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As dimensões política e jurídica

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 50-55)

CAPÍTULO 1 A GLOBALIZAÇAO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR

1.2 A educação superior e suas imbricações no contexto das dimensões da globalização

1.2.3 As dimensões política e jurídica

Dando-se continuidade à leitura da figura 3, no mesmo sentido, isto é, de Leste a Oeste (L ĺ O), mas com observância das dimensões política e jurídica da globalização e de suas imbricações no campo educacional, toma-se por base o seguinte questionamento: à luz das dimensões política e jurídica da globalização neoliberal, que projeto ficou reservado à educação superior nos países da periferia? Que projeto é possível como reação a esse movimento neoliberal? Também aqui, certamente, a segunda pergunta não poderá ser respondida, mas uma tentativa a sua resposta será fornecida adiante, no terceiro capítulo.

Primeiramente, cabe justificar o porquê de se analisar duas dimensões – a política e a jurídica – juntas. Efetivamente, a divisão proposta na figura 3 é meramente didática. Como dito, a globalização não é um fenômeno monolítico, que pode ser lido e entendido dentro de uma linearidade. Assim, todas as suas dimensões permeiam-se, interagem entre si formando um todo complexo. Entender essa complexidade, em outras palavras, é entender esse estado caótico pelo qual o mundo passa em que exclusão, miséria e acumulação de riquezas convivem contraditoriamente.

Sendo assim, em prol do plano didático, as dimensões política e jurídica foram abordadas conjuntamente porque um dos componentes principais da forma política do

Estado – o sistema jurídico – é responsável pela vinculação da globalização política à globalização econômica.

Para melhor se explicar essa vinculação, importante se faz trazer à tona os conceitos de soberania e ordem jurídica, bem como se relembrar que, em decorrência da nova economia pró-mercado instaurada por conta da globalização, os Estados da periferia, em função principalmente da dependência econômica das agências financiadoras internacionais, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, tiveram sua soberania corroída e achatada. Significa que, em prol do ajuste econômico realizado nos países da periferia, o poder do Estado, isto é, sua soberania, passa a ser definida pelos ditames da “cartilha” das agências reguladoras. Em suma: os Estados da periferia perderam sua centralidade tradicional. Não se constituem mais enquanto poder que têm iniciativas econômicas, sociais e políticas, como aconteceu.

Trata-se de uma efetiva corrosão da soberania do Estado. Em outras palavras, a corrosão da soberania é a corrosão do próprio Estado. Nesse sentido, os efeitos da globalização parecem ter, além de transposto os limites fronteiriços, abalado a autoridade superior política e jurídica que sempre caracterizou o Estado.

Salienta-se, nesse sentido, que

[...] a soberania se compreende no exato conceito de Estado. Estado não soberano ou semi-soberano não é Estado. A soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder. Não são soberanos os Estados membros de uma federação. O próprio qualificativo de membro afasta a idéia de soberania. O poder supremo é investido no órgão federal. (AZAMBUJA, 1993, p.34)

Nesse plano, pode-se dizer que a “soberania é integral e universal”. Soberania relativa ou condicionada por um poder normativo dominante não é soberania. Deve ser posta em termos de autonomia. “A soberania é uma espécie de fenômeno genérico de poder. Uma forma histórica do poder que apresenta configurações especialíssimas que não se encontram senão em esboços nos corpos políticos antigos e medievos.” (REALE, 2001, p. 45).

“Por soberania nacional entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politicamente, e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional.” (BEVILÁQUA, 1975, p.89).

No que diz respeito à ordem jurídica, pode-se dizer que o termo ordem “implica a idéia de forma, podendo ser definida como a unidade na multiplicidade ou a conveniente disposição de elementos para a realização de um fim” (DJI, 2006, s/p). O vocábulo norma é

de origem latina e significa “régua, esquadro, algo que é direito, reto, e não sinuoso, incerto”. (DJI, 2006, s/p).

[...] não foi sem razão que Aristóteles, o grande filósofo da Antiguidade Clássica, afirmou que: onde houver sociedade haverá direito (ubi societas ibi jus). Vivendo em sociedade, os homens poderão dispensar uma série de bens úteis, mas não essenciais; entretanto, não poderão, jamais, dispensar a ordem jurídica. Mesmo os regimes políticos mais despóticos e injustos não podem deixar de se amparar num mínimo de legalidade, em caso contrário eles próprios naufragariam na desordem e na insegurança. Então, deve haver uma ordem imposta na vida em sociedade. (DJI, 2006, s/p).

Pode-se dizer que as normas de uma ordem jurídica não estão num mesmo plano de eficácia, de força; estão, isto sim, dispostas dentro de uma hierarquia, sob a égide de uma lei maior de um povo, de um país. O complexo de normas jurídicas em vigor numa sociedade encontrar-se-á sempre disposto dentro de uma organicidade, de forma ordenada e formal. “As normas jurídicas não se acham soltas, isoladas umas das outras; umas dependem das outras, umas complementam as outras.” (DJI, 2006, s/p). Em síntese, a ordem jurídica é uma estrutura, um complexo conjunto harmônico e orgânico.

Diante dos conceitos expostos, pode-se depreender, como afirma Perini (2003, p.1), que “a soberania não pode ser múltipla, ou seja, se existissem diversas soberanias, dentro de determinada ordem, não existiria soberania alguma.”

Nesse caso, dada a interferência do processo global nos Estados da periferia, parece que o conceito atual de soberania necessita ser reescrito em função das exigências do mundo globalizado. Nesse sentido, Perini (2003, p.2) salienta que “[...] uma coisa é certa: boa parte dos autores atuais fala abertamente sobre a necessidade de se reformular o conceito de soberania para adaptá-lo à realidade atual, ou, no mínimo, reinterpretá-lo.”

Nesse aspecto, a tendência atual ocorre no sentido de que o Estado não pode tomar qualquer decisão. O Estado soberano, diante do contexto global, tem demonstrado dever cada vez mais satisfações no que tange às suas decisões, satisfações estas devidas, principalmente, a outros Estados soberanos e a órgãos internacionais, especialmente os estados da periferia.

Cabe destacar, nesse aspecto, que a descaracterização do Estado enquanto agente soberano perpassa pelos ditames do Consenso de Washington, já descrito inicialmente. Como esse Consenso apresenta orientações rígidas voltadas para o mercado e a conseqüente acumulação de capital pelos países hegemônicos, foi necessário que suas regras impusessem políticas de ajustamento estrutural aos países da periferia, países esses devedores das

agências internacionais. Dessa forma, o ajuste estrutural sempre é obrigação dos menos favorecidos.

As políticas de ajustamento estrutural, para se concretizarem, exigem profundas mudanças legais e institucionais. Assim, se pela pressão provocada pelos órgãos internacionais e pela globalização requer-se um Estado fraco ou um Estado mínimo que deixe de intervir, é necessário que este Estado regule a sua própria desregulação. Nesse campo, é importante que o sistema legal do Estado crie mecanismos para que esse desejo neoliberal se efetive, de modo a liberar o Estado dos seus compromissos político-sociais, atribuindo à sociedade civil a responsabilidade que lhe é afeta. E, dessa forma, não será um Estado fraco que vai obter tal intento.

Para tanto, nesse processo de transformação de um Estado fraco em um Estado forte, o consenso sobre o primado do direito e do sistema judicial é essencial, pois é ele que vincula a globalização política à globalização econômica, como afirmado preliminarmente. (SANTOS, 2005).

Particularmente, acerca do consenso do Estado fraco, pode-se dizer que o mesmo constitui-se no cerne da globalização política, pois está baseado na idéia de que o Estado é o oposto da sociedade civil e seu grande inimigo. (SANTOS, 2005). Esse consenso baseia-se no fato de que para um Estado ser fraco, é exigido desse Estado uma intensa atividade regulatória que possibilite a criação de normas e instituições que dêem conta de conduzir a um novo campo de regulação social. Há um deslocamento das funções do Estado para a sociedade. Para que isso ocorra, é necessário que o Estado, em primeiro lugar, demonstre-se forte (para que ocorra o seu auto-enfraquecimento), que exerça, com destreza, sua capacidade de regulação e fortalecimento social para, posteriormente, constituir-se enquanto Estado fraco, não interventor.

É nesse contexto que se entende que a globalização política necessita do sistema jurídico para que se efetive, servindo ao modo de produção transnacional, às agências de financeiras internacionais, ao consenso dos países hegemônicos e, em última instância, deixando a sociedade civil à mercê de sua própria sorte, sob o discurso de que pode caminhar sozinha num caminho obscuro e desconhecido.

Nesse contexto, retoma-se à questão inserida inicialmente: à luz das dimensões política e jurídica da globalização neoliberal, que projeto ficou reservado à educação superior nos países da periferia?

Ora, se há indicativos, pelo consenso hegemônico, de que cabe ao sistema judicial compor um quadro legal que vincule o funcionamento e as atividades do Estado à

globalização econômica, certamente o campo da educação é atingido, pois seu funcionamento, regulação e financiamento partem do plano legal. Assim, pela inoperância do Estado e por influência do mercado, a legislação em vigor, no Brasil, permite que a iniciativa privada atue livremente11 no campo do ensino. Essa permissão está expressa no artigo 209 da Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 7° da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – que dispõe sobre Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no artigo 9° do Decreto n. 5773, de 09 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Essa permissão da iniciativa privada no campo educacional representa, em especial no campo da educação superior, uma regulação que prevê o interesses de grupos de grandes empresários – as elites burguesas estatais e internacionais.

Salienta-se que o consenso hegemônico pretende que a educação dos países da periferia “priorizem a formação técnica, desprezando o potencial humano para a criatividade e a produção científica.” (GAMBOA, 2001, p.99).

No campo da regulação, além do exposto anteriormente, este ideal pode ser visto na meta 10, do Plano Nacional de Educação – área da educação superior, quando determina que se deve “[...] diversificar o sistema superior de ensino, favorecendo e valorizando estabelecimentos não-universitários que ofereçam ensino de qualidade e que atendam clientelas com demandas específicas de formação: tecnológica, profissional liberal, em novas profissões [...].” (PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, p.82).

Ao favorecer as instituições não-universitárias, favorece-se também o descompromisso que estas intituições mantêm com a produção da pesquisa e, assim, despreza-se o potencial humano. Aliás, os países centrais têm desprezado o potencial humano dos países da periferia por vários meios. Um deles consiste no desprezo pelo saber alternativo – o epistemicídio – que para Santos (2007), constitui a monocultura do saber e do rigor em que o único saber é o científico, baseado na ciência ocidental, que será discutido, com mais profundidade, adiante.

11 Conforme o artigo 209 da Constituição da República Federativa do Brasil, o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. O inciso III do artigo 7° da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional acresce ainda que haja capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no Art. 213 da Constituição Federal.

Em suma, a educação dos países periféricos deve se voltar ao trabalho e ao mercado, sem haver grandes inovações científico-tecnológicas independentes das grandes multinacionais tendo em vista o perigo de se criar rivais no mercado mundial. [...]. À América Latina cabe apenas fornecer, além de matérias-primas, força de trabalho tecnificada e barata e condições favoráveis de leis menos exigentes [...] e isenções de impostos que garantam melhores lucros. (GAMBOA, 2001, p.99).

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 50-55)