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Uma criança deficiente

Quando os pais têm uma criança deficiente, esse fato muitas vezes tem o mesmo efeito que o falecimento precoce de filhos. Os pais então se separam e se afastam porque secretamente se censuram ou censuram o outro por causa dessa deficiência, como se fossem culpados. A solução aqui é que os pais olhem um para o outro e digam: “É nosso filho e juntos vamos cuidar dele do modo que necessitar de nós como pais”. Assim os pais podem se aproximar, se apoiar e se fortalecer reciprocamente nos cuidados à criança deficiente. Esse é o primeiro passo.

Irmãos deficientes

Isso tem também um efeito bem profundo nos irmãos, porque as crianças que são saudáveis não têm a coragem de conservar a sua saúde e tomar as suas vidas na sua totalidade. Pois, secretamente se sentem culpadas perante a criança deficiente, porque esta se encontra em desvantagem,

enquanto elas têm uma vantagem. Assim, querem compensar. É semelhante ao que se dá nos relacionamentos humanos normais. Quando alguém recebeu algo, quer dividir ou devolver algo para aquele do qual recebeu, para que se restabeleça o equilíbrio. Essa experiência básica da necessidade de compensação também é transferida para tais situações. Mas aqui tem um efeito especial. A pessoa se sente melhor quando não está bem, porque essa necessidade de compensação existe e é atendida.

A solução aqui está num nível superior. A criança saudável diz para a criança deficiente: “Você é deficiente, e eu sou saudável. Tomo a minha saúde como a recebi e respeito-a como um presente. Mas deixo você participar dela. Se você precisar de mim estarei sempre ao seu lado”. Então, a criança saudável pode ficar com a sua vantagem e ao mesmo tempo deixar a criança deficiente participar dela. Essa é uma compensação num outro nível. Isso deveria ser considerado aqui.

PARTICIPANTE Me pareceu que o senhor trata a existência de uma criança deficiente na família como um caso de morte ou como um golpe do destino. Está correta a minha impressão ou como o senhor vê a deficiência com relação a outros acontecimentos?

HELLINGER A sua impressão está certa. Trato isso quase assim, mas não totalmente. É que através do desnível entre os ganhos e perdas ou vantagem e desvantagem nasce um sentimento de culpa naqueles que têm vantagem.

Se existe uma criança deficiente numa família, via-de-regra, os outros irmãos não têm coragem de tomar a sua vida e seu destino em sua plenitude. Tentam compensar limitando as suas vidas. Se observarmos isso exatamente, adicionam um peso para a criança deficiente porque ela é, por assim dizer, culpada de que os outros se limitem.

A solução é que digam ao irmão deficiente: “Eu me curvo perante o seu destino e perante você que o carrega. E eu me curvo perante o meu destino. Respeito o seu e o meu. Tomo a minha vida como ela me foi dada e deixo a sua como lhe foi dada. Mas sempre serei seu irmão ou sempre serei sua irmã. Pode contar comigo sempre que precisar.” Então a criança deficiente fica livre para se desenvolver.

A criança saudável também pode fazer do seguinte modo: desenvolver-se, ao mesmo tempo, com o irmão deficiente ao seu lado.

Faz isso, por assim dizer, conectado com esse irmão e tira a força dessa ligação. A criança deficiente tem então participação na boa vida de seu irmão saudável e em seus bons atos.

Crianças vítimas da talidomida

PARTICIPANTE Com relação às crianças cujas mães ingeriram talidomida é muito mais difícil a censura. Continua válido o que o senhor disse, de maneira geral, sobre deficiências?

HELLINGER Se a mãe estivesse consciente do efeito da talidomida e mesmo assim a tivesse ingerido, então a censura seria justificada. Mas se não, isso não vem ao caso. Toma-se isso como destino. Todos tomam isso como destino. A criança deficiente diz: “Tomo a minha vida por esse preço”. E os pais podem dizer à criança: “Demos-lhe a vida e você pode tê-la por esse preço”. Isso promove a paz na família.

Um companheiro deficiente

PARTICIPANTE Quais as consequências de uma deficiência que aparece no decorrer de um relacionamento?

HELLINGER Depende se apareceu bem no início do casamento ou se manifestou mais tarde. Por exemplo, quando se constata que um dos cônjuges não pode ter filhos e o outro quer tê-los, então aquele que não pode ter filhos não pode segurar o outro. Precisa liberá-lo.

Se for uma deficiência, por exemplo, que sobrevêm após um acidente de automóvel, então é apropriado que aquele que tem saúde assegure ao outro: “Fico com você”. Nisso existe força. Isso é parte do contrato: nós pertencemos um ao outro e ficamos juntos também em tempos difíceis. Isso é o certo.

Se a deficiência é tão grande que não é mais possível o casamento, então podem se separar. Um exemplo que vivenciei foi o seguinte: o marido acidentou- se, caindo de um cavalo e sofreu uma lesão cerebral, tendo que ficar permanentemente internado e não estava mais em pleno gozo de suas faculdades mentais. Aconselhei a mulher a dizer ao marido: “Eu te amei muito e te respeito, e você será sempre o pai de nossos filhos, contudo agora considero terminado o nosso casamento e vou me dedicar a um novo parceiro”. Ela fez isso. Nesse momento, a fisionomia do marido se iluminou, embora não estivesse plenamente consciente. Para

ele era adequado que não segurasse a sua mulher, porque não poderia haver mais nada em comum aí. Portanto, existem situações diversas. É preciso considerar o que é certo.

Pais deficientes

PARTICIPANTE Qual é o efeito que pode ter para os filhos quando a deficiência sobrevêm durante o relacionamento?

HELLINGER Uma família sempre carrega junto o destino de seus membros. Isso é o adequado. Às vezes existem maus exemplos: o marido voltou da guerra, levou um tiro na cabeça e não regula bem. A mãe o rejeita e tenta se livrar dele. Mais tarde, isso terá nos filhos efeitos terríveis. Internamente permanecem fiéis ao pai e talvez imitem o seu comportamento mais tarde.

Portanto, concorda-se com isso. No momento em que

concordamos com isso, não é tão ruim. Pode se conciliar muita coisa. PARTICIPANTE Minha mãe perdeu uma perna quando eu tinha quatorze anos. Como é que os filhos devem lidar com isso?

HELLINGER Acariciar o coto da mãe ou da avó. É uma linda imagem.

A força que provém de uma deficiência

Frequentemente a sociedade, o meio em que vivemos, compadece-se dos pais que têm um filho deficiente, como se tivessem tido uma má sorte. Mas quando se olha uma família que lida com uma criança deficiente e vê as forças que são liberadas nessa família, amor, brandura e também disciplina, então se vê que essa criança deficiente significa algo especial para essa família. É semelhante ao que, muitas vezes, uma doença significa para nós mesmos quando a tomamos. Uma família com uma criança deficiente ilumina ao seu redor. Muitas ilusões que se tem a propósito da felicidade e da vida são então atenuadas e dão lugar a um profundo apego à vida, tal como é, também com suas restrições e suas limitações.

para uma cliente Você pode ver assim a sua doença, aceitar e respeitar a

assistência que os outros lhe dão. Isso é muito importante: reconhecer como uma dádiva a assistência que os outros lhe dão. Essa gratidão é para os outros uma compensação, o reconhecimento daquilo que fazem por você. Então, é mais fácil para eles fazer isso por você. Se você fizesse

reivindicações, não poderiam mais fazer isso de coração. Isso seria ruim. Então, isso não é importante somente para você, mas para aqueles que cuidam de você. Algumas vezes pode também ficar um pouco melhor.

A ordem de origem

Quando a ordem de origem não é reconhecida, por exemplo, a sequência dos irmãos, pode-se originar uma grande desordem e, algumas vezes, esquizofrenia. Quando uma criança toma o lugar que lhe cabe, ela se sente em ordem. Não se sente menor se antes tiver tomado uma posição superior, mas simplesmente certa. Os irmãos mais velhos tampouco são maiores em seus lugares, mas eles têm uma precedência na ordem.

A criança possuída

PARTICIPANTE Conheço alguém que teve alguns surtos psicóticos e tinha a tendência de se ocupar com imagens de diabos. Ele dizia: “Alguém incorpora o mal”. Nisso se referia aos ensinamentos da igreja católica. O que se poderia dizer aqui?

HELLINGER Descobri algo sobre o diabo. Em um grupo de terapeutas para crianças foi relatado que um garoto se comportava de maneira que fazia suspeitar estar possuído pelo diabo. Não se podia explicar de outro jeito. Eu disse a eles que o diabo é, na maioria das vezes, alguém da própria família. Nós procuramos pelo diabo nessa família.

O jovem tinha sido adotado por uma mulher que havia abortado sete crianças só para irritar o marido. Em vez de ter compaixão pela criança, os terapeutas tinham pena da mãe e achavam que precisavam e poderiam ajudá-la. Olhei para o jovem, o meu coração estava com ele. Com relação à mulher, estava claro: deveria deixá-la com o seu destino e as consequências de seus atos. E não podia deixar a criança com ela. Ela precisava sair daí.

Portanto, quando se acha que o diabo está fazendo as suas, geralmente uma pessoa assim chamada boa ou coitada que é a má. E quando se procura pelo diabo o encontramos geralmente com os anjos. As pessoas mais cruéis se apresentam frequentemente como as mais piedosas ou as mais piedosas são frequentemente as mais cruéis. Elas têm pouco coração.