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Li, no título de um de seus livros que o enamoramento faz as pessoas cegas e o amor faz ver. Pode se dizer isso dessa forma? O enamoramento ou o êxtase não é algo que, na verdade, pertence originariamente ao ser humano? Algo que almeja também num relacionamento duradouro talvez com essa pessoa, algo que vive sempre almejando e onde poder-se-ia dizer: esses são os pontos culminantes de um relacionamento, onde essa visão em comum, esse enamorar-se de novo sempre podem subir à superfície ? De fato, frequentemente temos a experiência de que isso não é possível ou de que a trivialidade, o hábito do dia-a-dia, o peso de um relacionamento e as reclamações pressionam, então, as costas. Mas voltando: o enamoramento e o amor são mesmo opostos que devem ser separados?

Sim. No enamoramento tenho uma imagem do outro sem que o conheça. Eu ainda não o vejo. Vejo um ideal, num duplo sentido. Quando se torna realidade, vê-se lentamente o outro, do jeito que ele é. Concordar com isso, com o outro como ele é, com sua grandeza e suas fraquezas, isso é

amor. No enamoramento concordo com o outro do jeito que eu o imagino, não como ele é. Por isso o despertar do enamoramento é uma condição prévia para o amor.

O que o senhor disse, que se pode lembrar do início, é naturalmente bom. Fecunda o amor através da felicidade do começo. Quando agora se une isso a ver o outro como ele é, ao assentimento para com o outro, do jeito que é, com a recordação da felicidade anterior, então, isso tem um efeito estimulante e é benéfico.

Soluções

Quais são então os problemas centrais que o senhor encontra em sua terapia de casal? Quando duas pessoas se encontraram e estão juntas por alguns anos, mas talvez despertem assustadas e o golpe na nuca é: “Nunca imaginei você desse jeito, na verdade, assim não quero viver com você”. Isso pode ser uma catástrofe. Esse casal vem procurá-lo. O senhor poderia contar alguns exemplos de como é isso, e o que pode ser feito terapeuticamente, quais as ordens que devem ser expostas aqui?

As soluções estão sempre além do imediato. Quando olho para o outro somente como um indivíduo, existe então esse despertar. Quando vejo como está conectado com a sua família e sei algo sobre emaranhamentos, então vejo que ele não pode ser de outro jeito.

Mesmo assim, repito a pergunta: como é que o senhor descreveria a dinâmica necessária quando alguém o procura e diz: queremos fazer algo para o nosso casamento, mas não conseguimos, não sabemos o quê. Na verdade, ficou claro para nós que nosso relacionamento foi construído na base do enamoramento, de uma imagem. Não conseguimos nos suportar ou eu não suporto minha mulher ou a mulher não suporta o marido. Existe uma solução, além da separação?

Depende. Se um fez algo de grave para o outro, por exemplo, se o homem tenta induzir a mulher a abortar um filho comum, e ela não quer isso, isso é tão grave que a separação é praticamente inevitável.

Isso tem a ver com o quê?

É uma ferida que não pode ser mais curada. Existem atos que têm consequências que não podem ser mais revertidos. É preciso reconhecer isso. Naturalmente, vai contra a ideia largamente difundida de que se pode e é permitido solucionar tudo.

Por outro lado, algumas vezes é necessário saber do emaranhamento. A separação é inevitável quando não existe esse reconhecimento e onde não existe a disposição de procurar um possível emaranhamento e, talvez, trazê-lo à luz. Mas a separação não é nenhuma solução, porque isso continua no relacionamento seguinte. A separação é, portanto, uma fuga daquilo que no final das contas a vida exige de cada um de nós.

A completude

Por que é assim, por que essa dinâmica continua no relacionamento seguinte?

O relacionamento tem um aspecto muito importante. É, na verdade, uma encenação contra a morte. Isso tudo serve para a conservação da vida. Tão logo haja filhos, foi atingido a finalidade e o sentido do relacionamento. Aqueles que têm filhos ou querem ter filhos mostram, com isso, que estão conscientes de que se aproximam do fim. Esse olhar para o fim é muito importante. Então, despedem- se lentamente.

Vou dar um exemplo. Num curso havia um casal bem idoso, e a mulher disse que o marido tinha câncer e já estava com metástases. Estava bem claro que não ia viver mais por muito tempo. Tinha mais de setenta anos. Então fiz com que os dois se sentassem um ao lado do outro e se olhassem nos olhos e disse: está bem claro, agora é a hora da despedida. Todo relacionamento se dirige ao fim. Depois disso, os dois se olharam ternamente e a mulher chorou. Fiz com que a mulher dissesse ao marido: “Eu fico com você o tempo que me for permitido” - e com que o marido dissesse para a mulher: “Eu fico com você o tempo que me for permitido”. Havia um amor íntimo inacreditável entre os dois, em face da despedida e da morte.

Isso tem uma grandeza que vai muito além do que possa alcançar alguém que diz: “Vou procurar agora um novo relacionamento e começo tudo de novo”. Alguém assim não compreende que tudo se dirige a um fim.

Por que o senhor dá ênfase à perspectiva da morte e do fim nos relacionamentos? Mesmo que façam isso, o que significa a morte? É um fim irreparável do amor, onde o amor termina? Ou o amor é algo através do qual pode-se pelo menos esperar e desejar que supere a morte?

É uma ilusão que o amor supere a morte. A gente vê, por exemplo, nos casais que se suicidam juntos porque pensam que o relacionamento continua depois. Para mim isso é totalmente ilusório. A morte precisa ser levada a sério como completude da vida e também como completude do relacionamento. Somente aí é que ficamos plenos e completos.

O senhor não fala da vida como algo que encerra o seu fim, mas da completude. Aqui existe uma diferença.

Sim, algo fica pleno e completo. Não sabemos o que está atrás disso. Mas cada um de nós alcança com isso a completude. É assim a roda da vida. Toda vida nova está baseada em que outros cederam lugar. É preciso ver isso. Mesmo aquilo que parece estar orientado para ser duradouro como um relacionamento amoroso, é, face à morte, passageiro. O que há depois, permanece.

Amor e respeito

Gostaria ainda de chamar a sua atenção e fazer perguntas quanto a isso, para uma forma de amor onde ocorrem sempre grandes feridas. O senhor trabalha isso também em seus seminários. O amor entre pais e filhos que pode existir, mas que também pode permanecer perturbado e pode ter seus efeitos até uma idade avançada. O que o senhor diria: qual é, na verdade, a essência do amor entre pais e filhos, um amor saudável entre pais e filhos? De que se trata realmente? Pode ser comparado com o amor que tenho por um animal doméstico e que levo para passear? Onde está a grande diferença?

Aqui fica evidente que somente se olha para o que acontece entre essas pessoas, ou seja, entre esses pais e a criança ou entre essa criança e seus pais. Mas isso só pode ser entendido se for visto num contexto maior. Se, por exemplo, a mãe rejeita sua própria mãe e não quer saber nada dela, então a sua filha vai representar para ela a sua mãe. O relacionamento não resolvido, da mãe com a sua mãe, será transferido para o relacionamento da mãe com a filha. Isso se denomina parentificação. Não existirá nenhuma solução entre a mãe e sua filha antes que a mãe olhe para sua mãe, faça uma reverência e a honre como sua mãe. E antes que tome o que a sua própria mãe lhe deu, honre-o e deixe que se desenvolva dentro de si e presenteie a filha com isso. A filha fica imediatamente aliviada, quando a mãe realiza esse ato perante a própria mãe.

mãe não reconhece que deva honrar a própria mãe. Não pode reconhecê-lo, principalmente, porque talvez tenha apanhado dela ou tenha sido menosprezada ou não aceita a própria feminilidade e, por assim dizer, a sua própria história de culpa se baseia numa história de uma culpa.

O senhor reconduz a um relacionamento a dois. Não é um relacionamento a dois. Nem nas famílias nem nos casais existe um relacionamento a dois. São sempre relacionamentos entre sistemas. Se permaneço fixado no relacionamento a dois, não há solução. Todo bom conselho para a mãe e todo bom conselho para a filha não levaria a nada, aqui.

Vou dar um exemplo. Uma mulher, que nem conheço, me escreveu uma carta. É a segunda mulher de seu mando, e eles têm uma filha em comum, uma filha que não queria saber mais nada de seus pais. Ela tinha interrompido totalmente o contato. Então ocorreu à mulher que talvez algo tivesse que ser colocado em ordem com relação à primeira mulher do marido e com relação ao pai dele. Ambos menosprezados e excluídos. Então, à noite, acendeu uma vela, fez uma reverência profunda para a primeira mulher do marido e disse: “Agora eu a reverencio”. Na noite seguinte fez o mesmo com o pai do marido. Acendeu uma vela, fez uma reverência profunda e lhe disse: “Eu o reverencio”. Alguns dias depois a filha telefonou: Mamãe, eu estou chegando”. Ela veio, estava radiante, não parava de falar como era bom estar em casa. Assim tudo ficou em ordem.

Gostaria de perguntar aqui para o senhor: o que significa reverenciar, honrar alguém? Pois isso não se faz somente dizendo uma frase: “Eu honro você”.

Isso é barato.

Isso é barato. Isso também é quase teatral. O que acontece quando reverencio alguém? O que atua aí, realmente?

Reverenciar significa que reconheço que o outro pertence. No exemplo que acabei de dar, significa que a mãe fale para a primeira mulher do marido: ‘Você tem precedência; você é a primeira mulher, eu sou a segunda”. E que ela diga ao pai do marido: “Você tem precedência; através de você, tenho este marido; reconheço isso; agora lhe dou um lugar em meu coração, um lugar de honra”. Nesse momento, o outro pode se voltar, olhar com carinho e todo o sistema ganha força com isso. Então isso atua. Mas apenas dizer: “Eu reverencio você”, não - não pode ser tão

barato assim. É um processo de transformação que a alma completa em seu íntimo.

Nesse processo de transformação e nessa reverência que os filhos devem prestar aos seus pais há também lugar para uma emoção como o ódio? Existe isso também? Pois isso tampouco acontece tão depressa assim, não é? Essas são, na verdade, soluções das quais o senhor fala. Mas também no processo - no processo emocional - aparecem, frequentemente muita agressividade, raiva, ódio e muitos outros sentimentos diversos que, de vez em quando, são simplesmente necessários. Eles não precisam ser desativados, mas pelos menos precisam ser vistos.

Ainda não vi isso. Essas são ideias. São descritas ou divulgadas, sem que eu as tenha visto um dia. A criança ama os seus pais de uma forma bem profunda. Pode-se contar totalmente com isso. Mas o que acontece é: quando o acesso da criança à mãe ou ao pai foi impedido bem cedo, por exemplo, quando precisou ficar muito tempo completamente sozinha em um hospital, então a dor é tão grande que em seguida se expressa como agressividade. Mas isso é somente o outro lado da perda sofrida e somente o outro lado do amor. O importante seria que essa situação anterior fosse revivida, que o movimento interrompido em direção à mãe ou ao pai fosse levado a termo. Este é um processo muito doloroso. Quando é bem sucedido, tudo aquilo que se deu como motivo para o ódio fica totalmente irrelevante. Não tem mais importância nenhuma.

Mas o senhor conhece a experiência de que apenas se pode odiar realmente aquele que também se pode amar. Creio talvez que não posso odiar alguém tanto como minha própria mulher. E talvez amar tanto quanto a amo.

Esse ódio é um sentimento infantil. Adultos não odeiam nesse sentido. Odeiam somente quando se sentem como crianças, e, aliás, impotentes como crianças. Por isso um homem, como homem, não pode odiar a sua mulher. Pode transferir algo de sua infância para ela. Isso é algo totalmente diferente. Mas reduzir isso somente a comportamentos não é possível.

A solução simples entre pais e filhos é que os filhos reconheçam: Recebi a vida de vocês. Você são meus pais, e eu os tomo agora como vocês são, como os pais certos para mim”. Então a criança fica em paz consigo mesma. Pode, então, tomar os pais e as outras coisas que

oferecem.

Temos frequentemente a ideia maluca de que poderíamos ter outros pais ou de que os pais deveriam ser diferentes do que são. Nesse momento, a criança fica totalmente desnorteada. No fundo, fica louca. Muita reivindicação que é feita

aos pais é, na verdade, uma reivindicação maluca que os pais nunca poderão preencher. Mesmo que tentassem preencher essa reivindicação, o filho não a tomaria, porque essa reivindicação vem de uma outra camada. Nesse sentido, a criança não quer absolutamente nada dos pais, aí atua uma outra dinâmica totalmente diferente.

O que ainda é importante com relação ao que o senhor disse antes sobre o ódio pelos pais: uma criança que odeia os pais irá castigar-se severamente. Pois a profundeza da alma nunca permite isso. É uma tal violação da ordem que não é possível. E é tipicamente ocidental. Nunca vi, por exemplo, entre os zulus que alguém tenha falado de modo depreciativo sobre seus pais. Isso era impensável. Eles ainda podiam ver o que significa receber a vida dos pais.