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Doenças como processos de cura para a alma

Em doentes com câncer trata-se frequentemente de que se exponham à gravidade da situação. A gravidade é, naturalmente, de que se trata de uma doença mortal e que se tem que encarar a morte. Frequentemente, os doentes desejam que o câncer seja vencido. Mas isso não se pode, isso é ilusório.

Na maioria das vezes, as doenças são vistas como algo mau, do qual queremos nos livrar. Mas, ao mesmo tempo, doenças também são processos de cura, principalmente para a alma. Não se pode simplesmente colocá-las de lado. Pode-se ver frequentemente que, quando se admite que uma doença possa servir a uma causa, talvez mais elevada, então ela pode retirar-se. Ela cumpriu o seu dever. Mas deve ficar presente, não pode ser jogada fora. Então, às vezes, ela se retira.

Câncer

Há pouco tempo atrás, o diretor de uma clínica psicossomática contou- me que o seu assistente direto, que conheço há vinte anos, tinha contraído um tumor cerebral. Eu perguntei: “Como está ele?” Ele disse: “Está feliz”. Curioso, diríamos. Pois, quando estou com doentes de câncer observo muito frequentemente que, em primeiro plano, lutam contra a doença e, em segundo plano, têm uma profunda ânsia de chegar à morte através da mesma. Portanto, isso mostraria que para os doentes de câncer a doença e a morte não são nada de mau. É algo pelo qual anseiam. Pois bem, naturalmente investiguei como é que algo assim pode ser possível. O método, com o qual trabalho, prevalentemente, traz à luz tais encadeamentos encobertos. Esse método chama-se Constelações

Familiares e desejo aqui explicar sucintamente de que se trata. Um cliente

escolhe, dentre um grupo de pessoas presentes, representantes para as pessoas importantes de sua família. Pode ser a família atual, portanto ele como o homem ou ela como a mulher e adicionalmente as crianças. Ou, pode ser a família de origem, portanto o próprio pai, a própria mãe e ele ou ela mesmos na série de irmãos.

Pois então, quando o cliente, centrado e sem ter objetivos predeterminados distribui essas pessoas no espaço, repentinamente, ficará surpreendido com o que vem à luz. Nisso, o curioso é: as pessoas que ele escolheu sentem como as pessoas que representam, sem que tenham qualquer ideia das mesmas. Elas sentem até os seus sintomas ou, de repente, mudam de voz, que soa semelhante àquela das pessoas representadas. Portanto, através da constelação familiar vem à luz algo oculto, que até então não era conhecido.

Não posso explicar esse processo. Ele mostra que não somente o próprio cliente, mas também pessoas totalmente estranhas, tão logo

estejam na constelação, ficam conectadas a um campo mais amplo e compartilham um conhecimento que está presente nesse campo que, com a sua ajuda, vem à luz. Portanto, assim decorre uma constelação familiar. Às vezes, abrevio uma constelação. Por exemplo, uma doente de câncer disse: “Pois bem, agora a doença está aí e eu luto contra ela”. Eu sugeri: “Constelamos duas pessoas, uma representante para você e um representante para o câncer”. Ela o fez. A sua representante e o câncer estavam um em frente ao outro. De repente, mostrou-se entre os dois um amor incrivelmente profundo. A representante da cliente foi irresistivelmente atraída pelo câncer e ambos se abraçaram efusivamente. Quando consideramos os nossos conceitos normais sobre doença, isso nos parece muito curioso. Eu perguntei à cliente: “Quando você olha isso, quem é, na verdade, a pessoa que você colocou para representar o câncer?” Ela disse: “É o meu pai”. O seu pai tinha morrido cedo. Mostrou-se, portanto, nessa constelação que ela tinha uma profunda ânsia de reencontrar o seu pai e estar unida a ele na morte. O câncer tinha o significado e o objetivo de reuni-la ao seu pai. Muitas psicoterapias de outros tipos e somente os cuidados médicos podem ter pouco efeito nesse contexto, enquanto essa ânsia profunda não tenha vindo à luz e não tenhamos encontrado para ela uma solução.

Portanto, nesse contexto a dinâmica seria que a cliente dissesse internamente ao seu pai: “Eu sigo você na morte; tenho tanta saudade, que prefiro morrer a seguir vivendo sem você”. Aqui se expressa um amor incrivelmente profundo. Nem o câncer ou tampouco a morte a assustam.

Então nos perguntamos: como se pode ajudar a tal doente, para que essa dinâmica perca o poder, para que ela possa abrir-se mais rapidamente para um tratamento psicoterapêutico e, principalmente, para o tratamento médico? No âmbito da constelação familiar deixo a própria cliente ficar em frente ao pai, fitá-lo abertamente nos olhos e dizer: “Eu o amo tanto, que quero morrer para estar unida a você”. Ela deve fitá-lo firmemente nos olhos. Se ela o fizer, fitá-lo realmente nos olhos e disser: “Quero morrer por amor a você”, notará que isso o faz sofrer. Pois os pais desejam que as crianças às quais presentearam a vida também fiquem em vida, tanto quanto lhes é permitido. Por isso, a cliente, se ama o pai, deve amá-lo de outra maneira. Por exemplo, pode fitá-lo nos olhos e dizer: “Eu

conservo o que me você me deu, tanto quanto me for permitido. Somente quando chegar a minha hora, o seguirei. Por favor, abençoe-me se fico na vida”. Assim, o mesmo amor que antes levava à doença, agora, depois que ela volta a enxergar, transforma- se em um meio que a mantém na vida.

Nesse contexto existe ainda uma outra dinâmica. Suponhamos que o pai da mãe dessa cliente tenha morrido cedo e sua mãe sinta uma profunda ânsia de seguir o seu pai. A criança vê que sua mãe secretamente quer morrer e então lhe diz: “Mamãe, eu faço isso em seu lugar, eu morro para que você fique na vida”. Essa dinâmica possivelmente não se limita ao câncer. Ela tem o seu papel em muitas doenças graves ou também na ânsia de suicidar-se ou em acidentes frequentes.

Volto agora, mais uma vez, ao primeiro exemplo. Ainda antes de seu curso de medicina, aquele médico que agora tem um tumor cerebral esteve em um de meus cursos. Na época ficou claro que corria risco de suicidar-se. Aprofundei- me no caso e perguntei o que havia acontecido em sua família. Lembrou-se que, quando tinha três anos de idade, havia dito ao seu avô paterno: “Vovô, quando é que você finalmente vai morrer e dar lugar?” Pode uma criança de três anos imaginar e dizer tal coisa? Não. Essa é uma frase que já existia antes na família num âmbito mais amplo. Ela se expressou nessa criança que era indefesa contra ela. Foi dita por ela com todas as consequências de sentimento de culpa e posterior expiação vinculada à mesma. Portanto, investigamos o que havia acontecido antes na família.

O outro avô, o pai de sua mãe, era um dentista. Ele tinha começado um relacionamento com a sua assistente. Durante esse relacionamento a sua esposa adoeceu gravemente e morreu. Então a gente tem de imaginar: o marido tem um relacionamento com uma outra mulher e sua esposa adoece. Qual pensamento lhe vem à cabeça? “Quando é que você finalmente vai morrer e dar lugar?” Talvez ele nem tenha expressado esse pensamento, talvez nem desejado, mas essa frase aflorou a partir da situação. Certamente isso foi negado e não mencionado, porém essa frase emergiu no neto.

Ainda um detalhe à margem. Depois que a esposa morreu, o filho mais velho raptou a assistente e começou com ela um relacionamento.

Vocês riem disso, mas eu digo: “Que amor!” O filho respeitava a sua mãe e evitou que seu pai tirasse vantagem de sua morte.

Naquela época pudemos solucionar isso para o neto. Ele estudou medicina, casou-se, teve um filho e era feliz. Entretanto, agora foi atingido pelo câncer e sua reação mostra que ele ainda está emaranhado. Desejo aqui mencionar um segredo e o ilustrarei com uma comparação. Quando alguém tem saúde, sente-se bem. Se tiver boa consciência também se sente bem e em harmonia com o que o cerca. Saúde quer dizer que estamos em harmonia com tudo o que pertence ao nosso corpo e com o que está à nossa volta. Uma boa consciência também significa o mesmo. Quer dizer principalmente: eu sinto que me é permitido pertencer à minha família.

A má consciência, que experimentamos como oposta à boa consciência, não é por si só má, somente a sentimos como má. Pois, porque a temos como má, ela nos obriga a modificar o nosso comportamento de maneira que nos seja permitido pertencer outra vez. Podemos dizer algo semelhante da doença. Quando alguém fica doente, a dor e o sofrimento o obrigam a fazer tudo para tornar a ficar sadio. A dor da doença o obriga a preocupar-se com a sua saúde. Nisso, a saúde e a enfermidade estão numa relação semelhante à da boa e da má consciência.

Pois então, pudemos ver no exemplo que eu apresentei que esse médico está doente com boa consciência. Senão, não poderia estar tão feliz. Portanto, nessa felicidade ele se sente ligado a alguém pelo amor, com os mortos de sua família e, talvez, com a sua avó, que morreu cedo. Aqui se mostra um amor profundo e esse amor é sentido como uma boa consciência.

Portanto, nesse contexto é a boa consciência que colabora para causar a doença, que a condiciona e a mantém. Se ele agora se voltasse contra a doença e fizesse tudo para voltar a ter saúde, talvez não se sentisse mais tão profundamente ligado à sua avó como através da enfermidade. Quer dizer: a saúde seria para ele ligada à má consciência. Então, para tornar-se sadio, ele deveria ultrapassar as fronteiras de sua consciência. Entretanto, isso exige um desenvolvimento pessoal radical.

doentes ou trabalharem com doentes também considerem essa dimensão e possam contribuir de maneira mais abrangente para uma boa solução.

Anorexia e bulimia

Quando anoréxicos estão melhores tornam-se, às vezes, bulímicos. Quer dizer, eles comem e vomitam a comida. Esse é o conflito interno entre ir e ficar. Portanto, quando a despedida da anorexia ainda não foi levada a cabo completamente, então comem. Eles dizem internamente: “Eu fico”. Então vomitam a comida e isso significa que dizem internamente: “Eu vou”. A solução é que a criança, quando quiser vomitar a comida, diga ao pai: “Eu fico” e coma.

No caso da bulimia (comer e em seguida vomitar) existem diferentes dinâmicas. Por exemplo, chega-se à bulimia quando a mãe diz às crianças: “O que vem do pai de vocês não serve para nada, vocês só podem tomar de mim”. Então a criança toma da mãe e vomita a comida em honra ao pai. Essa é uma dinâmica. Essa bulimia é curada quando a criança toma de ambos os genitores, principalmente do pai.

Entretanto, do mesmo modo, a anorexia muito frequentemente converte- se em uma bulimia. Então a dinâmica é uma outra. Aqui anorexia quer dizer: “Eu quero morrer”. E comer aqui quer dizer: “Eu quero viver”. Quando a bulímica come, diz: “Eu quero viver”. Quando ela vomita a comida, diz: “Eu quero morrer”. O vômito é então uma continuação da anorexia. Aqui a solução para a bulímica seria dizer: “Eu fico”. Assim, bem simplesmente. E os pais dizerem, por exemplo, o pai: “Eu fico”.