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2.2 Consciência metatextual: reflexão sobre diferentes dimensões do

2.2.3 Dimensões da consciência metalinguística

O termo metalinguístico surgiu em meados das décadas de 1950 e 1960 para se referir à atividade cognitiva na qual a linguagem torna-se objeto de análise. Mas, foi apenas a partir de 1980 que houve teorizações mais sistemáticas sobre o assunto (SOARES, 2016). Nessa época, apesar de já terem surgido estudos sobre a consciência metalinguística, Pratt e Grieve (1984) chamaram atenção para o fato de que a própria psicologia, assim como outras áreas do saber, ainda não tinha conseguido delimitá-la com exatidão e de forma articulada, haja vista que não se tinha (ou pouco se tinha) clareza sobre os diferentes tipos ou níveis de consciência e o modo como eles se relacionavam. Para Soares (2016), com a publicação de

Gombert (1992), pode-se ter uma maior especificação das dimensões da consciência metalinguísticas. Porém, como adverte esse autor no início do livro Metalinguistic Development22, a classificação das atividades metalinguísticas por ele proposta , tomando como referência critérios linguísticos e não cognitivos é, de certa forma, artificial.

Como poderemos perceber, a consciência metalinguística engloba várias habilidades linguísticas em suas diferentes unidades. Soares (2016) ressalta que a complexidade desse construto é decorrente da diversidade de operações cognitivas nele envolvidas. Com relação a esse aspecto, pode-se dizer ainda que a consciência metalinguística

Não é um fenômeno que possa ser considerado em bloco, cujo desenvolvimento se processe de forma homogênea em relação a todas as instâncias. Embora haja características gerais a serem consideradas nesse desenvolvimento, é necessário considerar as peculiaridades de cada unidade linguística tratada no âmbito da metalinguística (SPINILLO, 2009, p. 105).

A consciência metapragmática, uma das dimensões da consciência metalinguística,

está voltada para as situações de uso da língua

(enunciador/interlocutores/finalidades/contexto de produção). Soares (2006) chama atenção para a classificação originalmente proposta por Gombert em 1990, pois, em obra posterior, o autor questiona a pertinência da inclusão da metapragmática como uma das dimensões metalinguísticas, tendo em vista que a consciência metapragmática constituiria uma categoria maior da qual as demais atividades metalinguísticas seriam subcategorias. Não obstante, para Soares, essa alteração não retira sua especificidade e importância para a aprendizagem da língua escrita. Sobre isso, a autora atesta que os estudos no campo da psicologia cognitiva e da psicolinguística sobre a consciência metapragmática são ainda escassos.

A consciência metassintática, também nomeada de consciência gramatical, concerne, por sua vez, à habilidade de refletir e manipular intencionalmente a estrutura sintática da linguagem. Para Rego (1993), a leitura constitui uma habilidade altamente complexa, na medida em que várias informações interagem durante esse processo. Para dar sentindo ao texto, o leitor precisa não somente conhecer as regras ortográficas da língua, mas, também, utilizar as informações sintáticas. Destarte, que a consciência metassintática possibilita refletir se um determinado enunciado está de acordo com a gramática normativa,

22 Estamos nos referindo à data da primeira publicação em inglês. A obra original de Gombert é anterior à data deste livro e foi publicada em francês no ano de 1990.

ou, ainda, ajustar as formas de expressões conforme as situações sejam mais ou menos formais (MORAIS, no prelo).

Segundo Gombert (1992), as primeiras evidências de um comportamento metassintático podem ser evidenciadas por volta dos seis anos de idade, quando as crianças demonstram habilidade para corrigir violações à gramaticalidade. Soares (2016) comenta que nas pesquisas sobre a consciência metassintática são propostas, por exemplo, tarefas em que os participantes são solicitados a julgar frases, caracterizando aquelas gramaticalmente corretas e aquelas com incorreções gramaticais ou corrigir frases que possuem incoerências gramaticais.

A consciência metamorfológica corresponde à habilidade de refletir sobre os morfemas, isto é, as menores unidades de significado que integram um vocábulo. Muitas palavras podem ser deduzidas se conhecermos a sua origem. Por exemplo, no caso da palavra laranjeira, caso não saibamos a sua grafia, podemos escrevê-la corretamente se soubermos a palavra de origem: laranja. Há, portanto, um elemento comum que serve de base para as palavras. No entanto, alguns pesquisadores, como Gombert (1992), não incluem essa dimensão metalinguística, dada a dificuldade de distinguir a sintaxe e a morfologia.

A consciência metassemântica representa a capacidade de diferenciação das palavras ou sentenças dos seus significados. Soares (2016) adverte que em estudos posteriores Gombert não trata mais o componente semântico como uma das habilidades metalinguísticas. Posteriormente, conforme a autora, ele passa a considerar a consciência semântica e lexical23 como de natureza fonológica. Logo, “o componente semântico da língua oral ou escrita não é uma das dimensões da consciência metalinguística, no mesmo nível das demais, mas se sobrepõe a elas, presente em todas, ora como influência, ora como obstáculo” (SOARES, 2016, p. 163, grifo da autora). No trabalho de Maluf e Zanella (2011), a dimensão semântica aparece sempre associada à dimensão metatextual.

A consciência metafonológica envolve a capacidade de identificar, segmentar, isolar, unir e manipular os segmentos fonológicos da língua. Atentamos, ainda, para o fato de que a consciência fonológica é algo mais abrangente do que a consciência fonêmica, na medida em que inclui a consciência não só dos segmentos fonêmicos da fala, mas também de unidades maiores que eles (MORAIS, 2012). De acordo com este autor, existe uma relação de causalidade múltipla entre consciência fonológica e a aprendizagem da leitura e

23 Capacidade de segmentação da linguagem oral em palavras, considerando tanto as funções semânticas (verbos, substantivos, adjetivos) quanto à sintático-relacionais, que adquirem significado no interior das sentenças.

escrita, pois certas habilidades para identificar e manipular unidades sonoras da linguagem são necessárias para o aprendiz aprender a ler e escrever, enquanto outras parecem ser consequência.

É importante expormos nessa discussão que a consciência fonológica, conforme apontado por Morais (2012), não é uma habilidade única, mas um conjunto de habilidades, com níveis de complexidade diferentes e que se desenvolvem em momentos também diferentes. Ao conceber, conforme sustentado por Morais (2012, p.79), que “a consciência fonológica não é algo que se tem ou não, mas um conjunto de habilidades que varia consideravelmente”, acreditamos que certas habilidades de identificar e manipular as unidades sonoras da língua mostram-se mais fáceis ou mais difíceis que outras.

A consciência metatextual, que é a que interessa mais diretamente a este estudo, passa a ser considerada como uma dimensão metalinguística a partir do estudo de Gombert (1992), sendo composta, para o autor, pelo monitoramento da coerência, da coesão e a estrutura textual. As suas propriedades são examinadas através de um monitoramento deliberado, no qual o sujeito focaliza sua atenção no texto e não em seus usos (GOMBERT, 1992). Para Spinillo (2009), as habilidades metatextuais podem ser desenvolvidas progressivamente e parecem estar, também, relacionadas com a consciência metapragmática:

A atividade metatextual envolve múltiplos olhares sobre o texto por parte daquele que, geralmente, por uma demanda externa, realiza tal atividade. Ao tomar o texto como objeto de reflexão e análise, o indivíduo se depara com a necessidade de considerar os aspectos linguísticos relacionados aos contextos de uso em que o texto se insere. A consciência sobre o texto parece estar também associada à consciência pragmática (SPINILLLO, 2009, p. 104).

É preciso estar atento, porém, para o fato de que não são todos os estudos que possuem o texto como objeto de análise que tratam a consciência metatextual como um fenômeno a ser investigado. A consciência metatextual está diretamente relacionada, nas palavras de Spinillo (2009), com a reflexão consciente, o controle e a explicitação verbal24 das dimensões linguísticas e extralinguísticas do texto.

24 Spinillo e Simões (2003) chamam atenção para o fato de que, com isso, não se quer dizer que não existam outras situações de investigação que dispensem a explicitação verbal. Entretanto, a explicitação constitui um recurso importante a ser considerado em estudos sobre esse tema, uma vez que possibilita o exame dos níveis de consciência que o sujeito possui.