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Quase simultaneamente a este livro foi publicada uma documentação sobre o

meu trabalho com pacientes psicóticos sob o título Liebe am Abgrund17. Na

introdução, resumo as minhas últimas experiências relacionadas a esse tema. Aqui apresento em excertos esse texto importante para mim.

Nos últimos anos ganhei progressivamente conhecimentos da dinâmica familiar nas psicoses e a examinei em um curso exclusivamente dedicado a esse tema. Foram aplicados principalmente dois tipos de procedimento.

A constelação familiar

O primeiro procedimento foi o da constelação familiar, com o qual já venho ganhando experiência há vinte anos. Na constelação familiar os membros importantes da família do cliente são representados por outras pessoas. Nos representantes tornam-se presentes tanto o ausente como o passado, de modo que não somente os membros da família que estão vivos, mas também os mortos tornam-se presentes e a história de seu

destino vem à luz. Já antes que o terapeuta pergunte a cada um como se sente, o quadro inicial da constelação revela relações que até então não estavam conscientes para o cliente. Se, por exemplo, um dos representantes olha para o chão, pode-se supor que esteja olhando para um morto. Quando todos os representantes olham na mesma direção, isso indica que alguém foi excluído da família ou esquecido. Com base no quadro inicial, pode-se encontrar, através de mudanças de posição e complementações, o quadro com a solução para a família, no qual todos os membros sintam-se bem e em ordem. Adicionalmente a esse quadro, às vezes, a solução é apoiada e aprofundada através de rituais ou de frases importantes que o terapeuta pede que o cliente diga. A esses rituais pertence uma profunda reverência ou, como foi frequentemente necessário durante este curso, o recuar e o voltar-se para o outro lado, deixando para trás o passado e o agravante. Via-de-regra, o afastar-se só é possível quando aqueles membros da família que tiveram um destino difícil puderam expor-se e reconciliar- se com o mesmo. Ou quando aqueles membros da família que se tornaram culpados de maneira especial encararam a sua culpa e suas consequências.

Movimentos da alma

A segunda maneira de proceder chamo de movimentos da alma. Observei que representantes, quando estão totalmente centrados, de repente, iniciam um movimento que não está sob seu controle. Isso se torna possível quando o terapeuta se contém por tempo suficiente e se confia às forças profundas da alma. Em algumas constelações, portanto, o terapeuta não necessita dizer nada, porque dos movimentos dos representantes vem à luz algo oculto que, no final, leva a soluções que não eram previstas por nenhum dos participantes. A atenção aos movimentos da alma e o confiar-se a eles desenvolveram-se, no decorrer do tempo, a partir das constelações familiares. As constelações familiares foram consolidadas e aprofundadas pelos mesmos. Ambos, as constelações familiares e os movimentos da alma se completam e implicam um no outro.

O trabalho com os movimentos da alma exige profunda atenção e concentração, a despedida das ideias habituais, a renúncia à orientação externa, a disposição de se deixar conduzir pelo que é visível no momento e confiar-se ao desconhecido. Quer dizer, exige-se do terapeuta e dos

representantes uma contenção muito maior que nas constelações familiares. Por outro lado, um desvio dessa contenção pode perturbar substancialmente o decurso. Portanto, frente ao cliente, cabe aos representantes uma responsabilidade nitidamente maior do que nas constelações familiares.

Os representantes deixam para trás as experiências e as recordações de constelações anteriores e renunciam a qualquer interpretação do que notam em si. Se para eles a verdade da constelação é importante, eles mostram e expressam somente o que se impõe como essencial. Frequentemente o representante sente prontamente uma leve excitação ou comoção, às vezes já quando é escolhido como representante. Ele não pode seguir logo esses movimentos. Deve ainda esperar, até que o impulso torne-se irresistível. Então cede a ele.

Posso imaginar que esse procedimento primeiro irrita a muitos, porque dá lugar a mal-entendidos. Não é tanto o próprio procedimento, senão as interpretações e conclusões que parecem resultar do que vem à luz através dos movimentos da alma. As conclusões precisam de constante controle no efeito que mostram. Por conseguinte, o que, em caso concreto, foi deduzido dos movimentos da alma só pode ser entendido como uma imagem, cujas dimensões profundas permanecem necessariamente misteriosas. O que aqui vem à luz permite, talvez, também outras interpretações. Evidentemente, quem é levado a outras interpretações deveria examinar igualmente o seu efeito sobre os interessados.

O amor

O que, em especial, veio à luz no trabalho com pacientes psicóticos foi a sua fidelidade e amor à família e sua disposição em tomar para si as consequências de duros destinos e graves culpas de gerações anteriores. Como esse amor abarca a todos - também aqueles que na família se defrontam de maneira irreconciliável como, por exemplo, agressores e vítimas - o seu amor por um dos membros da família entra necessariamente em conflito com o seu amor pelo outro. Este é um dos motivos do seu distúrbio.

A solução

mais elevado, no qual o irreconciliável se reconcilia. Já em nosso comportamento diário experimentamos contradições que permanecem irreconciliáveis. Para mim, a contradição mais profunda existe entre a ação da consciência pessoal consciente e a ação da consciência coletiva inconsciente. Pois, segundo nossa consciência pessoal, diferenciamos quem pode pertencer e quem não pode. A consciência pessoal dá o direito de pertencer àqueles que se comportam de acordo com as normas da família e por isso podem ter uma boa consciência. Por outro lado, exclui do direito de pertencer aqueles que infringem essas normas e, portanto, devem ter uma má consciência. Entretanto, ao mesmo tempo, a consciência coletiva proíbe a exclusão de um membro da família. Por isso, se sob o impulso da consciência pessoal negamos a pertinência a alguém e nisso nos sentimos inocentes, seremos culpados frente à consciência coletiva.

Não sentimos essa culpa como má consciência. Ao contrário, sob a pressão da consciência coletiva inconsciente nos comportamos de uma maneira que faz fracassar o nosso esforço de permanecermos inocentes. Essas contradições são as razões por trás de cada tragédia, tanto na literatura como também na família. A tragédia tem para o observador algo conturbador, pois o comportamento do herói é experimentado pelo espectador como louco e cego. A solução do enredamento trágico só pode ser que, através do discernimento da ação da consciência coletiva inconsciente, se conceda a essa consciência precedência frente à consciência pessoal consciente. Quer dizer, devemos sacrificar a inocência da consciência pessoal à consciência coletiva. Dessa maneira, aqueles que foram excluídos sob a influência da consciência pessoal voltam a ser acolhidos e aqueles que, sob a influência da consciência pessoal se consideravam melhores, inserem-se em uma ordem superior na qual a sua inocência mostrou ser ingênua e sem força.

Mas também a consciência coletiva marginaliza. Ela marginaliza dos antepassados aqueles que nasceram depois, quando estes se elevam acima dos que vieram antes. Por exemplo, quando esses últimos querem alterar o seu destino ou expiar a sua culpa. Por isso, o amor de pacientes psicóticos fracassa, pois o que querem alcançar com esse amor é frustrado pela consciência coletiva. Isso é parte de seu mal.

nível que ultrapassa as duas consciências. Nesse nível comandam os movimentos da alma. Nesse nível todos se sentem como carregados por uma alma em comum, os bons e os maus, os agressores e as vítimas, jovens e velhos. Essa alma os faz servir aos desígnios de algo maior, independente de seus méritos pessoais ou de culpa pessoal e, além de tudo, do que a consciência pessoal ou coletiva exige ou consente. Nesse nível cada um está individualizado, apesar de estar ligado a tudo. Da harmonia com essa alma comum a todos, cada um pode deixar a cada um dos outros o seu destino. Cada um necessita tomar e cumprir o seu próprio destino, sem com isso sobrecarregar outros para além da habitual medida humana.

Algo mais deve ser observado aqui. Essa alma em comum abarca os vivos e os mortos da mesma maneira. Quer dizer, não somente os vivos necessitam assumir individualmente o seu destino. Os mortos também necessitam fazê-lo. Se os vivos deixam aos mortos o seu destino, se deixam a eles a sua culpa, se deixam a eles a sua resistência contra o estar mortos, estes já não podem ficar aderidos aos vivos, como se mostra frequentemente nos pacientes psicóticos. Consegue-se essa separação entre os vivos e os mortos quando os vivos honram os mortos e se curvam com eles perante algo maior, ao qual ambos estão sujeitos, vivos e mortos.

Eu admito: essas são afirmações ousadas. Mas se essas afirmações contribuem para encontrar soluções para pacientes psicóticos - e não só para eles, talvez também para nós - esse risco não é grande demais para mim.

A interrupção do movimento em direção à mãe ou