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Possibilidades de emancipação social – a reinvenção da democracia via educação

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 66-70)

CAPÍTULO 1 A GLOBALIZAÇAO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR

1.4 Possibilidades de emancipação social – a reinvenção da democracia via educação

Boaventura de Sousa Santos defende a idéia da reinvenção da emancipação social. Para ele, essa reinvenção visa a mudar a realidade dos países periféricos que têm vivido, nas últimas décadas, uma crise de regressão com muitas perdas. Essa crise tem um viés epistemológico eurocêntrico, que não têm capacidade de produzir soluções, nem alternativas. Trata-se da crise do pensamento hegemônico das ciências sociais, centradas em uma razão eurocêntrica, incapazes de produzir idéias e de renovar e reinventar a teoria e a emancipação social.

Afirma, ainda que

[...] o problema é que a emancipação social é um conceito absolutamente central na modernidade ocidental, sobretudo porque esta tem sido organizada por meio de ma tensão entre regulação e emancipação social, entre ordem e progresso, entre uma sociedade com muitos problemas e a possibilidade de resolvê-los em outra melhor, que são as expectativas. Então, é uma sociedade que pela primeira vez cria essa tensão entre experiências correntes do povo, que às vezes são ruins, infelizes, desiguais, opressoras, e a expectativa de uma vida melhor, de uma sociedade melhor. Isso é novo, já que nas sociedades antigas as experiências coincidiam com as expectativas: quem nascia pobre morria pobre; quem nascia iletrado morria iletrado. Agora não: quem nasce pobre pode morrer rico, e quem nasce em uma família de iletrados pode morrer como médico ou doutor. (SANTOS, 2007, p.17).

Para o autor a discrepância entre “experiência e expectativa, entre regulação e emancipação está desfigurada.” Sobre a experiência e expectativa, afirma ainda que, nesse caso, há uma inversão, isto é, “as expectativas para a maioria da população não são mais positivas que as experiências correntes; ao contrário, tornam-se mais negativas.”13

Nesse plano, comenta que, para alguns, “chegamos ao fim da História e o que resta é festejá-lo. Nós, ao contrário, pensamos que é preciso continuar com a idéia da emancipação social.” (SANTOS, 2007, p. 18).

O autor enfatiza que não podemos pensar essa emancipação em termos modernos pois os instrumentos que regularam a discrepância entre reforma e revolução, entre experiências e expectativas, entre regulação e emancipação, essas formas modernas, estão hoje em crise.

Salienta-se, nesse contexto, que embora essas formas modernas estejam em crise, o mesmo não se pode dizer, que a idéia de necessitarmos de uma sociedade melhor, mais

13 O exemplo dado por Santos (2007), nesse sentido, é que uma reforma na saúde/educação, hoje, é vista como certa para o

justa, esteja em crise. Pelo contrário, as promessas da modernidade (liberdade, igualdade e solidariedade) são desejos da sociedade mundial.

Nesse sentido, é preciso criar uma epistemologia do sul e não uma epistemologia para o sul, senão corremos o risco de reproduzir novamente a epistemologia do norte.

A caracterização dessa crise das ciências eurocêntricas é feita por Boaventura de Sousa Santos a partir de duas figuras de linguagem: metonímia e prolepse. Em poucas palavras a razão metonímica reproduz somente aquilo que foi hegemonicamente consagrado. Ela reproduz tudo. Tudo o que não for de acordo com o que ela pensa é reduzido de forma global e hegemônico. Essa razão metonímica produz cinco modos de produção de ausências, as chamadas monoculturas: Monocultura do saber e do rigor;

Monocultura do tempo linear; Monocultura da naturalização das diferenças; Monocultura da escala dominante; e, Monocultura do produtivismo capitalista.

O quadro a seguir, montado com base na exposição de Santos (2007), traz as explicações referentes a cada tipo de monocultura, com sua caracterização e forma de produção de ausência:

TIPO CARACTERIZAÇÃO FORMA (MODO) DE PRODUÇÃO DE AUSÊNCIA

Monocultura do saber e do rigor

-O único saber rigoroso é o científico. Os outros conhecimentos não têm validade.

-Baseia-se na ciência ocidental

-Essa cultura cria a inexistência de tudo o que não se coaduna com o modelo hegemônico.

-Reduz, contrai o presente porque elimina muita realidade que fica fora das concepções científicas da sociedade porque há práticas sociais que estão baseadas em conhecimentos populares, indígenas, camponeses, urbanos, mas não são avaliados como importantes ou rigorosos. -Produz o epistemicício, isto é, a morte dos conhecimentos alternativos.

Monocultura do tempo linear

-Os países hegemônicos estão na dianteira da direção, da história.

-Tudo o que existe nos países hegemônicos é melhor (progressista)

-Os países pobres que não acampanham a linearidade, a direção, isto é, que não acompanham os países que estão na dianteira do desenvolvimento são atrasados ou residuais.

-Visão de que seja impossível pensar que os países menos desenvolvidos possam ser mais desenvolvidos que os desenvolvidos em alguns aspectos. Monocultura da naturalizaçã o das diferenças

-Ocultam hierarquias, das quais a classificação racial, ética, a sexual e a de castas (na índia) são as mais persistentes. Ao contrário da relação capital/trabalho, aqui a hieraquia não é a causa das diferenças mas sua conseqüência, porque os que são inferiores nessas classificações naturais o são “por natureza”,

e por isso a hierarquia é uma conseqüência de sua inferioridade; desse modo se naturalizam as diferenças.

-A ausência se dá pela inferiorização.

Monocultura da escala dominante

-Há uma escala dominante nas coisas (universalismo ou globalização). O universalismo desconsidera o contexto no qual ocorre. A globalização considera a localização (ex. Quando você localiza o McDonald’s localiza suas comidas, torna-as locais).

-A ausência é do particular e do local. A realidade particular e local não tem dignidade como alternativa crível a uma realidade global, universal. O global e universal é hegemônico; o particular e local não conta, é invisível, descartável, desprezível.

Monocultura do produtivismo capitalista.

-É a idéia de que o crescimento econômico e a produtividade mensurada em um ciclo de produção determinam a produtividade do trabalho humano ou da natureza, e tudo o mais não conta. Tudo o que não é produzido nesse contexto é considerado improdutivo e estéril.

-Neste caso, a maneira de produzir a ausência é com a improdutividade de qualquer outra forma produtiva que não a do modo capitalista.

Quadro 1 – Monoculturas da razão metonímica.

Fonte: Elaborado a partir da obra de SANTOS, 2007, p.28-31.

Diante desse contexto de monoculturas que produzem a ausência de forma global e que dão sustentação à razão mentonímica, Santos (2007) propõe uma reação, uma inversão a

esse cenário por meio da Sociologia das Emergências. Nesse aspecto, o autor enfatiza que “temos de fazer que o que está ausente esteja presente, que as experiências que já existem mas são invisíveis e não-críveis estejam disponíveis; ou seja, transformar os objetos ausentes em objetos presentes.” (Idem, p.32).

Destaca Santos (2007, p.32) ainda que “[...] nossa sociologia não está preparada para isso, não sabemos trabalhar com objetos ausentes, trabalhamos com objetos presentes; essa é a herança do positivismo. Estou propondo, pois, uma Sociologia insurgente.” Essa falta, isto é, ausência é tratado por Boaventura como “desperdício da experiência” (Idem, Ibidem, p.32).

Enfatiza Boaventura que a maneira de construir a Sociologia das Ausências é substituir as monoculturas pelas ecologias (que são cinco): Ecologia dos saberes; Ecologia das temporalidades; Ecologia do reconhecimento; Ecologia transescala; Ecologia das produtividades.

TIPO DE ECOLOGIA CARACTERIZAÇÃO FORMA (MODO) DE PRODUÇÃO DA SOCIOLOGIA DOS EMERGENTES (REAÇÃO CONTRA AS MONOCULTURAS)

Ecologia dos saberes -Trata-se de usar contra-hegemonicamente a ciência

hegemônica.

-Aqui a ciência hegemônica deve dialogar com o popular.

-cria a possibilidade de que a ciência entre não como uma monocultura, mas como parte de uma ecologia mais ampla dos saberes em que o saber científico possa dialogar com o laico, o popular, camponês.

Ecologia das temporalidades -Embora exista um tempo linear, também existem

outros tempos.

-O importante é eliminar a residualidade (ex. Um camponês quando encontra um executivo deve ser visto sem a residualidade – inferioridade – em função do executivo – que pela monocultura do tempo linear é visto como mais avançado).

-Cada forma de sociabilidade deve ter sua própria temporalidade, porque se se vai reduzir tudo à temporalidade linear, está-se afastando todas as outras coisas que têm uma lógica distinta (da minha.)

Ecologia do reconhecimento -Deve-se descartar as hierarquias, isto é, somente

deve-se aceitar as diferenças que restem depois de as hierarquias terem sido descartadas.

-Descarte da hierarquia. As diferenças que permanecerem depois de eliminarmos as hierarquias são as que valem.

Ecologia transescala -Deve-se ser capaz de trabalhar entre as escalas,

articular análises de escalas locais, globais e nacionais. (Obs: observamos escalas de fenômenos, e por isso muito dos discursos dos executivos ou das agências transnacionais têm uma escala para ver os fenômenos que não é a nossa, ou que não é a dos trabalhadores ou dos camponeses. Portanto, é preciso analisar como é possível ver através das escalas.

-Possibilidade de articular em nossos projetos as escalas locais, globais e nacionais.

Ecologia das produtividades -Consiste na recuperação e valorização dos sistemas

alternativos de produção, das organizações econômicas populares, cooperativas.

-Valoriza os sistemas alternativos (produção, organizações populares, etc).

Quadro 2 – Ecologias – tipos, caracterização e forma de produção da sociologia.

Fonte: Elaborado a partir da obra de SANTOS, 2007, p.28-31.

Por sua vez, no que diz respeito à Razão Proléptica, de forma resumida, pode-se dizer que é aquela que explica demasiadamente o futuro. É tão perigosa quanto à Razão Metonímica (que reduz).

Cabe salientar que Santos (2007, p. 37) enfatiza que “a crítica da razão proléptica é feita por outra sociologia insurgente, a Sociologia das Emergências. Enquanto a Razão

Metonímica é confrontada com a Sociologia das Ausências, a Razão Proléptica é enfrentada pela Sociologia das Emergências. Ainda, enquanto a Sociologia das Ausências objetiva tornar presentes experiências desperdiçadas (ausentes), a Sociologia das Emergências visa produzir experiências possíveis “que não estão dadas porque não existem alternativas para isso, mas são possíveis e já existem como emergência.” (Idem, p.38).

A Sociologia das Emergências, por fim, nos permite abandonar a idéia de futuro abstrato, sem limites, substituindo-o por algo concreto, baseado nessas emergências de modo que o futuro possa ir sendo construído. A produção das ausências e a sua contradição – a sociologia dos emergentes – podem ser assim sintetizadas:

Figura 4 – Razão Metonímica (monoculturas) X Sociologia dos Ausentes (ecologias)

Fonte: Elaborado por Jeferson Saccol Ferreira (2007), com base em Santos (2001, p. 77) e Longhi (1998, p.31)

No documento 2008JefersonSaccol parte1 (páginas 66-70)