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Capítulo I – Enquadramento Teórico do Estudo 6

1.3. A Etnomatemática e a Educação Matemática 13

1.3.1. Dimensões da Etnomatemática 15

As dimensões apontadas pelo professor Ubiratan D’Ambrósio (2002) são: a dimensão conceitual, a dimensão histórica, a dimensão cognitiva, os desafios do quotidiano, a dimensão epistemológica, a dimensão política e a dimensão educacional.

• No que se refere à dimensão conceitual, esta pretende explicar como surgiu o conceito de matemática sendo a Etnomatemática “um programa de pesquisa em história e filosofia da matemática” (D’Ambrósio, 2002, p. 27). Assim, este surgiu em resposta às necessidades básicas de sobrevivência que os diferentes povos utilizaram para poder obter, essencialmente, alimento. Citando o mesmo autor, “a matemática, como o conhecimento em geral, é resposta às pulsões de sobrevivência e de transcendência, que sintetizam a questão existencial da espécie humana” (2002, p. 27). Deste modo, a espécie humana com base nos conhecimentos prévios do mundo real constrói instrumentos que, de acordo com os materiais (artefactos) e a criatividade (mentefatos) para a construção dos mesmos, permitem dar resposta às necessidades de sobrevivência. Com a evolução da espécie humana as experiências e a forma de pensar desenvolvem-se. Mencionando D’Ambrósio, a realidade percebida por cada indivíduo da espécie humana é a realidade natural, acrescida da totalidade de artefactos e de mentefatos (experiências e pensares), acumulados por ele e pela espécie (cultura) (2002, p. 28).

• A dimensão histórica surge no seguimento da dimensão conceitual, uma vez que se podem encontrar diferentes instrumentos provenientes de acordo com o conhecimento dos diferentes povos. Destacam-se os povos egípcios, babilónicos, judeus, gregos e romanos. Com os contributos dos vários povos as ideias e instrumentos usados foram-se substituindo e aperfeiçoando, é o exemplo do raciocínio quantitativo dos babilónicos que deu lugar ao raciocínio qualitativo dos gregos durante a Idade Média. É de salientar o método de contagem pelos dedos das mãos e, muitas vezes, dos pés dos indígenas brasileiros que satisfaziam as necessidades do quotidiano ainda utilizado no tempo atual.

• A dimensão cognitiva refere-se às ideias matemáticas como “comparar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo, avaliar” (D’Ambrósio, 2002, p. 30) como as formas de pensar dos diferentes povos. Neste sentido, muitos estudos centram-se na questão “O que é pensar?” em que os primatas são alvo de muitas das pesquisas realizadas. Citando o mesmo autor, “nota-se nos primatas a emergência de um pensamento de natureza matemática, privilegiando o quantitativo” (2002, p. 31). Este pensamento matemático revelou-se aquando, como já foi referido anteriormente, o australopiteco lascou um pedaço de pedra para retirar o alimento de um animal morto. Com o desenvolvimento de vários instrumentos e com a comunicação e troca de ideias dos grupos pode-se referir que passou a existir um conhecimento partilhado pelas diferentes comunidades. Assim, surge um pensamento matemático face aos instrumentos construídos de sobrevivência e aos conhecimentos aplicados na construção dos mesmos. A este conhecimento partilhado entre os grupos dá-se o nome de cultura que D’Ambrósio define como “o conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos compatibilizados” (2002, p. 32).

• Os desafios do quotidiano referem-se à relação existente entre os indivíduos e o meio ambiente, uma vez que, conhecendo o meio ambiente em que estamos inseridos torna-se mais fácil obter alimento e proteção. Deste modo, foram-se desenvolvendo técnicas e instrumentos necessários à sobrevivência dos indivíduos. Citando D’Ambrósio (2002), a matemática passou a ser usada como um recurso no quotidiano dos indivíduos pois “foram se desenvolvendo idéias matemáticas, importantes na criação de sistemas de conhecimentos e, consequentemente, comportamentos, necessários para lidar com o ambiente, para sobreviver, e para explicar o visível e o invisível” (p. 35). A utilização desses instrumentos manifesta-se de igual forma no mesmo grupo, mas difere nos instrumentos utilizados por grupos diferentes. Isto é, a Etnomatemática usada por cada grupo está diretamente relacionada com o local onde os mesmos habitam. Como diz D’Ambrósio (2002),

O conjunto desses instrumentos se manifesta nas maneiras, nos modos, nas habilidades, nas artes, nas técnicas, nas ticas de lidar com o ambiente, de entender e explicar fatos e fenômenos, de ensinar e compartilhar tudo isso, que é o matema próprio ao grupo, à comunidade, ao etno. (p. 35)

• No que se refere à dimensão epistemológica, esta surge no sentido de explicar a evolução do conhecimento adquirido pelos povos ao longo dos tempos. Assim, “sistemas de conhecimento são conjuntos de respostas que um grupo dá às pulsões de sobrevivência e de transcendência. São os fazeres e os saberes de uma cultura” (D’Ambrósio, 2002, p. 37). A relação entre os fazeres e os saberes pode ser vista como a conexão entre o empírico e o teórico.

Segundo D’Ambrósio (2002), essa relação resume-se nas três questões que passo a citar:

1. Como passamos de observações e práticas adhoc para experimentação e método?

2. Como passamos de experimentação e método para reflexão e abstração? 3. Como procedemos para invenções e teorias?

(p. 37)

Assim, estas três questões são o suporte que explica a evolução do conhecimento.

• Em relação à dimensão política, com o passar dos tempos começaram a haver culturas que se sobrepunham às outras, ou seja, povos como os gregos e os romanos tinham mais poder em relação a comunidades minoritárias. Foi na passagem do século XV para o século XVI que, citando D’Ambrósio (2002), o Império Romano, impondo as suas maneiras de responder aos pulsões de sobrevivência e de transcendência, mostrou-se eficiente no encontro com outras

culturas, tendo sucesso na conquista e na conversão religiosa, e, consequentemente, na expansão de seu poder (p. 39). É com esta conquista do Império Romano que se inicia o processo de globalização do planeta. Assiste-se a uma dimensão política em que o poder do conquistador prevalece sobre o poder do conquistado. Do mesmo modo, nas escolas existem crianças de culturas e classes sociais menos valorizadas que para atingir os resultados propostos devem integrar-se na cultura da escola. Este facto leva a que os resultados pretendidos nem sempre sejam os esperados por haver a discriminação de umas culturas perante outras. Deste modo, a vertente mais importante da Etnomatemática de Ubiratan D’Ambrósio salienta que “reconhecer e respeitar as raízes de um indivíduo não significa ignorar e rejeitar as raízes do outro, mas, num processo de síntese, reforçar suas próprias raízes” (2002, p. 42).

• Nesta perspetiva, a dimensão educacional surge no sentido de através da cultura do outro se favorecer e enriquecer a própria cultura dos indivíduos. A Etnomatemática não pretende substituir qualquer disciplina de matemática aprendida nas escolas, mas “incorporar a matemática do momento cultural, contextualizada, na educação matemática”.

Neste sentido, a Proposta Pedagógica da Etnomatemática pretende “fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo [agora] e no espaço [aqui]. E, através da crítica, questionar o aqui e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e praticamos dinâmica cultural” (Medeiros & Batista, 2003, citando D’Ambrósio, s.d.).