ótica neoliberal, constitui-se em força motora da produção barata e que permite o aumento da concentração de riqueza.

Nesse campo que delineia um Estado fraco, a injustiça social e a conseqüente democracia de baixa intensidade prevalecem. Em verdade, não há democracia. Para Boaventura de Souza Santos o que há é uma des-democratização das sociedades ocasionada pelo aumento das desigualdades sociais, da violência e da insegurança pública. Eis os sinais mais evidentes:

[...] quando as desigualdades sociais se aprofundam, as políticas públicas, em vez de as reduzirem, ratificam-nas. A protecção dos cidadãos e dos não cidadãos contra actos arbitrários do Estado ou de outros centros de poder económico está a diminuir. Exemplos: o encerramento de centros de saúde sem avaliação de custos sociais; o desemprego decorrente das deslocalizações das empresas; a suspensão da regularização dos imigrantes. A falta de transparência das decisões e ausência de controle dos cidadãos sobre as políticas públicas. O aumento da violência e da insegurança pública. (SANTOS, 2007, p.2).

Em síntese, a des-democratização é mais perniciosa que a democracia de baixa intensidade porque degrada as relações sociais, corrói as redes de confiança e de solidariedade; prolifera a incerteza e a insegurança dos cidadãos em relação aos atos arbitrários do Estado, legitima o aprofundamento das desigualdades sociais que passam a ser legitimadas pelas políticas públicas que, ao invés de as reduzirem, as aumentam via precarização de todas as formas de manutenção da justiça social que se manifesta perante o acesso às condições mínimas de educação, saúde, habitação, segurança, entre outros.

Nesse contexto, qual o ponto de imbricamento da desigualdade, da injustiça social, da democracia de baixa intensidade com a educação superior? Em síntese, à luz da dimensão social da globalização neoliberal, que projeto ficou reservado à educação nos países da periferia?

Diante de tudo o que se dissertou acerca, principalmente, da desigualdade, e entendendo que a educação visa à emancipação social e, portanto, deve caminhar em mão contrária à globalização social, pode-se dizer que o projeto neoliberal reservado à educação enquanto componente de política pública não ultrapassa os ditames de mercado, do capital, baseado na meritocracia (fruto do consenso hegemônico), da competição e da exclusão. “Cada vez mais a educação é tratada como um bem privado em vez de ser vista como uma responsabilidade pública.” (CORTESÃO, STOER, 2005, p. 400).

Levando-se esta realidade para a educação superior brasileira basta observar os gráficos 2 e 3 (apresentados anteriormente), que tratam, respectivamente, do número de instituições públicas e privadas e de vagas nessas instituições no período de 1991 a 2005. Uma análise desses gráficos identifica que para grande parcela da sociedade brasileira resta a educação superior privada que, em grande medida, encontra sérias dificuldades para financiar seus estudos.

Com a oferta de um número de vagas sempre crescente, a iniciativa privada possibilitou o ingresso aos bancos escolares superiores de um expressivo contingente de candidatos que,tradicionalmente, eram eliminados pelos concorridos vestibulares. Esse novo personagem da academia é, geralmente, oriundo das classes populares e sua presença é detectada, de modo especial, na tesouraria das

instituições, como inadimplente, ou nos setores de atendimento ao estudante, como candidato a alguma forma de bolsa de estudo ou de crédito educativo. As fichas socioeconômicas do Enade e, principalmente, o atestado de hipossuficiência apresentado pelos alunos que pleiteiam o Programa Universidade para Todos (ProUni) demonstram cabalmente que há, nos bancos escolares superiores,

gente sem condições econômicas para aderir à educação superior privada.

(grifo nosso). (GIOLO, 2006, p. 26).

Uma contradição peculiar, no caso do Brasil, deriva do fato de que, nas instituições públicas, mantidas com verbas do Estado, estudam as classes econômicas mais privilegiadas, enquanto nas instituições privadas, as classes mais oprimidas. Em outros termos, nas profissões mais concorridas as vagas são preenchidas e ocupadas pelas pessoas mais privilegiadas economicamente. Aí reside mais uma das faces da injustiça social quando o que pode pagar se beneficia da gratuidade financiada, em grande medida, por aquele que estuda na esfera privada. Esse cenário retrata as contradições da educação superior de um país semiperiférico, como é o caso do Brasil.

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 45-50)