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Saúde e doença; representações sociais, avaliações pessoais e médicas dos estados de saúde.

7.2. A dimensão vivencial da saúde

Tentámos identificar os léxicos associados à dimensão vivencial de saúde presentes nos discursos das nossas entrevistadas. Os quadros 7.3 e 7.4 mostram-nos os resultados relativos às mulheres de classe média-alta e média-baixa respectivamente.

Quadro 7. 3 - Léxicos utilizados na definição da dimensão vivencial da saúde nas mulheres de classe média-

alta; frequência total de utilização e sua distribuição por grupos etários

Grupos etários Léxicos/ expressões 20-34 anos 35- 49 50-64 Total anos anos

Associados a estado positivo, equilíbrio 15

„„„ „ „„ Bem estar físico e psíquico 6

„„ Cumprir objectivos 2 „„ 2 Felicidade „ 1 Em estar global „ Alegria 1 „ Vontade 1 „ Convívio 1 „ Independência 1

Associados a instrumento (ter ou sentir) 10

„ „„ „

Energia 4

„ „

Actividade 2

Capacidade „ „„„ 4

Associados a estado negativo, oposto de doença 2

Não ter queixas „ 1

Não sentir nada „ 1

Na análise das respostas das mulheres de classe média-alta, oito palavras ou expressões, mencionadas por 15 vezes, associam a saúde a estados ou sentimentos positivos; três, mencionados por dez vezes, evocam-na sobretudo como um instrumento.

Não ter ou não sentir, expressões aqui mencionadas por duas vezes, descrevem a saúde pela negativa, pelo que se opõe à doença (cf. anexo B2).

Quadro 7. 4 - Léxicos utilizados na definição da dimensão vivencial da saúde nas mulheres de classe média-

-baixa; frequência total de utilização e distribuição de frequências por grupos etários

Grupos etários Palavras/expressões utilizadas

20-34 anos 35-49 anos 50-64 anos Total

Saúde – estado positivo, equilíbrio 10

Sentir-se bem em todos os aspectos: espiritual, físico psicológico „„ „ 3

Vontade de viver „ „„ 3

Alegria „„ 2

Paz „ 1

Felicidade „ 1

Saúde – instrumento, capacidade para 10

Poder fazer coisas „„„ „„ 5

„ „

Capacidade para trabalhar 2

„ „

Ter energia 2

„

Bem precioso 1

Saúde – vazio ( não ter, não sentir) 2

„ „

Não ter dores/queixas/doenças 2

Contrariamente ao que acontece quando se procede ao estudo do campo da representação, em que os léxicos utilizados para a definição de saúde a associam sobretudo a um instrumento, ao evocarem a experiência directa de saúde as mulheres da classe média- baixa utilizam aqui, com igual frequência, termos que conectam a saúde a uma vivência positiva e expressões que a associam a um instrumento. Menções à saúde como a simples ausência, de doença, queixas ou dores, encontram-se com menor frequência em todas as mulheres independentemente da sua inserção social.

7.3. As concepções de saúde

Globalmente poderíamos dizer que encontrámos na população estudada concepções de saúde muito próximas das que Claudine Herzlich (1974) identificou: saúde-equilíbrio, saúde-instrumento, saúde-vazio. Uma outra concepção, a de saúde-produto, identificada por Janine Pierret (1994: 239), foi reconhecida apenas numa das mulheres entrevistadas.

O conceito saúde – equilíbrio tende a predominar sobretudo nas mulheres de classe média-alta, particularmente nos escalões etários mais baixos. Carolina apresenta de saúde a seguinte definição:

“Saúde é um bem-estar, é a pessoa estar bem, não ter dores, as análises estarem normais; é um equilíbrio entre o orgânico, o psicológico e todos os outros aspectos da vida”.

“Sentir-me com saúde é sentir-me bem em todos os aspectos; não ter dores, estar equilibrada, sentir que à minha volta as coisas estão bem”

[Carolina, 31 anos, farmacêutica]

Para Isabel, a saúde é concebida como:

“…um bem estar físico e mental. Eu acho que o bem estar psicológico ainda é mais importante do que o físico. Se não estivermos bem psiquicamente sentimos com mais intensidade qualquer mal estar físico.”

[Isabel, 39 anos, gerente empresarial e consultora jurídica]

Rosário apresenta a sua concepção de saúde em termos que, de alguma forma, se assemelham aos anteriormente utilizados:

“Saúde é um estado de bem estar físico resultante de um harmonioso funcionamento orgânico, é um bem estar psicológico que vem de um mundo relacional satisfatório e gratificante para a pessoa e poderemos ainda considerar um bem estar social que resulta de um envolvimento ambiental não agressivo e de politicas centradas no indivíduo, dirigidas ao seu bem estar – politicas do trabalho, do ambiente, da saúde. Eu acho que é uma situação de equilíbrio entre estes diferentes aspectos da nossa existência.”

A dimensão vivencial de saúde é traduzida por si do seguinte modo:

“Para mim, pessoalmente, sentir-me com saúde é estar bem física e mentalmente, sentir-me satisfeita e ter energia para fazer as coisas de que gosto, seja trabalhar, estar com outras pessoas, poder nadar, andar, dançar…no fundo fazer as coisas que me dão mais prazer.”

[Rosário 55 anos, psicóloga e docente universitária]

Margarida aceita na concepção de saúde a existência de algum grau de incapacidade: “Saúde é bem estar… para mim é a pessoa estar bem do ponto de vista físico e psicológico. O bem- estar tem a ver com o tu te sentires bem contigo própria, física e psicologicamente, o que implica a aceitação de alguma incapacidade, mesmo que ela haja. Mas desde que te sintas bem…”

[Margarida, 51 anos, médica]

Expressões como paz, alegria, gosto pela vida, estão como atrás vimos associadas a esta concepção de saúde e estão presentes na enunciação de Paula: “Saúde é paz interior, alegria, vontade de viver”. Referindo-se à sua experiência pessoal diz:

“Saúde para mim é estar em paz comigo mesma, com alegria e eu transmitir isso também. Conseguir sair de manhã de casa e gostar de viver. Sair de casa ir beber um cafezinho e sentir- me bem, sentir- me com vontade de sorrir para toda a gente”

[Paula, 34 anos, empregada de consultório, actualmente desempregada].

A “saúde-equilíbrio” é então concebida como um estado positivo, complexo, que inclui o equilíbrio entre o orgânico, o mental e os outros aspectos da vida, nomeadamente aspectos sociais, relacionais ou ambientais e que se caracteriza pelo bem estar físico e

psicológico, integrando elementos como a alegria, a felicidade e o cumprimento dos objectivos próprios. A vida com conforto e a transmissão para os outros desse bem-estar global, através da aparência física, surgem ainda relacionadas com esta concepção de saúde.

Uma mesma entrevistada pode utilizar na sua definição de saúde elementos que se inserem nas várias concepções de saúde aqui identificadas e que de alguma forma interliga para formar o seu conceito próprio. O predomínio de uns ou outros permite-nos contudo a inclusão da sua definição numa das várias concepções dominantes identificadas. As respostas de Inês e Maria João são representativas do que anteriormente afirmámos:

“Saúde para mim é o bem-estar físico e mental. A saúde é o oposto da doença. Quando penso em saúde penso no oposto, na falta de saúde. Para mim saúde é vitalidade, alegria, bem-estar, boa disposição em termos físicos e também emocionais. A pessoa está mais alegre, está mais satisfeita e há menos problemas… ou nós conseguimos resolve-los mais facilmente.”

[Inês, 34 anos, ictiopatologista]

Se a saúde é aqui considerada como o oposto da doença, existe contudo um predomínio de elementos positivos a ela associados que nos permitem incluir a definição de Inês na concepção mais holística de saúde-equilíbrio. Para Maria João, embora existam aspectos relacionados com prazer e usufruição do mundo na sua definição de saúde, esta comporta, claramente, mais elementos de carácter instrumental; a sua representação de saúde é a de saúde como um instrumento.

“ Saúde? É poder fazer tudo. Estar bem disposta, com alegria. Usufruir com gosto do mundo, dos estímulos exteriores…Fazer tudo é relativo… Cada pessoa tem o seu objectivo. Gosta de trabalhar, gosta de estar com amigos, de partilhar determinados momentos com outras pessoas, de conhecer outras pessoas. E quando uma pessoa tem saúde está muito mais aberta para tudo, e pode cumprir melhor os seus objectivos Saúde é a capacidade física de fazer as coisas e o prazer de as poder fazer.

Quando me sinto com saúde faço tudo o que posso fazer naquela altura porque sei que dali a um tempo …Brinco. Aproveito e faço tudo o que posso quando estou com saúde porque já sei que vai haver um dia em que vou ter um ataque de asma e que não vou poder fazer nada… vou ter que estar fechada durante uma semana… “

[Maria João, 34 anos, arquitecta]

Saúde pode então ser percebida como um instrumento, como algo que se possui e permite obter coisas, como uma capacidade para fazer coisas ou para permanecer independente de outros. Esta concepção de saúde – instrumento predomina nas mulheres de classe média- baixa; nesta perspectiva saúde é encarada como um instrumento para, instrumento que

pode, na linguagem das entrevistadas, comparar-se à capacidade para trabalhar ou para fazer o que quer que seja, como o exprime Georgina:

“Com saúde consigo andar com o meu barco para a frente.”

[Georgina, 53 anos, dama de companhia]

Esmeralda expressa deste modo a sua forma de conceber saúde:

“Primeiro é assim… é um factor muito importante, porque nós tendo saúde temos tudo. Eu considero-me feliz quando tenho saúde. Porque com saúde consigo criar os meus filhos sem dificuldade nenhuma, mesmo que me falte o trabalho aqui eu agarro qualquer serviço para fazer – eu adoro trabalhar, gosto muito de trabalhar e faço tudo. Se me falta saúde já não consigo fazer nada, não consigo acompanhar os meus filhos em todos os sentidos e eles precisam muito da mãe. Sentir-me com saúde…ai, é para andar, para trabalhar, para passear, é para fazer surpresas aos meus filhos…”

[Esmeralda, 41 anos, auxiliar de educação]

Janine Pierret, a propósito desta concepção de saúde, afirma: “Esta forma traduz a persistência da saúde em termos de valor, de riqueza… esta valorização não significa que a saúde seja uma finalidade, um objectivo em si mesma, mas antes o pilar indispensável da vida que adquire sentido em relação ao trabalho, à actividade (Pierret 1994: 236).

Quatro entrevistadas, somente, exprimem a saúde apenas em termos de ausência de doença. Não ter queixas, não ter dores, não ter doenças, não sentir nada são aqui as expressões mais utilizadas. A concepção de saúde como um produto, algo que resulta da acção do sujeito, das suas escolhas, surge em Luísa, que a verbaliza deste modo:

“Para mim é muito simples, eu sou muito pragmática, muito organizada. Para mim, saúde tem que ver com estilo de vida e no estilo de vida está a alimentação e está o desporto, a actividade física. E não passa por alimentação desregrada, nem passa por vícios como o tabaco e o alcoolismo, não passa por aí. Estou longe disso, porque esta é a minha educação e a minha forma de estar na vida. Não quer dizer que quando chega o Natal não faça disparates. Como sonhos e tolero, mas isso todos os Natais tem de ser assim. Mas no dia a dia, eu tenho uma alimentação…aquela… pode estar errada, percebe, mas eu sinto-me bem. E se eu me sinto bem eu continuo.

O estar bem é não ter doenças. Mas também para mim é muito claro que para chegar a este estado não é só carga genética, tem de ser, fundamentalmente com a alimentação e com as práticas que se tem de vida.”

[Luísa, 57 aos, docente universitária]

Nos seus trabalhos, Janine Pierret encontrou esta concepção de saúde em indivíduos de idade superior a 40 anos, com inserção urbana (Parisienses) e rendimentos médios e elevados; nesta concepção “a saúde é o produto dos comportamentos individuais, das

condições de vida e do sistema social… ela é o valor individual, a referência suprema a que cada pessoa submete a sua vida.” (Pierret, 1994: 339).

No quadro 7.5 estão representadas as concepções de saúde presentes nas nossas entrevistadas, por classe social e grupos etários. Mais do que o grupo etário a classe social parece constituir o factor que mais diferença introduz nas concepções dominantes.

Quadro 7.5 – Concepções de saúde nas mulheres entrevistadas por classe social e grupos etários