Estabelecer uma eventual relação entre auto-percepção de saúde nas mulheres e o tipo de famílias em que estas se inserem constituía um importante objectivo do nosso trabalho. Julgamos estar agora em condições de o fazer.
Tipologias são procedimentos que agrupam as unidades por uma combinação de critérios. Segundo Roussel as tipologias familiares pretendem definir as famílias a partir do seu modo de funcionamento, pelo que, para captar as estratégias que regulam as escolhas e os comportamentos dos casais, os sociólogos devem combinar várias dimensões (Roussel, 191: 84).
No capítulo 4 fizemos referência a algumas das tipologias mais utilizadas nos estudos sobre famílias.
Orientámos uma parte da nossa investigação usando dimensões de análise trabalhadas por Kellerhals e procurámos utilizar no nosso trabalho a proposta de tipologia que Kellerhals, com a colaboração de outros autores, nos apresenta (Widmer, Kellerhals e Levy 2004). Com base na coesão, no grau de divisão sexual dos papéis, e na abertura familiar classificámos as famílias das nossas entrevistadas nos cinco tipos que integram esta tipologia:
- Associativo: indiferenciação de papeis, coesão fraca e franca abertura ao exterior
- Bastião: forte diferenciação sexual dos papéis, fusão e fraca abertura ao exterior com encerramento sobre si mesma.
- Paralela: forte diferenciação dos papéis sexuais, autonomia dos vários elementos e abertura fraca ao exterior
- Casulo: forte fusão, abertura ao exterior fraca ou fechamento e indiferenciação de papéis Companheirismo: fraca diferenciação dos papéis, fusão e abertura ao exterior.
Encontrámos nas famílias estudadas três famílias que se não integram nos tipos atrás referidos e que definiremos, duas como paralela com abertura, por apresentarem grande autonomia individual, forte divisão dos papeis sexuais mas maior abertura ao exterior e outra como associativa com fraca abertura familiar, por predominarem orientações externas mas pouca abertura do casal ao exterior.
Nos quadros 12.1 e 12.2 apresentamos os tipos familiares encontrados nas classes média alta e na classe média baixa
Quadro 12.1 – Tipos de família na classe social média-alta
Nome Diferenciação sexual dos papéis Coesão Abertura Tipo de família
Carmo Indiferenciação de papéis Fusão Familiar Forte Abertura Carolina Indiferenciação de papéis Forte Fusão Familiar Abertura Sara Indiferenciação de papéis Fusão Familiar forte Abertura Teresa Indiferenciação de papéis Forte fusão conjugal Abertura
Companheirismo
Rosário Indiferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Abertura Inês Moderada diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Abertura Carlota Moderada diferenciaçãso de papéis Coesão familiar c/Autonomia Abertura Isabel Moderada diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Abertura Luísa Moderada Diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Abertura
Helena Moderada diferenciação de papéis Forte Fusão Familiar Abertura fraca Casulo
Josefa Forte diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Abertura fraca
Margarida Forte diferenciação de papéis Fusão familiar Abertura fraca Bastião
Ana Moderada diferenciação de papéis Separação familiar atenuada Abertura Associativa
Adriana Moderada diferenciação de papéis Separação conjugal forte Abertura fraca Associativa com abertura fraca
Quadro 12. 2 – Tipos de família na classe média-baixa
Nome Diferenciação dos papeis sexuais Coesão Abertura Tipo de família
Leonor Forte diferenciação de papéis Forte Fusão Familiar Fechamento Cristina Forte diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Fechamento Olinda Forte diferenciação de papéis Forte Fusão Conjugal Fechamento
Familiar
Georgina Forte diferenciação de papéis Forte Fusão Conjugal Fechamento Bastião
Júlia Forte diferenciação de papéis Forte Fusão Conjugal Abertura fraca Paula Moderada diferenciação de papéis Forte Fusão Familiar Abertura Sónia Moderada diferenciação de papéis Forte Fusão Familiar Abertura Elisabete Indiferenciação de papéis Forte Fusão Familiar Abertura
Companheirismo
Clara Moderada diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Abertura Alda Moderada diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Abertura fraca
Lurdes Moderada diferenciação de papéis Forte Fusão Conjugal Fechamento Casulo
Valentina Moderada diferenciação de papéis Coesão Familiar c/ Autonomia Fechamento
Mariana Forte diferenciação de papéis Separação Familiar Forte Abertura Paralela com Abertura
Márcia 2 Forte diferenciação de papéis Separação atenuada Abertura fraca Paralela
No quadro 12.3 procurámos estabelecer a correspondência entre a auto-avaliação do estado de saúde das mulheres entrevistadas e os tipos de famílias em que estas se inserem
Quadro 12.3 – Auto-avaliação do estado de saúde e tipos de família
Classe Social Média Alta Classe Social Média Baixa Nome Tipo de Família Estado de
Saúde
Nome e Nº de entrevista
Tipo de Família Estado de Saúde
Sara Muito Bom Paula 18 Bom
Carolina Companheirismo Bom Sónia Companheirismo Bom
Carlota Bom Elisabete 29 Bom
Inês Bom Clara 21 Bom
Isabel Bom Leonor 16 Razoável
Luísa Bom Cristina 24 Bastião Razoável
Teresa Bom Olinda 14 Razoável
Carmo Razoável Georgina 1 Razoável
Rosário Razoável Júlia 19 Razoável
Margarida Bastião Bom Lurdes 6 Razoável
Josefa Razoável Valentina15 Casulo Razoável
Ana Associativa Razoável Alda Razoável
Adriana Associativa com abertura fraca Razoável Márcia 25 Paralela Razoável Helena Casulo Bom Mariana 2 Paralela com Abertura Bom Mª João Paralela Aberta Péssimo Zulmira 3 Associativa Razoável
Das 14 mulheres que avaliam a sua saúde como francamente positiva – Muito Bom e Bom – onze estão inseridas em famílias de tipo companheirismo, as três restantes repartem-se igualmente por famílias tipo casulo, bastião e paralela aberta.
Nas 15 mulheres que avaliam a sua saúde como razoável, 6 inserem-se em famílias de tipo bastião, 3 em famílias de tipo casulo, 3 em associativas (uma em associativa com abertura fraca) 2 em famílias de tipo companheirismo e uma numa família paralela. A entrevistada que assinala como péssimo o seu estado de saúde insere-se numa família que caracterizámos como paralela aberta.
Poderíamos assim concluir que os estados de saúde avaliados de forma mais positiva se associam predominantemente a famílias de tipo companheirismo; os estados avaliados de forma mais negativa, repartem-se por diversos tipos familiares parecendo haver contudo, uma maior concentração nas famílias tipo bastião. Uma menor diferenciação sexual dos papéis no seio da família combinada com uma maior abertura das fronteiras familiares externas parecem assim associar-se a estados de saúde avaliados de forma mais positiva; inversamente uma maior diferenciação de papéis associada a graus
menores de abertura familiar tendem a relacionar-se com avaliações menos positivas dos estados de saúde.