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1. Primeira década

1.1. Nova direção regional

A audiência, em 1982, da Globo no Recife era, segundo o Ibope, de 32%, na parte da tarde. Entre 18h e 20h, 59%. Das 20h às 22h, 63%. A partir das 22h, 42%. Era superior às praças do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador e Goiânia. Ficava, porém, atrás das praças de Natal e de João Pessoa, também atingidas pela Globo Nordeste. A praça campeã de audiência global era São Luís, que atingia 87% no horário nobre (BOLAÑO, 2004). Como já dito, as praças maiores tinham mais emissoras concorrentes. Em estados menores, muitas vezes, o único sinal que chegava era o da Globo. Recife, embora uma praça importante, era uma das cidades onde os Diários Associados tinham tido emissoras fechadas e a única concorrente da Globo, entre as emissoras comerciais, era a Rede Bandeirantes, através da TV Jornal do Commercio, canal 2, em franca decadência. Havia ainda a TV Universitária, canal 11, educativa, naquele momento, já retransmitindo a programação da TV Educativa do Rio de Janeiro. Ou seja, o mercado local, para a Globo, era “céu de brigadeiro”.

Segundo o IBGE, a Globo Nordeste cobria, em 1982, 159 municípios de Pernambuco, totalizando 518 mil domicílios com TV. No Rio Grande do Norte, 83 municípios, 107 mil domicílios com TV. Na Paraíba, 105 cidades, 154 mil domicílios com TV (BOLAÑO, 2004).

É neste cenário que Cléo Nicéas, até então, diretor comercial, passa a dirigir a Globo Nordeste, em substituição a Leopoldo Collor de Melo1. A indicação de Nicéas interrompeu o ciclo de executivos oriundos da matriz na direção regional. Em compensação, para o seu lugar, no departamento comercial, Jairo Pereira Júnior2, vindo da Globo do Rio de Janeiro e, no início de 1983, no mês de março, também oriundo da matriz, para assumir o Departamento Administrativo-financeiro, Armando Neto3, que ficou apenas sete meses, sendo substituído por José Carlos Peléias4, outro importado da matriz.

1 Assumiu, em 1982, a direção regional da TV Globo de São Paulo, tendo sido demitido ao final dos anos 80, sob acusações graves: Roberto

Marinho “não provou nada contra Leopoldo Collor de Mello. (...). Era um cargo político, de representação, que o obrigava a falar ao menos uma vez por semana, pelo telefone, com Roberto Marinho. Uma investigação interna descobriu que um funcionário subordinado a Leopoldo Collor montara uma empresa e, por meio dela, vendia vídeos à própria Globo. O funcionário foi demitido. Leopoldo teve o mesmo destino um mês depois. (CONTI, 1999, p. 121).

2 Oriundo da TV Globo do Rio de Janeiro, o carioca Jairo Pereira Júnior ficou na Globo Nordeste até janeiro de 1987, quando retornou à

matriz.

3 Oriundo da Globo do Rio de Janeiro, o carioca Armando Paulo de Souza Neto deixou a Globo em outubro de 1983 (RH Globo NE). 4 Oriundo da Globo de São Paulo, o paulista José Carlos Peléias ficou no cargo até agosto de 1985, quando deixou a Globo (RH Globo NE).

Mesmo assim, o ano de 1982 pode ser considerado um “divisor de águas” na estratégia de inserção da Globo Nordeste no mercado de televisão em Pernambuco. Começa a se formar um novo núcleo de relativo comando na emissora – envolvendo, aos poucos, todos os departamentos.

A intenção da matriz, ao nomear Nicéas diretor da TV Globo Nordeste, era ampliar, no nível comercial, a conexão entre a pernambucanidade e o padrão de comercialização da Rede Globo, ocorrida de forma exitosa, no Departamento Comercial, quando por lá Nicéas passou. A Rede Globo pretendia ampliar o seu diálogo com elementos tradicionais do universo cultural do mercado pernambucano, pondo, para isso, em sua intelectualidade orgânica, alguém ligado à tradição – sem estar na intelectualidade tradicional - e, ao mesmo tempo, ligado a novas práticas comerciais. Era a estratégia da emissora para a conquista de sua hegemonia no mercado pernambucano, ou seja, implementar elementos modernos, por ela trazidos, mas dialogando com componentes tradicionais, de forma a submetê-los a novas lógicas e/ou roupagens. É importante ter claro que essa estratégia passava apenas pelas relações comerciais, ou seja, a produção televisiva local continuaria escassa, limitando-se ao jornalismo.

Segundo Roberto Menezes (2007), Cléo Nicéas inaugurou a fase em que o diretor regional passou a não se intrometer nos critérios do departamento de jornalismo, em relação ao que deve e o que não deve ser coberto. Sobre isso, a jornalista Vera Ferraz que, a partir de 1984, assumiria a vaga de Menezes, quando perguntada sobre as pressões que sofria do governador Roberto Magalhães5 – que seria eleito naquelas eleições de 1982 – afirmou: “A gente dizia isso a ele: ‘Doutor Roberto, o jornal tem um espaço enorme, e eu só tenho esse tempinho. Então não vou dar isso aí’. Então ele ligava pra Cléo (...), mas Cléo dizia assim: ‘Jornalismo é problema de Vera’” (COSTA e OLIVEIRA, 2006, p. 270).

O jornalista Roberto Cavalcanti (2007) afirma que foi na gestão de Cléo Nicéas que a Globo Nordeste passou a trabalhar de forma una. Ivanildo Sampaio (2007) compartilha desta opinião, dizendo que, antes de Nicéas, existia na empresa uma “cultura” “departamentalizada”, em que os departamentos se ligavam apenas às centrais congêneres, na matriz, sem dialogarem no nível local. Sampaio diz ainda que os departamentos eram “ilhas” e funcionavam como se fossem empresas concorrentes, disputando, inclusive, funcionários, o que trazia problemas de relacionamento no interior da emissora. Devagar, na “manha”, a gestão de Cleo Nicéas acabou

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com isso. O supervisor de operações do departamento de jornalismo, Jóbson Oliveira6 (2007), afirma que foi Cleo Nicéas que transformou a empresa em uma “família”. Roberto Menezes (2007) diz que Nicéas se intrometia no jornalismo apenas para, por exemplo, ir à matriz em busca de equipamentos melhores. Atitudes como essas uniam a equipe, embora, só para efeito de registro, nesse caso específico dos equipamentos, esse problema, mesmo um pouco menor, ainda persistisse.

Com Nicéas, o cargo de diretor regional, que até então tinha apenas conotação social e política, passou, embora não formalmente, a executar projetos. Em entrevista ao Jornal do Commercio, ele afirmou: “Era uma função muito mais de representatividade e social do que executiva. (...) No fundo, com o tempo, minha atividade foi se voltando mais para o produto do que para a representação institucional” (TOLEDO, 28.04.2000).

Nicéas fez alterações na maneira de funcionamento da assessoria de comunicação da direção, de forma a dar-lhe uma função. Tratava-se de um setor cujos membros trabalhavam conforme o ritmo da direção regional. Muitas vezes, tinham como atribuições apenas representarem socialmente a Globo. Chegavam a representar a emissora, por exemplo, em concursos de miss, bem como o próprio Roberto Marinho, nas muitas concessões de títulos de cidadão honorário que o dono da Globo recebia sertão adentro. Eram assessores da “rainha da Inglaterra”. Isso só não ocorria quando eram convidados a escrever algo para Aldeão, publicação da Central Globo de Comunicação, direcionada aos funcionários da Rede Globo.

Como já exposto, o primeiro assessor foi Heitor Maroja. Em 1974, Paulo Jardel entrou na equipe, porém, em 1978, Leopoldo Collor, depois de não conseguir demiti-lo, transferiu-o para a coordenação de infra-estrutura, retornando à assessoria, quando da ascensão de Cléo Nicéas, que o convidou. Em 1975, a assessoria passou a ter a presença de Alexandrino Rocha. No lugar deste último, em 1980, Aldo Paes Barreto. Em geral, eram profissionais de alta qualidade. Na visão de Nicéas, subutilizados, pois, na assessoria, acabava sendo muita gente para pouco trabalho. Alexandrino Rocha, por exemplo, era um profissional conhecido pelas suas grandes idéias. Nesse novo momento, Paes Barreto, renomado jornalista político pernambucano, passou a fazer comentários políticos no Jornal das Dez, fim de noite. Barreto lembra que, nessa época, recebeu uma das tarefas profissionais que mais teve prazer em realizar: a Coleção Histórias e Causos da

6 O Pernambucano Jóbson Oliveira de Souza começou a carreira em 1963, como cameraman da TV Jornal do Commercio. Em 1968, foi para a TV

Universitária. Em 1972 chegou à Globo Nordeste para ser diretor de TV do departamento de programação. Pouco tempo depois, assumiu a mesma função no departamento de jornalismo. Ao final dos anos 70, passou a supervisor de operações deste departamento, função em que se encontra até hoje.

Propaganda do Nordeste7, editada pela Globo Nordeste. Consistia em pequenas publicações, escritas por ele, que contavam as histórias de anunciantes e agências da região. Cada edição era dedicada a uma empresa. Por causa disso, Barreto fez vários levantamentos históricos, através de entrevistas, devido aos quais, muitas vezes, precisou viajar, conferir in loco, descobrir pioneiros, escrever minibiografias, etc. Aldo Paes Barreto deixou a Globo Nordeste em 1986, quando assumiu a Secretaria Estadual de Comunicação, no governo Gustavo Krause8. No ano seguinte, foi a vez de Maroja, que se aposentou. Ficou apenas Paulo Jardel que, agora, tendo a direção regional funções executivas, ainda que informalmente, passou, evidentemente, à condição de uma espécie de assessor-executivo no encaminhamento dos projetos, situação em que estavam também os demais desde que Nicéas assumira a direção regional.

Outra marca de Cléo Nicéas na direção da Globo Nordeste, segundo todos os depoimentos colhidos sobre ele para esta dissertação, foi a “cara” local/regional que a emissora passou a ter, apesar das limitações impostas pela matriz, no tocante à programação. Existia um discurso – e uma prática - da direção regional no sentido de se aproximar da comunidade e de, na medida do possível - sem xenofobia - ter uma Globo Nordeste feita por “pessoas da terra”. Mais do que uma visita à pernambucanidade, uma tentativa de vivenciá-la. Seria uma gestão harmoniosa com a matriz – já que traria rentabilidade - porém com capítulos de tensão silenciosa, pois a filial ficava sempre tentando produzir localmente, chegando, nos anos 90, a fazer teledramaturgia. Seguindo a lógica de coletividade pernambucana – um pernambucano ajuda o outro - ao contrário da matriz, que era cliente de grandes bancos, a Globo Nordeste passou a fazer suas operações financeiras através do Banorte, sendo cliente deste estabelecimento até a sua extinção.

Cléo Nicéas dá outros exemplos: “Inovamos em todos os departamentos. Afastei-me um pouco da matriz e dediquei-me mais à comunidade. Apoiado em Paulo Jardel, na comunicação social, passei a confiar a agências locais os anúncios da Globo” (SANTANA, 2007, p. 213).

A nova estratégia não evitava que a Globo Nordeste continuasse com várias deficiências. A prioridade da Rede Globo continuava sendo as outras praças, como pode ser percebida nesta declaração de Vera Ferraz:

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Alguns títulos desta coleção: Vida e obra de um amigo na praça; Abaeté Propaganda. Desde 1946, uma das boas casas do ramo; 94 anos de marketing das casas José Araújo. Onde quem manda é o freguês; Casas Pernambucanas. Tudo começou quando “Seu” Herman descobriu a pólvora; A Estratégia de Pedrosa da Fonseca. Vendeu Primavera, Inaugurou Verão; Hoje, segunda-feira, 7 de novembro e 311 dias do anno de 1825; Royal: Honestamente Café; Econômico: Um Banco no caminho de nossa História.

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numa reunião no Rio, (...) a gente ficou sabendo do salário dos chefes dos outros Estados. Porque, em termos de salário, a política interna era a mesma em relação aos equipamentos. Em primeiro lugar, outros Estados. Aí, disseram lá: “Tudo bem, eu tenho, eu dou, mas venham pra cá”. Chico [José] não foi, Cleo [Nicéas] não foi e eu também não fui. Acho que o caminho não era esse, não. Acho que a gente podia se fazer respeitar a partir daqui mesmo (COSTA e OLIVEIRA, 2006, p. 273).

É notório, nesse depoimento, o sentimento de pernambucanidade e de equipe, duas marcas da nova estratégia.

Por essa época, a Direção Regional e o Departamento Administrativo-financeiro “sobem” o Morro do Peludo e se juntam ao Jornalismo, à Engenharia e à Programação. Nicéas (2006) diz que se empenhou muito para que a “subida” ocorresse. No seu íntimo, segundo ele, o fato de aquele local ter sido - devido a sua mata densa - esconderijo para os escravos que fugiam dos engenhos de açúcar, carregava muita simbologia regional e de liberdade, além de poder desenvolver uma relação comunitária com os moradores do morro. A TV Globo Nordeste comprou mais terrenos, de forma a ampliar o espaço e, segundo Nicéas, fez o saneamento básico da área. Diz ele: “A nossa ida (...) implicou investimento de 500 mil dólares no Morro do Peludo, a fim de evitar que a água destruísse aquela comunidade. Com isso, resgatamos um pouco do espírito de resistência dos ‘peludos’ [os moradores de lá], que era também o nosso espírito em relação as idéias que nos chegavam formatadas da matriz” (SANTANA, 2007, p. 213). Para Nicéas (2006), a população foi “muito parceira”, pois sofreu muito com os transtornos da obra. Seu plano era que o Departamento Comercial também “subisse” o morro, o que acabou não ocorrendo. Cléo Nicéas (2006) lembra que, através de uma pesquisa, a emissora identificou todos os moradores do Morro do Peludo e, por várias vezes, promoveu atividades que os envolviam, como, por exemplo, levá-los à Paixão de Cristo. Vera Ferraz (2006) diz que existia um jornal impresso feito pela comunidade e pela Globo Nordeste. Nicéas (2006) afirma que toda a experiência comunitária vivida na relação da Globo Nordeste com os moradores do Morro inspirou a feitura, no começo dos anos 90, do programa Globo Comunidade, produzido pelo Departamento de Jornalismo. Nessa relação com a comunidade, Dona Dija, senhora que vendia lanches no portão da Globo Nordeste, acabou sendo “convidada” a entrar. Sua cantina está instalada dentro do prédio da emissora desde 1985.

No ano de 1984, instruída pela matriz, a Globo Nordeste, para estreitar e manter uma boa relação com o público, criou a Central de Atendimento ao Telespectador (CAT9). Antes disso, segundo o jornalista Eduardo Ferreira (2007), que trabalhou na emissora de 1982 a 1984, a chefia de reportagem era quem atendia telefonemas de telespectadores em busca de informações e/ou para fazer reclamações.

Em agosto de 1985, mais um departamento da TV Globo Nordeste passou a ser dirigido por alguém não oriundo da matriz. A pernambucana Maria das Dores dos Santos Perez, conhecida como Dôra Perez, que entrou na empresa em 1979, assumiu o Departamento Administrativo-financeiro, em substituição a José Carlos Peléias.

Na política de valorização e união do grupo, Nicéas pôs em prática o que só existia no papel: o Grêmio Globo Nordeste. Tratava-se de uma associação dos funcionários da casa, a exemplo do que ocorria nas outras emissoras do grupo, que existia apenas juridicamente, desde o final dos anos 1970. Eventualmente, o Grêmio realizava eventos, bailes de carnaval, mas não tinha “vida própria”, permanente, não tinha sequer, sede. Com a presença de Dôra Perez, a partir de 1985, no Departamento Administrativo-financeiro, a entidade passou a ter instalações de lazer, com aluguel pago pela Globo Nordeste, entre outras ajudas.

No ano de 1986, o velho transmissor RCA foi desativado. Em seu lugar, um Harris, também americano, seis vezes mais potente. Em 1987, a TV Globo Nordeste passou a organizar seu acervo de imagens, com a criação do Centro de Documentação (Cedoc10). Profissionais da TV Globo do Rio de Janeiro implantaram esse centro no Recife nos moldes do que já existia na matriz, porem adaptado à realidade local.

Em 1988, o paulista Mário Nemes Pestana, executivo oriundo da matriz, assumiu o Departamento Comercial em substituição a Jairo Pereira Júnior, que retornou à Globo do Rio de Janeiro. Em julho de 1991, nova mudança: Pestana retornou à matriz e o gaúcho Rigoberto Gruner, vindo do escritório comercial da Globo em Porto Alegre, o substituiu.