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DIREÇÃO PARTICIPATIVA E QUALIDADE NEGOCIADA

PRESSUPOSTOS DA AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA

DIMENSÃO CATEGORIA INDICADORES CHAVE DE QUALIDADE

11 Uma organização orientada à aprendizagem

3.2 DIREÇÃO PARTICIPATIVA E QUALIDADE NEGOCIADA

Temos falado muito sobre direção participativa, envolvimento do coletivo, participação democrática; porém, até agora, não nos detivemos nessa questão que não nos parece de fácil tratamento na administração da escola pública. Na verdade, o trabalho coletivo é um dos grandes desafios das organizações e das instituições sociais.

A formação do “eu” e a formação do “nós” aparecem como condições para a realização do trabalho coletivo. O “eu” entendido como a formação técnica, política e humana do profissional. O “nós”, como a conjugação de três grandes forças: as pessoas, que participam com seus conhecimentos técnicos e habilidades humanas; a equipe, que entra com a competência social; a tarefa, como a capacidade operacional da equipe em atingir os objetivos. A formação do “nós” deve levar a escola a assumir compromisso com o trabalho coletivo, com a participação democrática de forma direta ou representativa.

E é preciso lembrar quem somos “nós”. As escolas democráticas precisam basear-se numa definição abrangente de “nós”, num compromisso de construir uma comunidade que é tanto da escola quanto da sociedade onde ela existe (BEANE; APPLE, 2001, p. 39).

De qualquer forma, o grande desafio do trabalho coletivo são as pessoas com as suas idiossincrasias, valores, crenças, interesses, objetivos individuais que muitas vezes contrastam com os do grupo. Ressalte-se que a competência social do coletivo não basta. É necessário que se trabalhe coletivamente objetivos concretos de ensino e aprendizagem, para que o grupo alcance os resultados a que se propõe a escola.

Outros obstáculos dificultam o trabalho coletivo e, talvez, o mais expressivo deles seja o modo de vida que a sociedade impõe às pessoas, o individualismo como conseqüência de outra característica da sociedade atual, o consumo. O consumo não é um fenômeno coletivo, é sim estritamente individual; a sociedade atual preconiza o coletivo como algo opressor e estabelece o individual (o eu) como o único elemento que pode fazer

a relação entre o que existe, coisas e pessoas (FREITAS, 2005a). O individualismo da sociedade se contrapõe à solidariedade que é algo fundamental na relação professor e aluno e, de modo geral, entre escola e aluno.

Existe a crença de que o trabalho coletivo anula ou impede que as pessoas cresçam profissionalmente e conquistem os seus objetivos individuais. Entretanto, o desenvolvimento pessoal será tanto maior quanto maior for o desenvolvimento do grupo; a contribuição será mútua. Para Makarenko (1975) o trabalho coletivo não despersonaliza o homem, pelo contrário dá a ele outras oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Para Marx (1978, p. 57) “[...] a natureza humana é feita de tal modo que não pode atingir a sua perfeição senão agindo para o bem e a perfeição da humanidade”. Partindo da noção de que o todo é maior do que as partes isoladas e que, portanto, o indivíduo pode crescer com o grupo, Pistrak (1981, p. 137) assim define o coletivo: “O coletivo é uma concepção integral e não um simples total referido a suas partes, o coletivo apresenta propriedades que não são inerentes ao indivíduo. A quantidade se transforma em qualidade”.

O coletivo é o todo da escola. Uma vez estabelecido e discutido o que deve ser feito, todos assumem a responsabilidade de fazer. O trabalho coletivo, o trabalho em conjunto, supõe a valorização das pessoas e a relativização das funções (SILVA JUNIOR, 2007).

Partindo do principio de que a liderança é situacional, considera-se que o seu exercício flutua entre os membros do grupo, dependendo de sua maturidade participativa, cada um exercendo-a em sua área de trabalho. Decorre dai a existência de vários líderes, atuando em harmonia de propósitos com a direção da escola. Nesse caso o diretor é um dirigente, alguém que coordena o esforço humano coletivo. Entretanto, para que o grupo alcance essa maturidade profissional participativa é necessário que seja desenvolvido.

Existem vários estágios de desenvolvimento de um grupo. Em cada fase desse desenvolvimento, mudam as preocupações, necessidades e comportamentos dos participantes. Cada grupo dispensará quantidade de tempo diferente em cada estágio de desenvolvimento e freqüentemente novas situações ou tarefas empurrarão o grupo para o

estágio anterior. No estágio de formação, a identidade é a maior preocupação de cada membro; no estágio de confrontação, a influência e o controle; no estágio de normalização, o relacionamento; no estágio de desempenho, a eficácia. Necessariamente todos os grupos percorrerão cada estágio descrito, o tempo de permanência em um determinado estágio é que pode variar. O desenvolvimento do grupo vai depender da maturidade profissional (técnica e psicológica) dos seus membros, bem como da ação do dirigente em promover essa maturidade. O estilo de liderança do líder fica condicionado ao estágio de desenvolvimento em que se encontra o grupo: nos estágios de formação e confrontação os estilos diretivo e persuasivo são os mais apropriados; para os estágios de normalização e desempenho os estilos mais recomendados são o participativo e o delegador (ROBBINS; FINLEY, 1997).

A maturidade participativa do grupo define a forma de o dirigente trabalhar, ou seja, de ele ser mais ou menos “democrático”, dependendo também do grupo e não apenas dos seus propósitos. O dirigente, como educador, coordena o grupo para que assuma, coletivamente, o compromisso da co-responsabilidade pela educação a que a escola se propõe. Assim sendo, a coordenação democrática da escola é compartilhada e assumida coletivamente.

Barroso (1995), falando sobre como desenvolver uma cultura de participação na escola, considera alguns princípios e algumas estratégias necessárias para à implementação de um sistema de participação na escola. Entre os princípios (p.17-18), coloca alguns que são fundamentais: é um “modo de vida” - minimiza a tensão entre o individual e o coletivo, entre a pessoa e o grupo; “implica uma aprendizagem coletiva” - assentada no compromisso de todos; necessidade de “partilhar o poder de tomar decisões” – é o grande objetivo da administração participativa; gera “uma alteração das relações de poder na organização” (entre indivíduos e grupos); implica “ativação de zonas de negociação” - não necessariamente consenso, mas formalizando processos de negociação. Quanto às estratégias de implementação, enfoca o papel do dirigente cuja atuação deve partir da práxis, gerando no coletivo da escola a necessidade de participação, transformando a participação em um instrumento efetivo de alcance de resultados e que não fique somente

no domínio dos valores intrínsecos a ela. É essencial que se atue também junto às pessoas e não só na estrutura da escola, bem como nas áreas que realmente a escola tenha mais autonomia.

Vários são os inibidores do trabalho coletivo na escola pública. Já nos referimos a alguns deles quando falamos dos desafios da educação brasileira. Escola de tempo integral, professores com dedicação exclusiva e jornada em uma única escola, tempo para que os profissionais e os professores possam trabalhar juntos, salários condizentes com a importância do trabalho educativo, professores e profissionais da escola bem preparados, dirigentes competentes e com experiência na função, seguramente, seriam alguns facilitadores do trabalho coletivo na escola. Entretanto, sabemos que essa não é a realidade da escola pública brasileira. Por quê?

O conceito de qualidade negociada pode potencializar as administrações democráticas, participativas e coletivas na escola. A qualidade negociada tem uma “natureza transacional” – não é um valor absoluto e não se estabelece a priori; uma “natureza participativa e polifônica”; uma “natureza auto-reflexiva” – trata-se de reflexão sobre a prática; uma “natureza contextual e plural” – admite modalidades de realização diferentes, ênfase de prioridades, idiossincrasias; “a qualidade é um processo” – pensa-se a qualidade como algo a ser construído; tem uma “natureza transformadora” – transformação para melhor, supõe ação; a qualidade tem uma “natureza formadora” – produção, portanto, de uma cultura que leva à transformação de seus atores. “Perseguir a qualidade implica uma forma de negociação entre atores sociais, com vistas a um acordo que resulte em um trabalho produtivo” (BONDIOLI, 2004, p. 14 a 17).

A fundamentação da qualidade negociada está no fato de ser construída pelo coletivo da escola, em um processo constante de negociação, envolvendo a participação de todos os atores da escola (administração, pais, alunos, professores, funcionários, comunidade) e o poder público. Como é um processo participativo tem o poder de formação, de transformação da realidade escolar, incluindo os seus atores; cria uma cultura de qualidade voltada para a realidade de cada escola. Estabelece indicadores de qualidade

que representam a sua realidade ou desejos de vir a ser. Não dispensa o conhecimento que vem de fora, mas prioriza o conhecimento do real que se constrói dentro da escola. É um processo de reflexão constante da escola sobre a sua prática, em busca das transformações necessárias e desejáveis, em interface com o poder público e suas responsabilidades.

Qualidade negociada não significa, porém, a ausência de um padrão de qualidade. O padrão de qualidade de partida deve ser definido não só pela escola internamente, como também pelas redes de ensino e pelo poder público. Em sendo assim, a escola não define o seu padrão, ou indicadores de qualidade dentro das suas limitações e possibilidades, o que poderia levar à construção de escolas de pobres para pobres, mas segue o padrão de partida definido pelo coletivo do sistema educacional da sociedade.

A noção de “qualidade negociada”, ao admitir que os problemas são fortemente contextualizados e plurais, não quer com isso sugerir, se quer, que cada uma das escolas defina autônoma e isoladamente seus indicadores de qualidade. [...] É importante frisar que a definição de indicadores, apesar das características locais que fortemente explicarão as dificuldades ou facilidades de realização, é estabelecida no conjunto das necessidades e dos compromissos do sistema público de ensino. Ressalte-se ainda que, para o setor público, a qualidade não é optativa, é obrigatória. Nesse sentido, a interface inteligente e crítica com a comunidade local e com as políticas públicas centrais é uma necessidade (FREITAS, 2005b, p. 924, grifo do autor).

A qualidade negociada tem de ser um processo contínuo, fazer parte da vida da escola, do seu modus operandi. Contudo, isso não acontece naturalmente pelo simples fato de ser um desejo. Exige que a escola tenha instrumentos que favoreçam a criação e manutenção do espírito da qualidade negociada. Há que se ter a preocupação contínua de se criar e cultivar uma cultura de qualidade por meio de ações que a mantenham viva e presente no dia a dia da escola; fazer o acompanhamento da qualidade da educação oferecida pela escola que pode se dar não só pela ação dos órgãos públicos, mas internamente pelo coletivo da escola e de modo especial pela comunidade junto à qual a escola está inserida; promover o controle da qualidade, por meio dos indicadores coletivamente definidos, entendido não como um processo burocrático e negativo, mas

ambos os casos, de acompanhamento e de controle, a escola pode lançar mão da avaliação institucional, interna e externa, como instrumento de verificação, utilizando-se dos indicadores previamente definidos pela comunidade escolar. Entretanto, a participação da comunidade escolar no processo da avaliação institucional participativa só será alcançada na medida em que se criar uma cultura de participação nas várias atividades da escola tanto em suas dimensões pedagógicas como administrativas. Na verdade, a participação tem de ser uma conquista da comunidade escolar, um processo que se renova e se supera em um constante devir.

Interessa aqui delinear o conceito de participação, a fim de retirarmos dele o tom vago que muitas vezes o envolve. Dizemos que participação é conquista para significar que é um processo, no sentido legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. Assim, participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual. Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir (DEMO, 1988, p. 18, grifos do autor).

A participação requer que a estrutura de poder da escola seja revista. Participação é poder; participa quem tem poder. Poder nos processos de tomada de decisão, na direção. Neste sentido essa participação é usada como uma “negociação política [...], representação e intervenção política [...], numa luta democrática entre distintos projetos e interesses” (LIMA, 2001, p.133).

A participação assim definida apresenta-se de forma diferente daquela praticada pelas organizações empresariais, que se caracteriza pelo envolvimento das pessoas em cooperação para superação de conflitos gerados, basicamente, pela divisão do trabalho, como forma de se encontrar coletivamente metodologias de trabalho. A empresa ainda se vale da cooperação para a resolver ou solucionar conflitos interpessoais, também decorrentes da divisão do trabalho.

A cooperação assume hoje um papel importante na empresa moderna e de alta tecnologia, em função do acúmulo e diversidade de conhecimento e informações. É

impossível que alguém tenha o domínio de todos os conhecimentos e informações disponíveis, daí a necessidade do trabalho em equipe, na convergência desses múltiplos conhecimentos e informações. A participação na empresa não supõe divergências de posições, de interesses, de objetivos, diferenças de poder.

A cooperação não é uma invenção da administração empresarial. Ela existe como uma forma de administração racionalmente desenvolvida. Portanto, independe de um sistema produtivo determinado. Com o advento do capitalismo, ela passa a ser explorada como fonte de mais valia, de lucro, como “valor de troca”. “A cooperação leva à criação da força coletiva de trabalho, que é mais do que a soma das partes que a constituem” (BOTTOMORE, 2001, p. 80). Portanto, a cooperação é uma forma de administração que auxilia sobremaneira o desenvolvimento do trabalho coletivo. Pode ser usada pela escola como “valor de uso”, tendo como pressuposto que a escola é um local de trabalho socialmente necessário e que precisa ser eficiente e eficaz.

Participação e democracia na escola buscam autonomia e independência de todos os seus integrantes, de todos os envolvidos no processo educacional. A direção democrática da escola extrapola o seu limite e forma a consciência crítica de participação do cidadão na sociedade, desenvolvendo a competência da cidadania, da política, atuando como um instrumento de formação.

O trabalho coletivo na escola ao envolver o conjunto dos alunos pode torná-la mais atraente, desenvolvendo interesses que façam sentido a eles. “As crianças e também os homens em geral formam um ‘coletivo’ quando estão unidos por determinados interesses, dos quais têm consciência e que lhes são próximos” (PISTRAK, 1981, p. 137, grifos do autor).

Mesmo sabendo de todos os problemas que as escolas enfrentam para implementar a administração participativa, ela deve ser um objetivo a ser perseguido. Deve ser vista como um processo de aprendizagem permanente que, interposto pela avaliação dos seus processos, enriquece sobremaneira a direção democrática da escola. Contudo, o exercício

da administração compartilhada não credencia a escola ao alcance de seus objetivos, mas pode representar a sua busca constante.

Justifica-se a necessidade da implementação do trabalho coletivo porque a consciência de sua importância como instrumento de superação de problemas e conflitos e não escamoteados só ocorre de forma coletiva e não individualmente. Isso indica que a aprendizagem em trabalhar coletivamente se dá na prática do concreto, da realidade da escola.

Este esforço da tomada de consciência em superar-se a alcançar o nível da conscientização, que exige sempre a inserção crítica de alguém na realidade que se lhe começa a desvelar, não pode ser, repitamos, de caráter individual, mas sim social (FREIRE, 1980, p. 77).

O trabalho coletivo talvez seja o maior impulsionador da qualidade social da escola pública. Por isso mesmo é um dos grandes desafios que ela enfrenta. O trabalho coletivo quebra as barreiras do autoritarismo e chama todos os segmentos da escola a se integrarem em um trabalho cooperativo e de participação.

Inúmeras são as vantagens da direção participativa para: promover a descentralização do poder; proporcionar um ambiente de negociação permanente; promover a solidariedade; criar um clima organizacional motivador; eliminar a divisão entre teoria e prática; eliminar a divisão e a fragmentação do trabalho; promover a integração dos objetivos comuns a que a escola se propõe, evitando que uns pensem e outros executem; tornar a escola mais atrativa aos alunos.

Em sendo assim, será que o trabalho coletivo interessa ao sistema? São tantos os obstáculos que se tem para a sua implantação que, talvez, a pergunta faça sentido.

3.3 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: A AÇÃO COLETIVA DA EQUIPE