• Nenhum resultado encontrado

Saúde e doença; representações sociais, avaliações pessoais e médicas dos estados de saúde.

Capítulo 8 Coesão familiar

8.1. Famílias e actividades de tempos livres

comunicação na família constituiu também uma área que quisemos investigar. Debruçámo- nos preferencialmente sobre o grau de frequência da comunicação verbal, os conteúdos da mesma bem como os aspectos que regulam a posição dos vários intervenientes no processo comunicacional. Ao trabalhar sobre as dinâmicas de interacção e tipos de conjugalidade Sofia Aboim (Aboim 2005b) analisou as práticas quotidianas de divisão do trabalho doméstico como uma das dimensões da coesão conjugal. Considerando-as sem dúvida um importante item de análise da coesão conjugal, incluímo-las contudo, no desenho do nosso estudo, no campo das regras familiares, por as julgarmos um bom indicador da rigidez ou flexibilidade da regulação familiar.

8.1. Famílias e actividades de tempos livres

Procurámos investigar junto das nossas entrevistadas a forma como as respectivas famílias organizavam as suas actividades de tempos livres, interna e externamente; que actividades, em número e natureza, unem os elementos do casal, os elementos da família como um todo e ainda aquelas que cada uma das entrevistadas realiza por si só, o que nos poderá sugerir o seu grau de autonomia no interior do agregado familiar. Os dados obtidos através da análise das entrevistas estão patentes nos Anexos C1 e C2.

Conversar e ver televisão constituem as actividades de lazer no interior mais frequentemente feitas em conjunto pelos dois elementos do casal, na população estudada independentemente da sua inserção social. As diferenças em relação aos dois grupos sociais traduzem-se sobretudo no convívio com amigos e familiares, no domicílio, que com maior frequência acontece nas famílias mais favorecidas do ponto de vista social.

Em cinco dos casos não são reconhecidas pelas mulheres quaisquer actividades feitas em conjunto pelos dois elementos do casal. Nos casais mais novos tal circunstância prende-se com existência de filhos pequenos e ainda com opções do próprio casal, ou de um dos seus elementos, que dificultam um maior envolvimento dos dois cônjuges em simultâneo numa mesma actividade; o subsistema parental parece aqui ter primazia sobre o conjugal. Carlota, com três filhas de cinco, três e dois anos refere-o na sua entrevista:

“Agora, assim sozinhos, confesso que não temos tempo. Até porque elas, como são todas muito seguidas, é complicado deixá-las separadas porque sentem muito a falta umas das outras. Mas também é um grande peso deixá-las com uma pessoa, as três. E eu não gosto de sobrecarregar os

outros. Eu quando decidi ter filhos decidi iriam para o infantário ou arranjaria uma empregada; nunca as deixaria com os meus pais. É um bocadinho essa forma de pensar…Custa-me, se eu precisar de estar ausente, custa-me pedir para ficar com elas. Eu prefiro sacrificar qualquer coisa que tenha de fazer para ficar com elas.”

[Carlota, 31 anos, engenheira agrónoma]

Nos casos de mulheres de outras faixas etárias, são outras as razões invocadas. Mariana, com mais de dez horas de trabalho profissional diário, casada desde os 18 anos e com dois filhos de vinte e quatro e catorze anos exprime-se assim:

“Actualmente não há tempos livres em conjunto...Há uns anos atrás era até com o miúdo, com o mais velho. Brincava com ele. Tinha a minha avó que sempre me ajudava um pouco em casa e eu já aproveitava mais um bocadinho. Isto até o miúdo entrar para a escola…A partir daí, não voltei a ter grande tempo para descansar. Com meu marido? Não há tempo para estar juntos!”

[Mariana, 44 anos, costureira]

A televisão ocupa ainda um lugar central nas actividades desenvolvidas em conjunto pelos diferentes elementos de uma família, seguida pelo visionamento de filmes. Jogos e brincadeiras com os filhos unem também em casa os diferentes membros de algumas famílias, particularmente nas famílias de mulheres pertencentes aos dois escalões etários mais jovens. Num número inferior de casos as brincadeiras e jogos com crianças ocorrem apenas no subsistema mãe–filhos, ou mais raramente, nos subsistema mãe−filhos e pai–filhos, alternada ou simultaneamente, como nos casos de Isabel e Elisabete:

“ Os quatro juntos é raro; quando ele está em casa, ele está mais com os filhos ou então vai sair com eles. Comigo, fazemos jogos e gostamos muito de fazer trabalhos em cerâmica e madeira. Eles gostam muito e eu também.”

[Isabel, 39 anos, gerente empresarial e consultora jurídica, dois filhos de 12 e 8 anos]

“O meu marido e o meu filho gostam muito de jogar damas, os dois. A minha filha é mais fazer penteados e brincarmos no quarto dela às mães e às filhas Todos juntos é mais complicado porque ela não consegue fazer um jogo, não consegue estar quieta. Com ela é mais difícil fazer qualquer coisa em casa. Tem de ser um de nós com cada um.”

[Elisabete, 41 anos, técnica de sinalização luminosa, um filho de 17 anos e uma filha de 8 anos]

A leitura é a actividade individual que mais ocupa as mulheres, sem grandes diferenças nos dois grupos sociais, seguida ainda pelo ver televisão. Seis das trinta mulheres entrevistadas declaram, contudo, não ter tempo nem condições para poderem desenvolver qualquer actividade de lazer individual no interior do espaço doméstico.

“ Em casa? Nada. Sento-me no sofá e ao fim de quinze minutos estou a dormir”

[Inês, 34 anos, Ictiopatologista, duas filhas de três e um anos]

“Em casa não! Só quando estou a tomar banho ou a vestir-me. Fecho a porta porque senão tenho sempre a minha filha a dizer que quer pôr baton, pôr ganchos…Se aos sábados de manhã não trabalhar, sou capaz de dizer aos meus filhos que vou trabalhar, sou capaz de dizer uma mentira piedosa e vou ao cabeleireiro ou fazer qualquer outra coisa. Mas em casa é impossível!”

[Carolina, 31 anos, farmacêutica, uma filha de três anos e um filho de cinco anos]

Se para Carolina e Miguel as actividades de lazer individuais ou conjugais, são, no espaço da casa, de realização difícil, o recurso a “retiradas estratégicas” pontuais parece reforçar a fronteira do subsistema conjugal, libertando-os temporariamente das suas funções parentais:

“Tentamos uma vez por ano, quatro ou cinco dias, viajar e estarmos só os dois. Eles ficam esses dias com a minha mãe. Por cá, vamos os dois sozinhos ao restaurante, para aí quinzenalmente. Mas tentamos realmente ir jantar fora e estarmos só os dois. Porque em casa é impossível.”

[Carolina]

As idas ao restaurante e ao café, o convívio com amigos fora do espaço doméstico, e os espectáculos são, aliás, as actividades de tempo livre no exterior preferidas pelos casais de classe social média-alta. Eventos culturais e viagens surgem numa posição intermédia, sendo curiosamente minoritários o passeio a pé ou outras práticas desportivas. Passeio a pé, ida ao café e passeio de automóvel surgem como as actividades mais realizadas pelos casais da classe média-baixa. Das trinta mulheres entrevistadas sete declaram não ter qualquer actividade individual no exterior. A prática desportiva, o passeio a pé, e o convívio com amigos, são as práticas individuais preferidas pelas mulheres entrevistadas; a presença em eventos culturais é mencionada apenas nas mulheres de classe média-alta (cf. anexos C1 e C2).

Nos quadros 8.1 e 8.2 apresentamos, por família, a totalidade de actividades desenvolvidas por casal, família e subsistema mãe-filhos e ainda o número de tarefas realizadas individualmente por cada entrevistada, no espaço da casa e no exterior, respectivamente, nas famílias de classes social média-alta e média baixa. Os quadros apresentam apenas a quantificação de actividades desenvolvidas pelos diversos subsistemas; a especificação das mesmas encontra-se nos anexos C1e C2.

Quadro 8.1 - Nº de actividades efectuadas por família e pelos diferentes subsistemas, no espaço

doméstico e no exterior, nas famílias de classe média-alta

Grupos etários 20-34 anos 35-49 anos 50-64 anos

Nº Entrevista 4 8 9 10 27 5 12 23 28 30 7 11 17 20 26 Actividades internas Casal 5 2 1 0 0 3 1 1 1 2 2 6 1 2 4 Família - 0 2 1 3 3 1 3 2 0 2 6 3 - - Subsistema mãe-filhos - 2 0 1 0 0 0 0 0 2 0 0 0 - - Subsistema pai-filhos - - - - - - - - - - Mulher 2 3 0 2 0 4 1 1 0 0 4 2 3 3 Actividades externas Casal 7 3 3 0 0 1 2 1 0 3 2 8 2 0 4 Família - 2 3 1 2 4 0 2 3 3 1 3 2 - - Subsistema mãe-filhos - 2 0 1 0 0 2 0 0 0 0 0 0 - - Subsistema pai-filhos - - - - - - - - - 1 - - - - - Mulher 2 1 1 0 1 0

Nos grupos etários mais jovens tendem a predominar, nas actividades internas e externas, aquelas que envolvem toda a família. As que envolvem apenas o casal, situam-se nas famílias em fase de ninho vazio ou pelo contrário em famílias com crianças com menos de três meses (entrevistas nº 4, 20 e 26). O caso correspondente à entrevista nº 8 apresenta algumas particularidades; a família de Mª João e Raul vive, pela profissão do marido, uma situação peculiar. Nos longos períodos de ausência de Raul a vida quotidiana decorre entre mãe e filhos, mas na presença do pai, as actividades de casal tendem a preponderar:

“ Quando ele está, tenho de dar atenção a mais um! Porque ele tem ciúmes dos filhos. É muito complicado. Nos dois primeiros dias tem muitos ciúmes dos filhos, portanto vai logo deitá-los. Depois já começa a aceitar melhor. E os filhos também não conseguem aceitar logo a entrada do pai. Gostam muito, fazem uma grande festa mas o mais velho especialmente… há ali uma guerra… está sempre a provocar o pai.

Os dois fora de casa? … Vamos ter com amigos, vamos sair um bocadinho à noite, vamos ao cinema, vamos passear, vamos jantar…. Às vezes vamos passar o fim – de - semana fora e aí vamos ver uma Igreja ou qualquer monumento que haja para ver…Espectáculos… outro dia fomos ao teatro e gostámos muito. Foi a primeira vez que fomos os dois ao teatro. Quando ele está aproveitamos muito para sair os dois.”

3 1 2 1 2 2 4 2 1

[Maria João - entrevista nº 8]

Também nas famílias de classe média-baixa as actividades de tempo livre que envolvem toda a família tendem preponderar; as excepções dizem respeito, na sua maioria, a famílias sem filhos, a grupos domésticos múltiplos ou a famílias com jovens adultos com vida independente dos pais.

Quadro 8. 2 - Nº de actividades efectuadas por família e pelos diferentes subsistemas, no espaço doméstico e

no exterior, nas famílias de classe média-baixa

Grupos etários 20-34 anos 35-49 anos 50-64 anos

Nº Entrevista 3 16 18 22 24 2 13 14 25 29 1 6 15 19 21 Actividades internas Casal 3 1 2 2 1 0 2 2 1 3 2 3 1 1 2 Família - 2 3 1 2 0 2 2 0 1 0 - 1 2 1 Subsistema mãe-filhos 0 2 0 0 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 0 Subsistema pai-filhos - - - - - - - 1 - - - Mulher 2 1 1 0 1 0 3 1 2 1 2 2 4 2 1 Actividades externas Casal 3 0 1 0 1 0 1 3 0 2 2 4 3 2 3 Família - 3 3 2 4 0 2 - 0 5 0 - 0 - 4 Subsistema mãe-filhos - 2 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 0 0 Subsistema pai-filhos - - - - - - - - - - Mulher 2 1 0 0 1 1 2 0 2 1 1 0 1 1 1

No caso de Márcia, casada há 27 anos com Vítor, com um filho de 24 anos e uma filha de 22 anos, são praticamente inexistentes as actividades conjuntas de família e de casal:

“Em casa…todos juntos não fazemos nada. Televisão também não vemos juntos. Em casal? Nada. Conversamos às vezes …Sozinha gosto de ler e de ver TV, filmes…

Fora de casa… não vamos a lado nenhum todos juntos também; andar a pé vou sozinha ou vou às vezes com a minha filha. Em casal, vamos ao restaurante só quando fazemos anos de casados. Não fazemos mais nada

Eu, sozinha, vou aos sábados à Associação de Arte”

[Márcia, 47 anos, monitora de cerâmica]

Também para Mariana (entrevista nº2), com mais de dez horas diárias de trabalho profissional, não existem actividades de tempo livre que juntem o casal ou a família. Raramente, um jogo com o filho mais novo, é a actividade de lazer que usufrui no seio da sua família. O intervalo para almoço é o seu único tempo de lazer, aproveitado sempre para o convívio com as colegas:

“Actualmente não há tempos livres em conjunto. Há uns anos atrás era até mais com o miúdo, com o mais velho. Brincava com ele. Tinha a minha avó que sempre me ajudava um pouco em casa e eu já aproveitava mais um bocadinho. Isto até o miúdo entrar para a escola…A partir daí não voltei a ter grande tempo para descansar.

Nós os dois não temos tempos juntos em casa. Às vezes lá jogo um bocadinho com o meu filho mais novo, na “Playstation”, mas muito pouco…Eu não tenho tempo livre.

Fora de casa… em casal, nada. Em família… não existem.

Tenho o meu tempo de almoço que é sagrado e é aí que convivo com as minhas colegas. E vamos sempre, todas juntas, tomar o nosso cafezinho.”